Manhã de julho em Boadilla del Monte, sede administrativa do Grupo Santander, a 15 quilômetros do centro de Madri. Na entrada de um dos edifícios administrativos, executivos conversam, elegantemente trajados com seus ternos sóbrios e suas gravatas de diversas cores. Mais do que um detalhe irrelevante, a cor das gravatas é apenas uma das faces mais visíveis da mudança que a economista Ana Patricia Botín-Sanz de Sautuola y O’Shea, filha mais velha de Emílio Botín, implantou na gestão do Santander desde que assumiu o comando, em setembro de 2014, quando seu pai foi vitimado por um ataque cardíaco fulminante.

Don Emílio, como era chamado, permitia a seus diretores usar qualquer gravata, desde que vermelha e lisa. Já a banqueira não se preocupa com isso. E, nos quase dois anos à frente do maior banco da Europa continental em valor de mercado, com uma capitalização de € 47,9 bilhões (R$ 176 bilhões) e uma gestão de ativos de € 1,32 trilhão, ela tem provocado uma revolução interna. Quando assumiu o comando da organização, a banqueira encontrou uma instituição poderosa, mas incapaz de crescer depressa.

As mudanças começaram logo após sua chegada. Dos 31 executivos na Espanha e presidentes de bancos regionais, apenas nove permanecem em seus cargos. Entre os dispensados estavam Javier Marín, CEO da mais absoluta confiança de Emílio, e a vice-presidente responsável pela marca, María Sánchez del Corral. Mundo afora, os presidentes regionais, todos espanhóis, foram substituídos por nativos. O Brasil é um bom caso. Após a fusão com o ABN Amro, o Santander Brasil foi presidido por Fábio Barbosa, oriundo do banco holandês.

Barbosa foi sucedido por dois executivos espanhóis, Marcial Portela e Jesús Zabalza. No início deste ano, o comando passou para o brasileiro Sérgio Rial. Outra diferença é a estratégia. Comprador compulsivo, Emílio nunca teria deixado passar a oportunidade de assumir as 850 agências do HSBC no Brasil. No entanto, ao revelar os resultados do Santander Brasil no início deste ano, Rial comentou o assunto. “Estamos contentes em ter participado da disputa pelo HSBC e mais contentes ainda com o resultado”, disse ele.

Traduzindo, o banco comemorou os US$ 5,2 bilhões pagos pelo Bradesco, que deverão levar alguns anos para render dinheiro aos acionistas do concorrente. O mesmo ocorre com as operações de varejo do Citibank na América Latina, postas à venda no início deste ano. A proposta deverá ser enviada no fim deste mês e as negociações, incluindo-se o cálculo do lance, estão a cargo de Rial. “O principal ativo do Citibank é a carteira de clientes de alta renda, algo que custa caro para um banco conquistar de forma orgânica”, diz Flávio Yoshida, analista de investimentos do Banco Votorantim.

Um lance como o do Banespa, no ano 2000, em que o Santander começou o leilão oferecendo o dobro do preço mínimo, porém, está fora de questão. Para Ana Botín, a época das grandes aquisições, que consomem capital e esforço para integrar instituições diferentes, fazem parte do passado. “A compra do Citi no Brasil vai acrescentar algo a nossa operação, mas esse negócio só fará sentido dependendo do preço”, disse ela, em uma entrevista coletiva. “Consideramos que já temos um tamanho competitivo nos principais mercados em que queremos atuar.”

Para o Santander, o número mágico é 10% dos ativos de cada país. Para chegar a isso, no lugar de comprar, o banco vai inaugurar agências e investirá pesadamente em tecnologia. “O futuro está nas fintechs, que não são concorrentes, mas sim futuras parceiras no fornecimento de serviços e soluções para os bancos”, diz ela. A operação brasileira é um excelente exemplo. Em 2014, o Santander adquiriu uma participação acionária na empresa de transações financeiras Getnet.

Em junho, depois de dois anos de investimentos, a Getnet lançou um serviço que transforma as tradicionais maquininhas de cartões de crédito e débito em ferramentas para melhorar a gestão do negócio do cliente – e, claro, fazê-lo aumentar suas transações com o banco. “O cliente pode gerir seu caixa e as transações em tempo real”, diz Pedro Coutinho, CEO da Getnet. A depender da comandante do Santander, casos como esse deverão se multiplicar devido aos avanços da tecnologia.

Além de fazer o banco crescer, pesa sobre os ombros de Ana Botín a tarefa de perpetuar uma das mais tradicionais dinastias financeiras do mundo e, claro, deixar a sua própria marca na história do Santander, como seu pai fez. Emílio foi o terceiro Botín a dirigir o banco, desde que seu avô assumiu o comando, em 1909. Gostava de jogar golfe, acompanhar corridas de Fórmula 1, e caçar – feras na África e bancos ao redor do mundo. Sua primeira grande tacada, no início dos anos 1990, foi a aquisição do espanhol Banesto.

Esse apetite encontrou uma mesa farta na América Latina nos anos 1990. Governos privatistas e problemas de sucessão geraram um autêntico saldão de bancos, do México ao Chile. E Emilio foi às compras também nos EUA, Inglaterra e Polônia. Sua maior aposta fora da Espanha foi no Brasil. Entre março de 1997, quando comprou o pequeno Banco Geral do Comércio, passando pela aquisição do Banespa, em 2000, até assumir as operações brasileiras do ABN Amro, em meados de 2007, Botin investiu US$ 30 bilhões por aqui.

O Santander tornou-se o terceiro maior banco privado e o maior estrangeiro, com 10% do mercado. Quando ele morreu, o conselho de administração nomeou Ana para o comando no mesmo dia. Ninguém no banco se surpreendeu. Primogênita de Botín, 57 anos, casada, três filhos, Ana Patricia vinha sendo preparada para a sucessão ao longo das últimas três décadas. Após sua graduação em economia nos EUA, ela começou sua carreira como analista de investimentos no JP Morgan, em Nova York, em 1988, onde permaneceu por oito anos.

Em 1996 começou a trabalhar na empresa da família, cuidando da área de banco de investimentos, então sediada em Londres. Apareceu pouco, mas foi essencial na estratégia adotada por seu pai. Madrugador, durante o café da manhã, Emílio estudava tabelas com o valor de mercado dos principais bancos do mundo, buscando pechinchas. Os responsáveis por analisar os números de cada aquisição eram os funcionários liderados por Ana Botín, em Londres. No início da década passada, ela voltaria a Madri. Hoje, sem sombra de dúvida, é a banqueira mais influente do mundo.