05/11/2021 - 12:35
Em visita ao Brasil pela primeira vez como CEO do grupo TAP Air Portugal, Christine Ourmières-Widener esteve envolvida em uma intensa agenda de compromissos com gestores públicos de diversas regiões. Acompanhada de membros do conselho, a executiva busca reforçar os pilares do plano desenhado para virar o cenário da operação. No primeiro semestre de 2021, a companhia registrou prejuízo de 493 milhões de euros. Ainda que uma melhora de 15% em relação ao resultado do mesmo período do ano passado, quando o saldo ficou negativo em 582 milhões de euros, o fechamento de fronteiras no início do ano desacelerou a recuperação da empresa. A TAP tem quatro anos para sair do vermelho. Como seu maior mercado internacional, o Brasil detém 25% da receita do grupo. Por aqui, o foco vem sendo se aproximar de governos estaduais para promover os 11 destinos nacionais em que a companhia aérea opera com voos diretos partindo de Lisboa. “Precisamos mudar a percepção negativa sobre o cenário da Covid-19 aqui”, disse a CEO. “Estamos buscando comunicar aos turistas europeus que o País voltou a ser um destino seguro.”
Só que o desafio da TAP não é nada simples. O setor ainda deve registrar prejuízo global de US$ 10 bilhões no próximo ano, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo, totalizando US$ 201 bilhões em perdas desde o início da pandemia. A fase mais difícil parece ter passado com 2020, que concentraria 68% dos prejueizos estimados para o triênio. Mas vem sendo difícil para qualquer empresa decolar depois de dois anos de queda brusca e com incertezas sobre a pandemia à frente.
No Brasil, as principais companhias nacionais, cujas maiores fontes de receita são os voos domésticos, ainda sofrem para se reerguer. Analistas de mercado estimam que Gol e Azul devem reportar resultados negativos no terceiro trimestre de 2021. Entre as maiores operações hoje no País, o caso da chilena Latam é ainda mais complexo. O grupo conseguiu prorrogar o prazo de exclusividade para apresentar seu plano de recuperação até 26 de novembro nos Estados Unidos e provar aos credores que pode se reerguer. O caso se assemelha em parte com o da TAP, que também negocia seu processo de reestruturação. Neste caso, com a Comissão Europeia.
RECUPERAÇÃO Ainda em 2020, o governo português retomou o controle da TAP pela compra das ações durante o nada favorável cenário de fechamento das fronteiras. Hoje, o Estado tem 92% de participação e ruma para os 100% com a previsão de injetar 3,1 bilhões de euros na companhia nos próximos três anos. Mesmo ainda no aguardo da aprovação da Comissão Europeia sobre o plano apresentado para a recuperação do negócio, a empresa já iniciou as manobras para girar o caixa.
A expectativa é ter o parecer até o fim deste ano, mas a TAP entende que não tinha tempo a perder. Ainda no fim do ano passado, havia iniciado o enxugamento da operação e anunciado cortes de custos. Até junho de 2021, a frota tinha sido reduzida para 94 aeronaves, 13% a menos no período de um ano. Já o plano de demissões coletivas e corte de salários vem sendo implementado desde o início deste ano, tendo representado 8,6% da redução de custos no primeiro semestre. Somente entre abril e junho, a operação dispensou 722 funcionários. Os investimentos caíram 79% entre os mesmos períodos e devem seguir focados no básico e necessário: frota, manutenção e digitalização do negócio pela plataforma Fly TAP.
Engenheira aeronáutica com 30 anos de experiência no setor aéreo, a atual CEO foi convocada para dar celeridade e escalar a transformação da companhia. Christine abandona o discurso pragmático e otimista apenas quando considera inevitável. “Os cortes em pessoal são muito doloridos, mas foram adotados como último recurso”, disse. Ela nega previsão para novas demissões em massa, mas admite que esta é uma decisão que depende da estabilidade do quadro macroeconômico e da pandemia. A agenda, cada vez mais focada no ajuste da capacidade e dos custos, no aumento das receitas e na restauração do caixa, está em suas mãos desde junho.
Desde a abertura das fronteiras, a aposta no fluxo da Europa para o Brasil vem se mostrando fundamental para a retomada das receitas na empresa. Apenas a desvalorização cambial acarretou perda equivalente a 62,8 milhões de euros no primeiro semestre deste ano. Com o peso do mercado brasileiro na operação, a desvalorização influencia o caixa de forma crítica. “Ter uma moeda forte aqui é muito importante para nós”, afirmou Christine. A TAP deve manter a operação no próximo ano a 80% da sua capacidade. A projeção da empresa para recuperação da demanda é só para o fim de 2023. Isso em um cenário sem grandes surpresas. Até lá, precisa se provar como um negócio sustentável.
Na manhã em que concedeu entrevista à DINHEIRO, Christine se reuniu com a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), para tratar da retomada dos voos para o aeroporto de Natal. Segundo a companhia, a capital potiguar tem potencial para atrair passageiros de Portugal, Espanha e França, saindo de Lisboa. Com a proximidade do inverno no hemisfério norte, as regiões Nordeste e Norte do Brasil se tornariam refúgios para os turistas europeus. “Em apenas seis horas, esse turista sai do inverno rigoroso para o calor do litoral brasileiro.” Hoje, a empresa opera 53 linhas em sete capitais brasileiras, mas tem perspectiva de voltar a aterrissar em Belém e Maceió, além de Natal, até o fim deste ano, o que representa expansão de 18% da rede. Até meados de 2022, a linha entre Lisboa e Porto Alegre também será retomada. Mario Carvalho, diretor da TAP no País, que acompanhou toda a agenda da líder por aqui, disse que a aérea é “a empresa com a maior oferta de voos internacionais para destinos brasileiros, até mesmo entre as nacionais”.
DE CÁ PARA LÁ Neste sentido, o Brasil reforça seu papel como um mercado crucial para a operação. Além de atender todos os critérios indicados no plano de reestruturação, as vendas de passagens por aqui já retomaram os patamares de 2019. Hoje, a TAP opera nos aeroportos internacionais no Rio de Janeiro e em São Paulo acima dos níveis estabelecidos para as temporadas de pico.
Apesar dos abalos na economia nacional, ou talvez justamente por eles, a demanda dos brasileiros para voar para Portugal segue em crescimento. A tendência é que o ritmo se mantenha no horizonte mais próximo.
Mas o negócio deve passar por uma prova de fogo durante o verão europeu de 2022, se a pandemia permitir. “Por isso, estamos propondo projetos para o longo prazo e não apenas na próxima temporada”, disse Christine. Por aqui, além de custear os testes de Covid-19 para os passageiros, a TAP sentou-se com as parceiras Azul e Gol para discutir a integração da experiência. “No Brasil, o atendimento ao cliente é até mais importante do que em outros mercados.” Ainda que o futuro do negócio não esteja inteiramente sob seu controle, a TAP fará de tudo para garantir um voo tranquilo e sem novas turbulências para a operação..
AZUL AQUECE MOTOR PARA A ALTA TEMPORADA
A menos de dois meses do verão no hemisfério sul, a Azul anunciou voos diários entre o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e a ilha de Fernando de Noronha. A partir do dia 20 de dezembro, jatos Embraer E2 farão a rota uma vez por dia durante toda a semana. Primeiro voo direto entre os dois destinos, a viagem terá duração de quatro horas, com saída da capital paulista pela manhã, e do arquipélago pernambucano, na parte da tarde. Para a alta temporada, a empresa projeta consolidar a maior malha da sua história na região Nordeste. Somente Recife, seu segundo maior centro de conexões no território nacional, ganhará dez novas rotas até o início de 2022, chegando a uma média de 84 voos diários operados pela companhia. Para o trecho internacional, a Azul deve reforçar voos diretos para Portugal a partir do próximo mês. Hoje, a aérea faz cinco viagens semanais para terras lusitanas. O incremento trará opções diárias entre Campinas (SP) e Lisboa.
Depois de um fim de ano com fronteiras internacionais fechadas e sem vacinação em 2020, as companhias aéreas apostam na demanda represada para acelerar a recuperação dos patamares de vendas no País já na próxima temporada. As buscas do mercado doméstico brasileiro tiveram alta de 83% em setembro na comparação com o mesmo período do ano anterior, e a ocupação das aeronaves atingiu 81%, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Em relação a 2019, no entanto, os patamares de oferta e demanda para voos nacionais estiveram 17% abaixo do período pré-pandemia.
ENTREVISTA: Christine Ourmières-Widener, CEO da TAP

Como foi assumir a liderança da TAP?
Apesar de ser natural de Avignon, uma pequena cidade no sul da França, morava em Londres e mudei neste ano para Portugal, onde estou vivendo com meu marido. É um país com uma cultura muito rica e diversa, assim como o Brasil. A minha formação na engenharia aeronáutica vem me permitindo ter outro olhar sobre a operação.
Você é uma líder em um setor bastante masculino…
E no conselho executivo da TAP, estamos em maioria. Somos três mulheres em uma equipe executiva de cinco membros. Às vezes nos entendemos apenas com um olhar. Mas, na verdade, é sobre ter as pessoas certas. Trazer gente com trajetórias diversas e que agreguem conhecimentos de áreas diferentes para enriquecer a tomada de decisão. Quando o assunto é América do Sul, recorro à Silvia [Mosquera, CCO da empresa], que já trabalhou na Avianca.
A instabilidade dos mercados na América do Sul afeta o plano de negócios?
Até o próximo verão europeu, teremos mais indícios de que estamos no caminho certo para a região. No caso do Brasil, vejo muito potencial para o mercado no longo prazo. São mais de 60 anos de investimentos na operação brasileira, então o plano para cá envolve consistência, resiliência e acompanhamento de novas oportunidades.
Qual é o desafio de fazer a ponte entre os governos do Brasil e de países da Europa durante a pandemia?
Precisamos que ambas as partes se comuniquem com mais frequência e objetividade. Usar dados é crucial para mostrar a melhora do cenário da Covid-19 aqui, com o avanço da vacinação. Estamos mobilizando equipes em todos os países para amplificar essa mensagem.