10/02/2023 - 0:40
Cada escolha, uma renúncia. E suas consequências. Essa máxima esteve na cabeça dos amigos João Pedro Resende e Mateus Bicalho no início de 2011. Era uma decisão difícil. Após se formarem em ciência da computação pela PUC-MG em 2004 e terem uma experiência negativa com a primeira empreitada no mundo dos negócios — naufragou em 2007 o projeto da startup Mobworks, desenvolvedora de aplicativos —, eles voltaram ao mercado de trabalho. Trabalharam na mesma empresa. Resende como gerente de TI e Bicalho como arquiteto de software em uma companhia de tecnologia da capital mineira. Sem desistir do sonho de empreender, concomitantemente se dedicaram à criação de uma empresa de venda de produtos digitais. Basicamente pequenos manuais e livros em PDF produzidos por terceiros. Montaram uma plataforma e colocaram à venda um e-book que Resende havia escrito para ajudar iniciantes a usarem o Google Ads. O faturamento do primeiro mês, em fevereiro de 2011, foi de R$ 180. Sim, cento e oitenta reais. E foi neste momento que os amigos tiveram de fazer uma escolha importante, que mudaria suas vidas: ou ficavam sem tempo, pois trabalhavam como CLT e nas horas vagas atuavam em seu próprio empreendimento, ou sem dinheiro, pois teriam de deixar a empresa em que trabalhavam. Optaram por permanecer sem dinheiro, mas com tempo.
Pediram demissão para tocar a companhia que tinham acabado de abrir, a Hotmart. “Alguém publicou um conteúdo digital e outra pessoa comprou: era a prova de que precisávamos. Não éramos os únicos loucos que víamos que isso era viável”, disse à DINHEIRO João Pedro Resende, CEO e cofundador. “Era só multiplicar essa receita para termos um grande negócio.” Não foi tão simples assim. Mas o fato é que multiplicaram por milhões. E agora ultrapassaram US$ 1 bilhão em GMV (Gross Merchandise Volume, ou Volume Bruto de Mercadorias), com 35 milhões de usuários na plataforma, 580 mil produtos ativos (entre e-books, videoaulas, podcasts, audiobooks, entre outros conteúdos), vendas em 188 países e 1,5 mil colaboradores em suas operações por Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda e México. “Hoje somos a maior empresa do mundo no que fazemos”, afirmou Resende.
MARCOS Pelos números e o atual patamar alcançado pela Hotmart, a escolha feita 12 anos trás mostrou-se certa. Depois dela, algumas consequências foram importantes na trajetória da companhia, situações que o executivo chama de “marcos”. O primeiro deles logo em seu ano inaugural. Em busca de investimentos, a Hotmart participou de um concurso de startups do serviço de comparação de compras Buscapé. Superaram 800 outras ideias, venceram a competição e receberam R$ 1 milhão da premiação. “Isso nos deu fôlego. O desafio era continuar o negócio e crescer”, disse Resende.
Em seguida, foi investida por Kees Koolen, o fundador do Booking.com. Em 2015, a companhia lançou o meio de pagamento Hotpay, o primeiro constituído no Brasil que processava moedas de outros países. Isso possibilitou a expansão internacional, a partir de 2017. Dois anos mais tarde entraram no negócio os fundos General Atlantic e GIC — os valores não foram divulgados. Capitalizada, a Hotmart fez um movimento fora do padrão em 2020: comprou a Teachable, plataforma americana de cursos on-line. “É raro uma empresa brasileira adquirir a líder do setor nos Estados Unidos”, afirmou o CEO da Hotmart. Entre outros aportes recebidos, em março de 2021 mais um marco que fortaleceu a edtech foi a captação de US$ 130 milhões em rodada série C liderada pelo TCV, famoso fundo americano que já colocou dinheiro em gigantes como Airbnb, Facebook e Netflix.
Neste momento a empresa aprimora os mercados em que já atua e amplia sua atuação na América Latina, principalmente México e Colômbia. Enquanto isso, comemora bons resultados: crescimento de dois dígitos em 2022 comparado com 2021 — o percentual exato é tratado com sigilo — e começa 2023 com “janeiro excelente”, nas palavras de Resende “É o melhor mês da história da empresa. O que não é óbvio, porque nossa Black Friday em novembro é muito forte.”
A empresa mudou de tamanho. O valuation está acima de US$ 1 bilhão. Mas o modelo de negócio continua o mesmo de quando foi inaugurada, inclusive com o mesmo percentual de comissão. Criadores de conteúdo colocam seus produtos à venda na plataforma e a Hotmart fica com 9,99% da transação. Há 12 anos a contabilidade fecha no azul, segundo o CEO. Escolha que tem dado resultado.