13/01/2012 - 21:00
Com 11 Leões de Ouro no currículo, o diretor de cinema e publicidade João Daniel Tikhomiroff, controlador da produtora Mixer, ostenta o título de um dos maiores colecionadores de prêmios no Festival de Publicidade de Cannes. Mas o atual ganha-pão de Tikhomiroff é cada vez menos os trabalhos que ele realiza para o mercado publicitário. “As encomendas de filmes publicitários continuam aumentando, mas os programas para tevê crescem de forma mais rápida”, diz o empresário. Em 2004, por exemplo, as peças para clientes e agências de propaganda representavam 90% da receita da Mixer.
João Daniel Tikhomiroff, fundador da Mixer: ”Deixamos de ser uma simples prestadora de
serviços para desenvolver conteúdo próprio.”
Hoje, 55%. A tendência é que essa parcela caia ainda mais nos próximos anos. Não se trata de nenhuma crise de criatividade de Tikhomiroff ou de uma retração do mercado. O motivo para isso é simples: uma lei que obriga as emissoras de tevê por assinatura a incluir em sua grade de programação produções nacionais em horário nobre. Até 2014, a exibição terá de ser de, no mínimo, 3,5 horas por semana. Como metade do material terá de ser adquirida obrigatoriamente de produtoras independentes, a legislação deverá injetar no setor pelo menos R$ 400 milhões por ano.
A lei, que entrará em vigor em março deste ano, também fez com que a Mixer alterasse seu modelo de negócio. “Deixamos de ser apenas uma prestadora de serviços e passamos a atuar no desenvolvimento de conteúdo do qual detemos os direitos autorais”, afirma Tikhomiroff. Um exemplo é Julie e os fantasmas, transmitida pelo canal infantil Nickelodeon e pela Rede Bandeirantes. A série já garantiu contratos de licenciamento para produtos que vão de calçados, com a Alpargatas, a telefone celular, com a Motorola. Assim como a Mixer, a paulistana O2 também deve surfar nessa nova onda de produções independentes para a tevê por assinatura.
“Estamos fuçando no baú”, diz Andrea Barata Ribeiro, sócia e produtora-executiva da O2. “Identificamos cerca de 40 ideias para programas de tevê e ainda vamos precisar de mais.” O baú simbólico da O2 – companhia que tem entre seus controladores o diretor Fernando Meirelles, premiado por filmes como Cidade de Deus – já começou a entrar em ação. “Antes batíamos na porta das emissoras, agora acontece o contrário”, afirma Andrea. Entre as novidades para 2012 está a série de ficção em seis capítulos Destino SP, produzida para o canal americano HBO.
Ela contará histórias sobre a nova leva de imigrantes vindos da Coreia do Sul, da Colômbia e da Nigéria que escolhem a cidade de São Paulo para viver. Algumas emissoras já transmitem uma parcela representativa de seu conteúdo feito por profissionais ligados a produtoras brasileiras. Entre os pioneiros estão as americanas Discovery, Cartoon Network e a própria Nickelodeon, além das brasileiras Multishow e GNT, ambas ligadas à Globosat. O canal de variedades GNT é um dos que mais apostam nesse modelo. Em 2011, reformulou sua grade e incluiu mais de 15 programas independentes.
Andrea Barata Ribeiro, sócia e produtora-executiva da O2: ”Temos cerca de 40 ideias para
programas de tevê e vamos precisar de mais.”
O resultado foi um aumento de 9% da audiência no horário nobre. No momento, a GNT trabalha com 20 diferentes empresas. “A qualidade técnica das produtoras evoluiu bastante, tanto que captamos 100% dos nossos programas nacionais em alta definição”, afirma Tiago Worcman, gerente de programação da GNT. A nova regulamentação pega o setor em um momento ascendente. No período 2005-2010, o número de projetos registrados pelas duas mil empresas da área na Agência Nacional do Cinema aumentou 52%, saltando de 759 para 1,2 mil. Como quantidade nem sempre é sinônimo de qualidade, algumas vozes se levantam contra a mudança.
“O mercado ainda deixa muito a desejar na relação custo-benefício”, diz Alexandre Annenberg, presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura. Segundo um executivo da Discovery, que não quer se identificar, produzir no Brasil é bem mais caro que nas vizinhas Argentina e Colômbia. Luiz Noronha, sócio da Conspiração Filmes, concorda. “Vai haver muitos ajustes, briga por preço e pressão sobre as margens de lucro”, diz. “A tevê exige um alto volume de produção e quem tiver escala vai se dar melhor.”
Apesar das polêmicas, a medida é vista pelo governo federal como uma oportunidade de desenvolver a área de entretenimento, um dos principais braços da chamada economia criativa. Trata-se de um setor que movimenta US$ 60 bilhões no Brasil. Dessa bolada, o audiovisual colabora com US$ 20 bilhões por ano, de acordo com a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura. Para Debora Ivanov, sócia-produtora da paulista Gullane e representante do Sindicato da Indústria Audiovisual, a lei terá um efeito positivo em diversas frentes. “Algumas produtoras passam por um fortalecimento interno nas áreas de gestão e de negócios”, diz.
A Gullane é uma delas. Antes exclusivamente voltada ao cinema – é co-produtora dos longas Carandiru e O ano em que meus pais saíram de férias –, ela resolveu alterar os seus planos. “Trocamos uma estratégia de crescimento no mercado internacional pelo fortalecimento de nossa atuação na tevê local”, diz Débora. Agora, a Gullane prepara cinco novos programas televisivos para os próximos meses. Com tanta coisa em jogo, pode-se dizer que a expressão típica do setor de audiovisual “Luz, câmera, ação” tem tudo para ganhar uma releitura e se transformar em “Luz, câmera, cifrão”.