22/07/2022 - 1:30
Sancionada por Eurico Gaspar Dutra, a Lei do Impeachment (Lei 1.079, de 10 de abril de 1950) apresenta de forma clara os crimes de responsabilidade que devem resultar em perda de mandato do presidente da República e de ministros de Estado. A leitura do capítulo terceiro, em seu artigo sétimo, é bastante educativa para que se compreenda de que forma o discurso de Jair Bolsonaro com mentiras sobre o processo eleitoral brasileiro feito para diplomatas estrangeiros na segunda-feira (18), em Brasília, e também suas falas em outras ocasiões, seriam suficientes para aplicar as penas previstas na lei. Reproduzo aqui alguns parágrafos:
“São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais: 1. Impedir por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto; (…) 4. Utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral; 5. Servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua; 6. Subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social; 7. Incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina; 8. Provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis”.
Para quem não teve acesso ao discurso de Bolsonaro no Palácio da Alvorada, pode parecer exagero evocar a Lei do Impeachment. Pois além das mentiras proferidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, incluindo a falsa informação de que um hacker poderia ter alterado resultados em 2018 e de que as urnas autocompletavam os votos (o que foi desmentido pelo TSE e pela Polícia Federal), Bolsonaro mentiu também sobre fatos envolvendo os ministros do STF Edson Fachin (atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral) e Luís Roberto Barroso (ex-presidente do TSE).
Sobre Fachin, Bolsonaro afirmou que ele havia sido advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que jamais ocorreu. Sobre Barroso, a mentira envolveu o título de uma palestra dada pelo ministro nos EUA. Segundo Bolsonaro, o tema foi Como se Livrar de um Presidente. O título, disponível em vídeo, é na verdade Populismo Autoritário, Resistência Democrática e Papel das Supremas Cortes. Só na cabeça de Bolsonaro o papel das Supremas Cortes para a resistência democrática ao populismo autoritário pode ser confundido com um tutorial sobre como se livrar de um presidente.
Servidores da Polícia Federal divulgaram nota defendendo a confiabilidade nas urnas eletrônicas. Procuradores da República (nada menos que 43) se pronunciaram oficialmente, não apenas condenando a desinformação como pedindo providências à Procuradoria-Geral Eleitoral, presidida por Augusto Aras, para que Bolsonaro seja investigado. O TSE, maior vítima da campanha de desinformação, produziu um relatório que desmente 20 acusações feitas aos diplomatas. A embaixada dos Estados Unidos no Brasil, chefiada interinamente pelo adido de Negócios, Douglas Konef, afirmou que “as eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como exemplo para as nações do hemisfério e do mundo”.
É sempre bom lembrar que esse mesmo sistema elegeu Bolsonaro para a Câmara dos Deputados e para a Presidência da República. Se a ideia era colocar em xeque a urna eletrônica (sem impressão do voto em papel) e obter apoio da comunidade internacional contra a possibilidade de fraude nas eleições, o fracasso foi completo. E o estrago foi sentido até por quem atua na campanha para a reeleição. A fala aos diplomatas esvaziou fatos que poderiam ter sido capitalizados pelo candidato, caso da recente (e aguardada) redução dos preços dos combustíveis e do aumento dos benefícios sociais.
Bolsonaro ainda tem tempo de insistir nesses pontos perante o eleitorado? Teoricamente, sim. O único impeditivo para que ele faça isso seria o início de um processo de impeachment, que só pode ser determinado pelo presidente da Câmara. Arthur Lira já engavetou outros pedidos protocolados na Casa e não dá a menor demonstração de que poderá mudar de postura. A omissão do deputado diante dos crimes praticados pelo chefe do Executivo o coloca agora na posição de cúmplice.
Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO