26/08/2022 - 4:30
Subprime. Uma expressão quase vintage nos Estados Unidos, usada para definir a crise de crédito para clientes de alto risco em 2008, tem voltado à moda no noticiário americano nas últimas semanas. Com razão. O ciclo de alta dos juros do Federal Reserve (Fed), o Banco Central do país, vem encarecendo o financiamento imobiliário de forma rápida e profunda. Os juros cobrados para uma hipoteca de 30 anos, referência desse mercado, saltaram de 3% ao ano, no primeiro semestre de 2021, para os atuais 5,5%. Parece pouco para nós, com juros quase duas vezes maiores do que isso na mesma modalidade, mas é muito (alta de 83%). Ainda mais para o americano, acostumado a taxas próximas de zero. Assim, a contratação de novos financiamentos imobiliários no período desabou de 700 mil por mês, em média, para 280 mil em julho.
Como quer o presidente do Fed, Jerome Powell, os juros altos estão esfriando o quase insaciável apetite consumista dos americanos e ajudando a conter a inflação. No acumulado dos últimos 12 meses, as vendas de imóveis registraram queda de 13% e a previsão do BC americano é de uma nova retração no mesmo patamar pelos próximos 12 meses. No mesmo período, a inadimplência subiu 4,9%, acendendo o sinal de alerta entre os bancos. “Não é uma queda de atividade, mas um ajuste nas taxas de crescimento”, afirmou Powell, ao ser questionado pela imprensa americana sobre os efeitos nocivos dos juros no mercado de hipotecas. “Estamos atentos e, se necessário, doses pontuais de estímulos podem ser adotadas.”
69% da população americana acredita que a economia está piorando
4,9% foi a alta na inadimplência nos Estados Unidos nos últimos 12 meses
Para especialistas do setor imobiliário dos Estados Unidos, a estabilidade do mercado só será possível se a alta dos juros for compensada por uma redução dos preços dos imóveis. “O mercado residencial é o setor mais sensível às taxas de juros da economia, e as taxas mais altas devem ajudar a desacelerar as vendas”, afirmaram os economistas Isfar Munir, Andrew Hollenhorst e Veronica Clark, do Citi, em relatório.
O cenário, no entanto, não é dos mais positivos, na avaliação do economista-chefe da Associação Nacional de Corretoras, Lawrence Yun. Na visão dele, juros altos vão reduzir os investimentos em construção de novas casas, diminuindo a oferta de residências à população nos próximos meses. “Aumentos abruptos do custo dos financiamentos assustam os consumidores e, num primeiro momento, podem até encarecer os preços das casas”, afirmou.
CORDA NO PESCOÇO O que também tem assustado os economistas não são apenas os juros e o custo das casas, é a alta do endividamento dos americanos. Relatório do Federal Reserve divulgado na última semana mostra que a dívida das famílias nos Estados Unidos subiu para US$ 16,15 trilhões no segundo trimestre deste ano, aumento de US$ 312 bilhões (+2%) sobre o trimestre anterior. É a primeira vez que o débito passa da marca de US$ 16 trilhões. O aumento foi impulsionado principalmente por um salto de US$ 207 bilhões nos saldos de hipotecas (alta de 1,9% sobre o primeiro trimestre de 2022 e de 9,1% sobre o ano passado). A dívida hipotecária subiu para US$ 11,39 trilhões no final de junho. O crédito imobiliário não foi o único. As dívidas com cartão de crédito tiveram aumento de 13% sobre 2021, mesmo patamar de alta dos empréstimos para automóveis. As dívidas de linhas de crédito estudantis cresceram em US$ 1,59 trilhão, quase 10% dos débitos das famílias.
A alta do endividamento tem atrapalhado a percepção dos americanos sobre a situação do país. Para 69% da população, a economia está piorando, segundo pesquisa da ABC News/Ipsos. O percentual é o maior desde 2008, quando estourou a crise financeira global do subprime, que levou o banco Lehman Brothers à falência. O ambiente econômico é marcado pela maior inflação dos últimos 40 anos. Mesmo a recuperação do mercado de trabalho, com o aumento de vagas e salários, não tem sido suficiente para afastar os riscos de uma nova crise. Por enquanto, um revival do subprime de 2008 é apenas um temor. Mas a distância entre o pesadelo e a realidade de uma crise imobiliária é menor a cada nova alta dos juros. E isso assombra o mundo inteiro.