17/04/2014 - 21:00
O clima tropical do Nordeste brasileiro é muito favorável à produção de frutas. O potencial de exportação é enorme, especialmente para os países frios europeus. Nos últimos anos, porém, as exportações brasileiras ficaram praticamente estagnadas, enquanto a importação vem crescendo. “Se essa tendência continuar, o Brasil, que é o terceiro maior produtor mundial, pode se tornar um importador líquido de frutas”, diz Luiz Roberto Barcelos, presidente da Agrícola Famosa, maior exportadora desse mercado no País e presidente da recém-criada Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas (Abrafrutas).
Passo ousado: a partir da esquerda, Dilma, Merkel e Cristina reunidas em Santiago,
no Chile. Em comum, elas precisam ceder para que o acordo avance
Para o setor, que exportou US$ 650 milhões no ano passado, um acordo de livre comércio com a União Europeia pode elevar consideravelmente as vendas. Para os fruticultores, assim como para os produtores de carnes, café e inúmeros bens industriais, o livre comércio entre o Mercosul e os europeus é fundamental para elevar as vendas e colocar o Brasil na cadeia global de fornecedores das grandes multinacionais. Depois de 14 anos de idas e vindas, paralisações e retomadas, o acordo voltou a caminhar. A troca de ofertas, que deveria ter acontecido no fim do ano passado, está atrasada. Mas a boa notícia é que a Argentina, que vinha resistindo a participar das negociações, está de volta à mesa.
A presidente Cristina Kirchner já concordou em apresentar uma oferta única com os outros três países do bloco – Brasil, Paraguai e Uruguai, pois a Venezuela ainda não se integrou totalmente. Juntos, os dois blocos têm um mercado consumidor de 780 milhões de pes-soas, e um PIB de US$ 21 trilhões. Porém, em termos de inserção no comércio mundial, o quadro é bem diferente. Enquanto o Mercosul tem tratados com apenas 12 países, os 18 membros da UE liderados pela Alemanha da chanceler Angela Merkel têm livre comércio com 48 nações e negociam com outras 88. Para o Brasil, que vem perdendo espaço no comércio mundial, a derrubada das barreiras nas negociações com os europeus é uma questão de sobrevivência.
Primeiro, porque o País foi excluído do Sistema Geral de Preferência (SGP), programa europeu de preferências tarifárias pelo qual entravam 12% das vendas para a região. Essa mudança, de acordo com um estudo da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), deve levar a uma diminuição de US$ 5 bilhões nas exportações brasileiras, que somaram US$ 47,8 bilhões no ano passado. Em fevereiro, quando esteve em Bruxelas para se encontrar com a cúpula do bloco europeu, a presidenta Dilma Rousseff disse que estava empenhada em concluir o acordo o quanto antes. Agora, parece que o cronograma voltou a andar.
Uma reunião para definir as propostas dos quatro sócios do bloco do sul está marcada para o dia 29, em Montevidéu, no Uruguai.“Estou otimista”, diz o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Mauro Borges, destacando que a proposta de abertura dos quatro países do bloco já chegou perto dos 90% pedidos pelos europeus. “Não é um processo simples, mas todos têm a ganhar com o aumento do fluxo de comércio”, afirma. Nos últimos três anos, as exportações brasileiras para o bloco vêm caindo, enquanto as importações têm aumentado. Na avaliação de especialistas, o acordo pode mudar esse quadro, ao tornar a indústria brasileira mais competitiva e abrir mercados para o setor agropecuário, que sofre com tarifas e barreiras não tarifárias, como excesso de exigências fitossanitárias.
Um estudo da economista Vera Thorstensen, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas, mostra que a agricultura seria a maior beneficiada pela abertura, mas haveria perdas expressivas para a maioria dos setores industriais. Enquanto as exportações avançariam 97,5%, as importações subiriam 101%. Apesar da perda num primeiro momento, ela defende a aliança como instrumento para integrar o País ao comércio mundial. “Ficar parado é mortal para o Brasil”, afirma, lembrando que o mundo vem se juntando em blocos, como o que começou a ser negociado entre União Europeia e Estados Unidos. A iminência de uma união entre os dois gigantes do norte foi o que acendeu a luz vermelha para o governo brasileiro, pressionado pelo setor privado.
Ganhadores: acordo comercial facilitaria a exportação de frutas. Já Jank,
da BRF, espera aumento das vendas de carnes
Para a agricultura, o fim do SGP vai reduzir os embarques para o bloco, porque outros concorrentes terão preços melhores em vários produtos, como café e frutas. “Esse acordo é fundamental, porque estamos perdendo o mercado europeu”, diz Tatiana Palermo, superintendente de relações internacionais da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Com o bloco Mercosul-UE, a entidade estima que o comércio do Brasil com os europeus, hoje em US$ 100 bilhões, pode crescer 30%. O diretor-executivo global de assuntos corporativos da BRF, Marcos Jank, espera um aumento nas exportações de carnes, que hoje enfrentam várias barreiras, já que a quantidade é limitada pela cota definida pelos países compradores.
“Eles não vão abrir mão das cotas, mas podem elevar o volume, o que nos ajuda a vender mais”, afirma Jank. Como em toda negociação, há vencedores e perdedores entre os diversos setores da economia (leia quadro abaixo). “Não existe acordo internacional no qual você só ganha”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e consultor da Barral MJorge Consultores Associados. A indústria, que tem problemas estruturais, precisará passar por um período de adaptação, mas o setor também pode ganhar no longo prazo. “Se fizermos as reformas necessárias para diminuir nossos custos, podemos nos tornar mais competitivos e ganhar mais mercado”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Ele considera o acordo fundamental para reduzir o isolamento do Mercosul. Para Barral, a indústria pode entrar na cadeia global de fornecedores. “Com o tempo, isso pode aumentar os investimentos europeus no Brasil”, diz. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), que durante muito tempo se opôs ao acordo, passou a integrar o lobby empresarial a favor dele quando percebeu que o Brasil ficaria de fora dos grandes grupos que vinham se formando no mundo. “Como o nosso índice de importação é muito alto, alguns setores acham que já perderam o que tinham que perder”, diz Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI. Ele avalia que os beneficiados talvez sejam os têxteis, os químicos, os eletroeletrônicos.
Opinião diferente tem o setor de máquinas, um dos que mais devem sofrer com a concorrência dos europeus, especialmente com os equipamentos alemães e italianos. “Nossos produtos custam em média 30% mais do que os da Alemanha”, diz Klaus Curt Müller, diretor de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Como sabe que não adianta mais fazer oposição, a Abimaq vai tentar negociar prazos maiores para a abertura do mercado brasileiro para alguns itens. De qualquer forma, a reunião do dia 29 é apenas o início de um longo processo de negociação, que ainda terá muitas barreiras a serem superadas.