11/01/2013 - 21:00
Na Roma Antiga, o imperador César, desconfortável com o assédio de um admirador sobre sua mulher, Pompeia, teria dito uma frase que se tornou célebre: “à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta.” Pois o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, puderam comprovar, na semana passada, que a máxima do imperador romano vale também para as contas públicas brasileiras. Para cumprir a meta de 3,1% do PIB, a equipe econômica lançou mão de expedientes contábeis que, embora legais, despertaram críticas de economistas.
Guido Mantega, ministro da Fazenda: “Tudo o que foi feito é legítimo
e está dentro das normas legais”
Além de não considerar os investimentos do PAC como despesas, uma medida já esperada, o Tesouro antecipou o recebimento de dividendos das estatais, e adiou despesas do orçamento de 2012 para este ano. O governo transferiu, ainda, ações do BNDES para a Caixa, e sacou R$ 12,5 bilhões do Fundo Soberano, uma poupança criada em 2008 para ser utilizada em momentos de dificuldade fiscal. Naquele ano, a arrecadação cresceu 6,81%, gerando um excedente de recursos. Sem essas “operações atípicas”, como classificou o economista Mauricio Oreng, do Banco Itaú, o superávit teria ficado em 1,9% do PIB. Teria sido perfeitamente compreensível que o governo mudasse a meta de superávit e justificasse a sua necessidade, diante de uma receita menor do que a prevista. Bastaria uma comunicação mais clara ao longo do ano.
“Em vez disso, por não ter usado de maior transparência, o governo fez o mercado desconfiar e pedir explicações”, diz o economista Mansueto de Almeida Junior, especialista em contas públicas. “Ninguém questiona os outros dados públicos, como PIB ou emprego.” A arrecadação mais magra, com expansão de apenas 0,68% até novembro, e as desonerações tributárias, que custaram R$ 45 bilhões, geraram um resultado fiscal mais fraco da União. Mas, segundo o ministro Mantega, foi a frustração da parte dos Estados e municípios, que só economizaram metade dos R$ 41 bilhões que lhes cabia no esforço de superávit fiscal, o que obrigou a União a buscar mais recursos. “Tudo o que foi feito é legítimo e está dentro das normas legais”, disse Mantega ao jornal Valor Econômico, na terça-feira 8, durante suas férias no litoral nordestino.
Arno Augustin, secretário do Tesouro: “Há momentos em que podemos
fazer um superávit primário mais alto ou mais baixo,
dependendo da conjuntura”
Apesar de legal, a utilização do Fundo Soberano para cobrir uma lacuna fiscal gerou ruídos. “Se o governo tivesse dito claramente que era um fundo anticíclico, não haveria problemas”, afirma o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências. Na verdade, por descuido ou má vontade, os analistas não prestaram atenção na apresentação do Fundo Soberano, feita em maio de 2008, pelo ministro da Fazenda, que destacou seu caráter anticíclico. Na prática, porém, o que acabou se cristalizando no mercado foi o uso dessas reservas para investimentos no Exterior, como instrumento de política cambial. Com a maior integração entre Fazenda e Banco Central nos últimos dois anos, essa função foi deixada de lado e boa parte das reservas, aplicada em ações da Petrobras.
De qualquer modo, a equipe econômica poderia ter reforçado o caráter de poupança desse instrumento para que o mercado não fosse pego de surpresa. A seu favor, Mantega tem a queda da dívida líquida em relação ao PIB. Esse indicador, que mede a solvência do governo, foi de 36,4% do PIB em 2011 para 35% no ano passado, e deve diminuir para 34% em 2013. A meta de superávit continua em 3,1% do PIB, mas o secretário do Tesouro, Arno Augustin, já admitiu que ela pode ser reduzida para aumentar as desonerações e estimular a economia. “Há momentos em que podemos fazer um superávit primário mais alto ou mais baixo, dependendo da conjuntura econômica”, disse Arno Augustin, com bastante antecedência.