08/04/2022 - 4:50
O entendimento da dimensão e importância portuária na economia brasileira atravessa gerações, mas nunca saiu do campo das ideias. Sob tutela do governo desde que nasceu, a administração portuária nunca foi bem. E ainda que a importância estratégica do controle de terminais por parte do Estado entre na discussão, é notória a falta de capacidade de gerir, investir e administrar o espaços apenas com os recursos públicos. Segundo o governo federal, o setor precisaria receber, até 2035, R$ 60 bilhões em investimentos para ampliação, melhoria e atualização dos serviços, valor impossível de obter com a média anual de R$ 2,6 bilhões repassados pela União para este fim na última década.
Nessa encruzilhada, a gestão do presidente Jair Bolsonaro, em especial do até então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, deu um passo importante e simplificou o processo de concessão no setor, abrindo o caminho para a primeira privatização de administradora portuária em solo brasileiro. O resultado marcou o início de uma nova era, mas também abriu espaço para novas tensões e incertezas sobre como funcionará esse modelo de negócio.
Para entender o que mudou na estrutura portuária é preciso olhar para trás. Até 2013, a administração dos terminais era gerida pela Lei nº 8.630/1993, também conhecida como Lei de Modernização dos Portos, que por ser anterior à Lei das Concessões Públicas (nº 8.987/1995) deixava pontas soltas e feria regras para a lisura dos certames. Foi só em 2013 que a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.815, conhecida como Nova Lei dos Portos. Amparada por práticas mais aceitáveis, ela tinha tudo para tirar a âncora que segurava o setor. Mas não tirou. Por dois motivos. Primeiro porque balizava o certame na empresa que oferecesse menor tarifa. Segundo, por um nó judicial gigantesco envolvendo uma centena de detentores de arrendamentos ativos dentro dos portos, que ganharam seu direito legal de uso e exploração antes de 2013. Na gestão Michel Temer (que já teve seu nome envolvido em investigações no porto de Santos) o assunto parou, garantindo a manutenção do status quo das empresas que já atuavam nas áreas portuárias.
Mas sabe o que os governos Dilma, Temer e Bolsonaro têm em comum? Tarcísio Freitas. O engenheiro começou a ganhar espaço em 2014, quando assumiu o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Depois foi secretário da Coordenação de Projetos da Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), até assumir o ministério da Infraestrutura. Com essa experiência, Tarcisio simplificou a forma de apresentar a concessão portuária. Aproximando o modelo de um shopping center. O administrador do porto tem o mesmo papel do de um mall. Cuida da zeladoria, dos acessos e das áreas comuns. As áreas de exploração logística são as lojas. Algumas maiores, outras menores, com contratos de início e fim diferentes, respeitando peculiaridades contratuais. Também ficou decidido que a concessão da administradora ocorreria em paralelo às áreas, o que foi visto como um compromisso do governo de garantir dinheiro privado também na infraestrutura geral dos terminais, inclusive nos acessos por terra.
Com a tríade privatização das administradoras, arrendamentos de áreas portuárias e concessões de trechos de acesso ao terminal (hidrovia, ferrovia ou rodovia), a aceitação foi boa. Para Norton Gagliasso, doutor em engenharia e logística que fez parte da construção do Programa Ponte para o Futuro, de Michel Temer, a modelagem atual é a mais próxima dos modelos europeus no setor. Luis Fernando Biazin Zenid, advogado e sócio na área de Infraestrutura do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados (DSA Advogados) concorda. “É uma decisão acertada, pois na mão da iniciativa privada os investimentos de curto prazo, de expansão e manutenção, ocorrem de maneira mais rápida.”
INÍCIO Na primeira privatização de uma administradora portuária brasileira, em 6 de abril, quem ganhou foi o fundo de investimento Shelf 119 Multiestratégia, da gestora Quadra Capital. A empresa ofereceu R$ 106 milhões de outorga pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), além do compromisso de adquirir suas ações por R$ 326 milhões e pagar outros R$ 186 milhões em 25 parcelas anuais. Com a presença de Tarcísio, o leilão foi acirrado como não se via desde 2013, no auge do Programa de Investimento em Logística de Dilma, quando os aeroportos eram os queridinhos da iniciativa privada. O duelo foi com o consórcio Beira Mar, formado por Vinci Partners e Serveng. Depois de 21 rodadas e 41 lances, Shelf foi a vencedora. Com a Codesa, levou a concessão dos portos de Vitória e Barra do Riacho, por 35 anos. Os dois portos continuarão com os arrendatários atuais, mas seus contratos serão transferidos para a vencedora do leilão, que terá de investir R$ 855 milhões.

“Temos terminais privados eficientes e competitivos mas que esbarram na administração portuária pública. Vamos desatar estes nós.” Diogo Piloni Secretário Nacional de portos.
O País tem sete Companhias Docas (BA, CE, ES , PA, RJ , RN, e SP) e outras autoridades portuárias. São responsáveis pelo funcionamento do porto, desde a chegada do navio, do caminhão ou do trem. Com todas essas funções, a ineficiência do poder público na gestão fica mais acentuada, como explica o secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni. “Temos terminais privados eficientes e competitivos, mas que esbarram na administração portuária pública. Vamos desatar esses nós.” Zenid, do DSA Advogados, ressalta que ao poder público cabe ainda o papel de fiscalizador. “Com investimentos privados, também evita-se processos de litígio em dragagens de portos, cancelamento de licitações, impugnações por falta de cumprimento de exigências.”
Além da Codesa, estão na rota da privatização os terminais de São Sebastião (SP) e Itajaí (SC), que juntos servirão como piloto para a privatização do Porto de Santos, previsto para este ano. Mas há obstáculos. A venda da participação acionária da Santos Port Authority (SPA) exigiria aporte de mais de R$ 15 bilhões. Além de ter contratos de arrendamentos mais problemáticos juridicamente, muitos feitos sob processos questionáveis e com donos poderosos. Mas essa briga Tarcísio não deve acompanhar de perto, já que pediu exoneração do cargo de ministro para poder disputar, ao que tudo indica, o governo de São Paulo em outubro.