Pedalada fiscal é o nome dado ao artifício contábil usado pela administração pública para melhorar o resultado das contas do governo. Trata-se de um princípio tão simples quanto a lógica do devedor que adia pagamentos aos credores para fingir que está com as finanças sob controle, seja ele uma pessoa física ou uma empresa privada. No entanto, o servidor que recorre a essa prática com dinheiro público, corre o risco de cometer um crime e ser responsabilizado por isso. Ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, as pedaladas se tornaram comuns, alcançando o auge no ano eleitoral de 2014, quando o Tesouro Nacional deixou de repassar R$ 37,1 bilhões a bancos públicos para programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.

Apurada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), essa conta agora ameaça a estabilidade do governo, porque pode implicar na reprovação das contas do ano passado. Na quarta-feira 17, pela primeira vez na história, a Corte de fiscalização demandou novos esclarecimentos da Presidência a respeito dos indícios de irregularidades encontrados nos números. O TCU concluiu que, sem receber do Tesouro, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil usaram recursos próprios para fazer os pagamentos e acabaram financiando o governo, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que acaba de completar 15 anos.

Essa era uma prática muita usada pelos Estados junto aos seus bancos regionais na década de 1990 e contribuiu para acentuar a severa crise bancária da época, quando o governo foi obrigado a socorrer uma série de instituições financeiras. A avaliação das contas do primeiro governo Dilma encontrou mais irregularidades. Ao todo, as distorções somam R$ 281 bilhões e incluem desde divergências nos créditos a receber dos contribuintes até a omissão de registros na dívida líquida da União. Outra infração à Lei de Responsabilidade Fiscal teria sido cometida pela equipe do então secretário do Tesouro, Arno Augustin, que não congelou os gastos no quarto bimestre, mesmo diante de um quadro de arrecadação pífia.

A presidente Dilma terá 30 dias para se defender das 13 irregularidades apontadas – além das pedaladas, há questionamentos como a falta de metas no Orçamento. Como instituição técnica, o TCU apenas baliza o Legislativo em relação às contas. Um parecer de reprovação, portanto, não tem efeito prático imediato. Segue para ser apreciado pelo Congresso. Só aí, então, é que se abre a possibilidade de um processo de impeachment da presidente ou de uma condenação por crime de responsabilidade. Deputados e senadores vinham tratando com desleixo essa parte do processo, que é um pilar constitucional.

Contas de governos passados ainda estão pendentes de apreciação — a última avaliação foi feita em 2002. “A administração tem de agir com transparência e, se as contas devem ser prestadas, precisam ser apreciadas, sob pena de o sistema jurídico cair por terra”, afirma Antônio Cecílio Moreira Pires, professor de direito administrativo da Universidade Mackenzie. Ainda que eventuais efeitos práticos estejam distantes, a ameaça mais iminente pode atrapalhar a equipe econômica em seu esforço para conquistar a confiança do mercado. Um cartão amarelo do TCU levantaria dúvidas sobre se a prática já foi completamente abandonada. Também acrescentaria uma parcela extra de risco, ao inserir o cenário de um eventual impeachment no horizonte político.

Sem contar com o custo de ajustes que podem ser exigidos, como a inclusão, na dívida pública, dos passivos omitidos, que elevariam em 0,7 ponto a relação dívida/PIB, neste ano, segundo cálculos do Ibre/FGV. Não por acaso, as agências internacionais estão de olho nos desdobramento para novas avaliações sobre a nota de risco. A Moody’s é a próxima a reexaminar o País. Um representante da agência deve desembarcar em Brasília em julho, às vésperas do período em que expira o prazo para as explicações do governo ao TCU. Será que os argumentos oficiais vão convencer?