Mesmo abatida por uma gripe, que a deixou quase sem voz na semana passada, a presidenta Dilma Rousseff fez de tudo, menos poupar o gogó. Afinal, que governante, em pleno ano eleitoral, perderia a oportunidade de anunciar aos quatro ventos uma bondade como o volume recorde de R$ 156,1 bilhões em crédito para um setor nevrálgico como a agricultura? De terninho verde, combinando com as fotos de plantações mostradas no telão, Dilma falou por quase dez minutos ao setor que nos últimos anos vem salvando a balança comercial e puxando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com expansão de 7% no ano passado.

Apesar do tom otimista da cerimônia ocorrida na segunda-feira 19, no Palácio do Planalto, a própria Dilma reconheceu que a falta de infraestrutura para escoar a produção é um dos principais gargalos do agronegócio. “O Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer na área de logística”, disse. Os produtores e representantes de diversos setores do agronegócio receberam positivamente a ampliação de 14,7% de recursos para financiar o custeio e a comercialização da safra 2014/2015, que se inicia oficialmente em julho. Mas nem por isso deixaram de pedir melhores condições de transporte.

Enquanto os produtores quebram recordes sucessivos na safra de grãos – neste ano, a previsão é colher 191, 2 milhões de toneladas, 1,4% mais do que no ano anterior –, a modernização e a expansão dos portos, estradas e ferrovias marcham a passos lentos. O presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, Antonio Alvarenga, diz que houve avanços nos últimos meses a partir da organização dos embarques no porto de Santos, com o agendamento dos caminhões pelo governo. Somente essa medida, que eliminou os grandes congestionamentos que no ano passado se formavam nas estradas de acesso a São Paulo, reduziu o preço do frete em 6,7%, segundo dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).

Mas pode ser melhor. A verdade é que boa parte dos ganhos dos produtores fica pelo caminho, e comparações internacionais mostram que há muito a fazer. Num ranking elaborado pelo Fórum Econômico Mundial sobre qualidade dos portos, o Brasil é o 131º de uma lista de 148 países. O custo de US$ 2 mil para desembaraçar um contêiner é o dobro da média dos países ricos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Temos clareza que é preciso melhorar muito a infraestrutura”, diz o ministro dos Portos, Antonio Henrique da Silveira.

Outro entrave para o agronegócio é a concentração de estradas e portos no Sudeste e Sul do País, enquanto a maior parte da produção agrícola está no Norte e no Centro-Oeste. Um levantamento da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) mostra que 54% da soja e do milho brasileiros são produzidos acima do paralelo 16, que corta o Brasil na altura dos Estados de Goiás e Mato Grosso. Mas apenas 13% dos grãos são exportados por terminais como o do Pará e do Maranhão. Pelo menos no papel, os investimentos já estão previstos. Nos próximos três anos, as concessões de terminais de portos públicos devem resultar em projetos de R$ 17 bilhões.

Outros R$ 9,1 bilhões devem ser investidos em 22 terminais privados já autorizados. Além das dificuldades internas, as empresas nacionais do agronegócio sofrem com o protecionismo dos concorrentes estrangeiros. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que existem, atualmente, 19 medidas contra exportações brasileiras, 15 delas no setor agropecuário. “Sofremos barreiras justamente na área agrícola, onde somos competitivos”, diz Welber Barral, da consultoria Barral M Jorge.

Ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Barral representa produtores brasileiros que conseguiram o apoio do governo para entrar com contenciosos na OMC, como no caso do algodão, contra os Estados Unidos, e no do frango, contra a Indonésia. Outros processos para derrubar barreiras à exportação de carne brasileira devem ser iniciados nas próximas semanas. Mas a CNI reclama que o governo não defende suficientemente a indústria. “Desde 2001, não se abre um caso de interesse da indústria na OMC”, diz o gerente de comércio exterior da CNI, Diego Bonomo. Falta reproduzir no comércio externo a produtividade que o Brasil já adquiriu no campo.