Quando o presidente chinês, Xi Jinping, subir a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, na manhã da quinta-feira 17, será recebido com toda a pompa pela presidenta Dilma Rousseff: tiros de canhão, revista da guarda presidencial e cavalaria. Xi, que também será o convidado de honra de um almoço programado para o Itamaraty, fará uma visita à tarde ao Congresso e, à noite, assistirá a um show com a participação de orquestras dos dois países e do cantor Paulinho da Viola.

Uma recepção como raramente se vê em Brasília e que marca uma nova etapa na relação entre Brasil e China, respectivamente a sétima e a segunda maior economia do mundo. Dilma e Xi já terão se encontrado dois dias antes, durante a reunião dos BRICS, o bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em Fortaleza, (leia reportagem aqui), mas é na capital federal que eles tratarão dos assuntos mais diretamente ligados aos dois países.

Maior parceiro comercial do Brasil, destino de pouco mais de 21% das exportações brasileiras e origem de 16,61% de todas as compras do País no Exterior, o país de Xi Jinping sempre despertou receio nos empresários brasileiros, atemorizados com a invasão dos produtos “made in China”. Nos últimos anos, isso vem mudando. O agronegócio já percebeu há muito tempo a importância da China, a economia que mais cresce no mundo há três décadas, para o seu próprio desempenho. Boa parte do aumento de preço das commodities no mercado internacional deve-se ao apetite dos chineses.

Nos últimos tempos, a indústria nacional, que sofreu com a concorrência dos importados no mercado doméstico, resolveu se aliar aos antigos rivais. “Houve um ajustamento no mercado”, diz o embaixador Sérgio Amaral, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China. “Algumas empresas que estavam ameaçadas pelos chineses passaram a importar alguns produtos que antes fabricavam.” No cargo desde março do ano passado, Xi Jinping chegou ao poder com a missão de aprofundar as reformas econômicas e sociais iniciadas no país no início dos anos 1980, quando a China cresceu num modelo apoiado em exportações e investimentos em infraestrutura.

Nesta nova etapa, os chineses querem aumentar o consumo interno e acelerar o processo de migração do campo para as cidades. “Isso vai abrir muitas oportunidades e esperamos que o Brasil saiba explorar esse potencial”, diz Marcos Jank, diretor global de assuntos corporativos da BRF. Para ultrapassar as barreiras impostas aos estrangeiros no mercado de carne chinês, a BRF está negociando uma joint-venture com uma empresa local. O objetivo é montar um sistema de distribuição que permita vender ao gigante asiático produtos mais sofisticados, com maior valor agregado.

“Em vez de farelo de soja, precisamos vender proteína animal”, diz Jank. Do lado brasileiro, a pauta de exportações é, cada vez mais, dominada pelos produtos básicos. Do total de US$ 19 bilhões vendidos à China, entre janeiro e maio deste ano, US$ 16,8 bilhões foram commodities, como soja e minério de ferro. A pauta dos chineses, por outro lado, é bem diferente. Dos US$ 15,7 bilhões comprados por empresas brasileiras do país, nos primeiros cinco meses deste ano, US$ 15,5 bilhões foram de bens industrializados. Além de principal parceiro comercial, nos últimos anos a China tornou-se também um dos maiores investidores estrangeiros no Brasil, com participação em empresas de vários segmentos.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), Charles Tang, estima em US$ 60 bilhões o total de ingressos nos últimos quatro anos – embora o número oficialmente registrado no Banco Central seja bem menor, porque boa parte dos recursos circula entre subsidiárias sediadas em outros países. Outros US$ 40 bilhões já estão programados, incluindo a participação de duas petroleiras chinesas no Campo de Libra, no pré-sal, e da State Grid, no consórcio que vai construir a linha de transmissão que levará a energia da usina de Belo Monte.

No setor automotivo também é forte a presença chinesa. Nove montadoras estão se instalando no Brasil para produzir veículos de passeio, ônibus e caminhões. Entre elas a JAC Motors, com uma fábrica em Camaçari, na Bahia, a Chery, com planta em Jacareí, em São Paulo, e a Beiqi Foton, que vai montar caminhões no município de Guaíba, no Rio Grande do Sul. Outros investimentos dependem de mudanças na legislação, como a que proíbe a compra de terras por empresas estrangeiras, ou da aprovação do novo código de mineração.

“Somente nesses dois setores poderíamos ter US$ 80 bilhões que estão represados”, diz Tang. Na quarta-feira 16, enquanto os dois presidentes se encontram no Palácio do Planalto para a assinatura de cerca de 30 acordos bilaterais, a apenas três quilômetros de distância um grupo de 200 empresários chineses e pouco mais de 100 brasileiros se reúne na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para tratar das parcerias empresariais.

A indústria brasileira, que já teve a China como inimiga, agora quer fazer negócios. “Hoje vemos que não há o que temer, temos que nos comportar como um ator global”, afirma Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI. Pelo menos dois atos de cooperação que serão firmados por Dilma e Xi Jinping devem gerar negócios já no curto prazo. O Banco do Brasil vai firmar uma parceria com a chinesa Sinosure para garantia de crédito em investimentos bilaterais.

E um acordo governamental na área de ferrovias vai permitir a implantação de um projeto conjunto entre a China Railway Construction Corporation (CRCC ) e a brasileira Camargo Corrêa para disputar a concessão de um projeto ferroviário que transportará grãos do Centro-Oeste para portos do Norte e do Sudeste. Depois de constatar que é inútil tentar barrar o progresso chinês, empresas e governo brasileiros perceberam que é melhor tentar crescer juntos do que ser atropelados por ele. A título de boas-vindas, resolveram estender o tapete vermelho.