Na época em que a Lei do Bem foi sancionada, em novembro de 2005, as vendas de computadores no Brasil chegavam a cinco milhões de unidades por ano. Com a redução no preço dos equipamentos, proporcionada pelos incentivos fiscais a produtos de tecnologia estabelecidos por essa legislação, a comercialização dobrou em 2007 e deve alcançar 15 milhões ao final deste ano. 

A medida foi crucial para o País passar de sétimo maior mercado de computadores para a quarta colocação. Agora, a expectativa é de que impulso semelhante se dê com os tablets, que desde a segunda-feira 23 foram inseridos na Lei do Bem, por meio da Medida Provisória 534. Com a MP, o governo reduz em 31% a carga de tributos incidentes sobre o aparelho. 

 

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, projeta que o benefício resulte em uma queda de até 36% no valor final dos produtos. Esse percentual de redução de preços, porém, não deverá ser alcançado em sua totalidade antes de 120 dias. Isso porque, por enquanto, os tablets deixam de pagar apenas a alíquota de 9,25% de PIS/Cofins, que foi zerada. Há ainda uma redução de IPI de 15% para 3%, que só será confirmada quando a cadeia de produção dos tablets for incluída no Processo Produtivo Básico (PPB). 

 

116.jpg

 

Esse documento ainda precisa ser aprovado por meio de portaria interministerial, pois envolve os ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e da Ciência e Tecnologia (MCT). A expectativa é de que essa aprovação saia em até 30 dias. Depois que isso ocorrer, os ministérios precisam publicar portarias para que cada fabricante interessado em produzir tablets no Brasil se enquadre nas exigências feitas pela resolução, o que deve levar cerca de mais 90 dias. 

 

Só depois de todo esse processo é que os consumidores poderão encontrar nas prateleiras das lojas os tablets com a redução de até 36% no valor. Como exemplo, o iPad 2, que começou a ser vendido na semana passada no Brasil pelo preço de R$ 1.649, no modelo básico, custaria R$ 1.055. Como ainda há algumas etapas a seguir para a concessão dos benefícios, o vice-presidente de marketing e vendas da Semp Toshiba, Caio Ortiz, calcula que os aparelhos com preço reduzido estarão disponíveis para o consumidor num prazo maior que os 120 dias. 

 

“Observando o histórico, levaria de seis a oito meses”, afirma Ortiz. “Mas o governo está empenhado no assunto e por isso o tempo dessa vez pode ser menor.” Sobre o tamanho da redução no valor, José Martin Juacida, analista da consultoria de tecnologia IDC, avalia que a projeção de 36% feita por Bernardo é otimista demais. “Acreditamos que, no último trimestre deste ano, a diminuição de preços fique em torno de 20%”, afirma Juacida. 

 

Independentemente dessas questões, a publicação da medida é bem-vista pelo setor. “A MP é boa para a indústria e ótima para o consumidor”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato.  

Um dos efeitos diretos da desoneração é o estímulo para que mais empresas produzam tablets no Brasil. De acordo com o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, 12 companhias já demonstraram essa intenção ao governo (leia abaixo a entrevista com o ministro).  

 

117.jpg

 

 

Assim, o consumidor brasileiro poderá assistir a uma série de lançamentos de tablets ainda em 2011, o que mudará o panorama do setor, com uma guerra de preços entre as concorrentes . Hoje, por exemplo, as prateleiras das lojas exibem apenas o Galaxy Tab, da Samsung, o MyPad, da Semp Toshiba, o Xoom, da Motorola, e o iPad, da Apple. Desses, apenas o tablet da empresa de Steve Jobs não é produzido aqui. Antes da publicação da MP, o IDC projetava a venda de 400 mil tablets em 2011. Agora, os números serão revistos. “Mas não será uma grande alteração”, diz Juacida, do IDC. “O impacto só será bem percebido em 2012.”

 

Além de dar um empurrão nos negócios do setor, o objetivo do governo com a MP é fomentar o desenvolvimento da indústria nacional. Por isso, o incentivo fiscal será concedido mediante uma contrapartida: as fabricantes devem destinar 5% do faturamento para investimentos em pesquisa e desenvolvimento no País. A medida também estipula que as empresas devem começar a produção de tablets com o uso de pelo menos 25% de componentes nacionais. Até 2014, essa proporção deve chegar a 80%. O uso do incentivo integral está vinculado ao nível dessa nacionalização. 

 

A redução de impostos para a produção de tablets era uma reivindicação dos fabricantes. Em fevereiro, por exemplo, a vice-presidente de relações governamentais da Apple, Catherine Noveli, se reuniu em Brasília com os ministros Paulo Bernardo e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, para reforçar esse pedido. A representante da Apple foi alertada na ocasião de que qualquer benefício somente seria concedido a quem fabricasse os equipamentos no Brasil. 

 

Apenas dois meses depois, em abril, a presidente Dilma Rousseff, em visita à China, anunciou que a taiwanesa Foxconn, montadora oficial dos produtos da Apple, planejava um investimento de R$ 12 bilhões no País,  o que inclui a produção do iPad. Uma das exigências feitas pela Foxconn para bater o martelo no acordo e realizar o investimento era,  justamente,  a obtenção de incentivo fiscal para os tablets.

 

____________________________________________________________________________________________________________


ENTREVISTA: ALOIZIO MERCADANTE, ministro da Ciência e Tecnologia

 

Por Guilherme Queiroz

 

 

 

118.jpg

“O estado não pode tratar o pesquisador da mesma forma como trata uma empreiteira”.

Aloizio Mercadante, Ministro da Ciência e Tecnologia

 

Quando a companhia taiwanesa Foxconn anunciou a intenção de produzir no Brasil o iPad, da Apple, o governo se viu diante de um desafio. Nos próximos anos, o País terá de estar preparado para receber US$ 12 bilhões em investimentos, o que significa qualificar mão de obra e criar um ambiente de negócios adequado ao setor de alta tecnologia. Segundo o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, esse trabalho já está sendo feito – e com uma mudança de mentalidade. 

 

“Começamos a exigir mais transferência de tecnologia, nacionalização dos componentes e associação com empresas brasileiras”, disse em entrevista à DINHEIRO. As companhias que aqui se instalarem, em troca de benefícios fiscais, terão de registrar patentes no Brasil. O governo também pretende entrar com força no mercado de semicondutores, com a estatal Ceitec, instalada em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Para que ela possa competir no setor de tecnologia de ponta, o governo estuda, inclusive, abrir o capital da empresa.

 

A indústria de alta tecnologia sempre faz enormes exigências ao governo para garantir investimentos no País. Há condições de atendê-las? 

Para que esses investimentos aconteçam, o Estado precisa ter agilidade para criar as condições de competitividade estratégica que favoreçam a chegada desses recursos. É isso o que vai determinar o tamanho dos investimentos. Com a Foxconn, se conseguirmos viabilizar todos os US$ 12 bilhões previstos, entraremos numa escala global de produção que o País não tem hoje. A Foxconn fatura US$ 100 bilhões por ano e exportou US$ 86 bilhões no ano passado. Precisamos criar uma cidade inteligente. É uma evolução importante num dos setores mais decisivos da economia do futuro. 

 

 

A medida provisória que enquadra os tablets nos benefícios tributários é a primeira das medidas para colocar o Brasil no jogo da alta tecnologia? 

Já estabelecemos o Processo Produtivo Básico (PPB) para esses produtos e editamos a medida provisória que enquadra os tablets nas condições de incentivo fiscal do mesmo modo que os notebooks e computadores de mesa. E há a exigência de substituição de importação dos componentes e da nacionalização do processo produtivo em médio prazo. O PPB exige, de forma progressiva e crescente, a utilização de componentes nacionais. Como o Estado vai regulamentar o poder de compra, podemos pagar 25% acima do preço do item importado desde que o produto gere inovação e empregos, algo que vai aumentar os investimentos estratégicos. 

 

 

A Foxconn enviou uma lista de exigências ao governo para iniciar a produção do iPad no Brasil. A montagem já começa em julho, como eles pretendem? 

Vamos dar condições para toda a indústria e isso já beneficia a Semp Toshiba, que está produzindo no Brasil. Ajuda também a Apple, a Motorola e a HP, que estuda produzir aqui. O governo está preparado para iniciar a negociação do grande investimento da Foxconn. Temos respostas para todos os itens apresentados por eles. Dispomos de condições de atender a alguns pontos integralmente, outros, parcialmente. Também vamos apresentar alternativas. Eles terão de se adequar à moldura institucional do Brasil. 

 

 

No governo, fala-se na possibilidade de o BNDESPar participar desses investimentos. Será necessário? 

Pelo interesse que percebemos no setor privado nacional, não acredito que seja preciso. Mas o BNDESPar está aí para isso. O BNDES quer atrair investimentos para indústrias estratégicas capazes de reduzir nosso déficit comercial, sobretudo em setores de média e alta tecnologia.

 

  

Qual será o papel da Ceitec, estatal fabricante de semicondutores, para tirar o atraso do Brasil nessa área? 

Como a Ceitec estava com o cronograma muito atrasado, estabeleci um prazo para que a obra fosse entregue em fevereiro, o que já aconteceu. Deve demorar entre um ano e um ano e meio para dominarmos a tecnologia e termos condições de produzir na velocidade exigida pelo setor. Estamos trabalhando numa cadeia de produtos de chips dedicados. Há alta demanda e nos encontramos num estágio avançado na negociação dentro do governo para alguns produtos que darão a viabilidade econômica, no médio prazo, para a Ceitec. Há instituições que precisam de chips feitos no Brasil, com criptografia brasileira e segredo industrial nacional. A Casa da Moeda, por exemplo, pode aplicar isso na fabricação do passaporte eletrônico. 

 

 

Como uma empresa estatal pode concorrer com um setor da iniciativa privada altamente dinâmico e moderno? 

A discussão que teremos de fazer, e sobre a qual já conversei com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, é de que precisamos de uma moldura institucional para a Ceitec, capaz de lhe dar agilidade. Não se consegue ter uma fábrica na velocidade que o setor demanda, se ela estiver amarrada à Lei de Licitações. É incompatível. Devemos fazer ajustes, o Estado não pode tratar o pesquisador da mesma forma como trata uma empreiteira. E hoje trata-se igual. Estamos estudando qual será o formato, se será a abertura de capital, se haverá um parceiro privado, mas precisamos entrar no mercado de semicondutores. 

 

 

Como o Brasil vai formar a mão de obra que o setor planeja contratar? 

Precisaremos de mais de 70 mil programadores no País nos próximos anos. Incentivaremos o ensino técnico profissionalizante. A presidente Dilma, aliás, quer expandir, de forma ousada, o número de bolsas de estudo no Exterior. Hoje, entre o programa Capes e CNPq, são 5,5 mil bolsas. Nossa meta é chegar a 75 mil nas 100 melhores universidades do mundo.