Sair de um mercado com a compra dentro da bolsa e sem passar por um caixa deixa uma sensação estranha de que estamos fazendo algo errado. Falta aquele rito de empacotar, passar o cartão e esperar a emissão da nota. Mas vivendo em um momento em que tempo é dinheiro e hiperconveniência é o conceito da vez, essa é uma experiência que tem tudo para se tornar mais presente na vida das pessoas. Importando um modelo de mercado sem atrito criado pela Amazon em 2018, a rede nacional Muffato estreou a primeira loja do tipo na América Latina, junto a um parceiro de tecnologia de Portugal. Com investimento de R$ 10 milhões, a unidade é modelo-piloto para um formato que se promete promissor.

Apesar de ser a sexta maior varejista de alimentos no Brasil, de acordo com o Ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), com faturamento de R$ 10,6 bilhões em 2021, a Muffato pode ser um nome ainda desconhecido para muitos. A força da rede está em seu estado de origem, o Paraná, e no interior de São Paulo, totalizando 89 unidades, sendo nove com previsão de inauguração até o fim de 2022, com investimento aproximado de R$ 500 milhões. De gestão familiar, surgiu em 1974 como uma loja de secos e molhados em Cascavel (PR) e ao longo dos anos ampliou a atuação no estado, chegando a 25 cidades. Comendo pelas beiradas, se expande pelo interior, sem deixar de lado o desejo de entrar em capitais. Neste ano, surgiu a informação no setor de que o grupo compraria unidades do Makro em São Paulo, mas o fato não se confirmou, adiando a entrada no maior centro consumidor do País. “Não dá para a gente afirmar que nunca iremos [para São Paulo], mas tem que ter uma estratégia. Abrir uma loja distinta custa muito”, disse o diretor do grupo, Everton Muffato.

Com um crescimento físico um pouco mais lento do que as grandes redes, como Assaí e Carrefour, a Muffato se projeta com a tecnologia. A venda a distância começou ainda em 1999 e tornou- se um catálogo on-line. Hoje, o e-commerce representa 5% das vendas, valor cinco vezes maior que no pré-pandemia. Nessa linha de digitalização, a rede criou sua própria plataforma de entrega rápida no fim de 2021. Ela tem 11 mil entregadores parceiros e representa 10% do e-commerce. Para os investimentos em soluções tecnológicas, o grupo criou o Muffato Labs, em parceria com a Renov Retail. O centro de inovação é responsável por alternativas como pagamento por reconhecimento facial, prateleira virtual e pagamento direto pelo aplicativo, com o consumidor fazendo a leitura do código de barras pelo celular. Em um novo passo, a Muffato se juntou à Sensei, empresa portuguesa de tecnologia, para o desenvolvimento do primeiro mercado sem atrito do Brasil.

NEGÓCIO DE FAMÍLIA Everton Muffato compartilha a gestão do grupo com seus irmãos. (Crédito:Divulgação)

A loja inicial fica em Curitiba e foi desenhada para atender aos requisitos necessários para que a tecnologia funcione, com um conjunto de 500 câmeras, prateleiras com sensores de peso, e algoritmo. Na estratégia de sortimento, produtos encontrados em mercados tradicionais, com mercearia, itens frescos e bebidas. Ainda sem planos para escalar o modelo de loja, a regra é experimentar, “é um negócio novo, ainda não tem um P&L (demonstrativo de perdas e lucros) definido”, disse Muffato.

Na visão do especialista Fernando Moulin, sócio da Sponsorb e cofundador da Malbec Angels, esse lançamento da rede pode ser explicado por dois pontos: trazer mais eficiência operacional ao negócio, e projetar a empresa para possíveis movimentos futuros, como um IPO. “[Primeiro] tentar entender que tipo de eficiência pode ser aprendida e escalada para todos os negócios, e segundo, dar o revestimento tecnológico para uma operação de varejo alimentar, de forma a facilitar o relacionamento com investidores e futuros movimentos no mercado de capitais”, disse Moulin. Para a Muffato, a entrada na bolsa não é considerada um tabu, porém tão pouco está nos planos de curto prazo.

Com uma atuação que vai de postos de gasolina a emissoras de televisão, o grupo tem deixado sua marca. Para 2022, a rede projeta crescimento de 15% na receita, com destaque para o modelo de atacarejo, que seguindo tendência de outras empresas, desde 2021, passou a representar a maior parcela do desempenho. Ainda na meia- idade, a Muffato mostra que com uma gestão mais centralizada e regional é possível estar na vanguarda da transformação.