Alguns países parecem não ter nenhuma importância, até a hora em que o mundo descobre, atônito, que seu potencial destrutivo é inimaginável. Não, não se trata da Coreia do Norte, mas de Chipre. A terceira maior ilha do Mediterrâneo, com 1,5 milhão de habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB) equivalente ao de Belo Horizonte, vem lançando, nas duas últimas semanas, ondas de choque sobre o sistema bancário e sobre as economias de toda a Europa. No dia 16 de março, um sábado, o banco central de Chipre anunciou um feriado bancário que deveria durar dois dias, mas se prolongou até a quinta-feira, 28 de março. Nessa data, os bancos reabriram, sem tumulto, mas atendendo clientes temerosos de perder seu dinheiro. 

 

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Como todo brasileiro de mais de 35 anos sabe por experiência própria, feriado bancário nunca é uma boa notícia. O último realizado por aqui redundou em um confisco de cadernetas de poupança e de aplicações financeiras. O caso cipriota seguiu esse script à risca. A decisão de fechar as portas dos bancos visava impedir uma corrida bancária, que seria a reação esperada dos depositantes às medidas negociadas pelo governo com a chamada troika. Esse é o apelido dado pelo mercado financeiro para as três instâncias decisórias da crise europeia: o Banco Central Europeu (BCE), presidido pelo italiano Mario Draghi, o Fundo Monetário Internacional (FMI), da francesa Christine Lagarde, e a Comissão Europeia, liderada pelo português José Manuel Durão Barroso. 

 

Para socorrer os combalidos bancos cipriotas, que vinham cambaleando desde o aprofundamento da crise na Grécia em 2011, as autoridades locais queriam impor um confisco parcial aos depositantes da ilha, um paraíso fiscal que recebeu € 31 bilhões em depósitos russos, muitos deles de origem duvidosa. Em troca de um pacote de ajuda de € 10 bilhões, será cobrado um imposto de 6,15% dos depósitos até € 100 mil, e de 10% dos depósitos acima desse valor. Pelos cálculos do mercado, o custo ficaria em quase € 4 bilhões. A proposta, que mereceu protestos populares, foi rejeitada por unanimidade pelo recém-empossado Parlamento. Essa decisão contou com o apoio entusiasmado do presidente Nicos Anastasiades, no poder há pouco mais de um mês.

 

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Confisco nunca mais: as declarações desastradas de Dijsselbloem, da Holanda, à esquerda, provocaram

uma coletiva conjunta de Mariano Rajoy, da Espanha, e François Hollande, da França, abaixo

 

Para impedir a quebra dos bancos e a fuga de capitais, as autoridades recorreram a remédios também familiares aos brasileiros mais velhos. Os saques em moeda corrente foram limitados a € 300, e as remessas para fora do país foram restritas a € 3.000. Essas decisões pegaram mal. “Medidas desse tipo fazem lembrar países da América Latina ou da África, não nações europeias”, disse o economista britânico Bob Lyddon, secretário-geral da associação bancária internacional Ibos. A situação já estava bastante ruim, mas em fatos como esse sempre há espaço para mais um comentário edificante. No caso, de Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês. 

 

Pouco conhecido fora de seu país, ele se tornou uma celebridade mundial na segunda-feira 25, ao declarar que o confisco e os controles de capital adotados em Chipre seriam um “modelo” para intervenções em outros países com problemas. Como ainda era pouco, Dijsselbloem citou, nominalmente, Malta e Luxemburgo como exemplos de países que poderiam ter de tomar doses do remédio cipriota. Foi o bastante para lançar uma sombra de desconfiança sobre os mercados e fazer desabar as ações de bancos italianos, portugueses, irlandeses e espanhóis – com reflexos até sobre a bolsa brasileira. A tensão chegou a tal ponto que, na quarta-feira 27, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, e o presidente francês, François Hollande, declararam em uma entrevista coletiva que os bancos de seus países estavam sólidos e não havia razão para pânico. 

 

Chipre é uma terra de bancos hiperatrofiados. Os ativos do sistema financeiro equivalem a 900% do PIB, ante uma média europeia de 400% – no Brasil, essa relação não chega a 100%. É pouco provável que as instituições financeiras cipriotas resistam a tantos solavancos, e o impacto dessa nova crise sobre a economia do euro ainda é desconhecido. O fato é que os bancos europeus estão mais frágeis, não por problemas internos, mas pela desconfiança do mercado, que deverá ser mais arredio e cobrar mais caro pelo capital. A Zona do Euro corre o risco de se afogar em uma poça d’água. En­quan­to isso, Anastasiades desautoriza publicamente o presidente do banco central de seu país, cujo nome – bastante adequado – é Panicos Demetriades.

 

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