02/08/2013 - 21:00
No dia 11 de outubro de 2011, o executivo austríaco Peter Löscher, CEO global da fabricante alemã de equipamentos Siemens, convocou o então presidente da subsidiária brasileira na época, o mineiro Adilson Primo, para uma conversa a portas fechadas na sede da empresa em Munique. Primo entrou para a reunião com status de profissional competente que construíra oito novas fábricas no Brasil, à frente de uma subsidiária que apresentava índice de crescimento maior do que o das filiais da China e da Índia, mas saiu da sala desempregado, sob a acusação de ter cometido “grave violação das diretrizes da empresa”.
Demitido: Löscher não cumpriu a meta de aumentar a margem de lucro de 9,2% para 12%
O executivo brasileiro foi um dos mais de 150 funcionários demitidos por Löscher por suspeitas de corrupção, na maior “limpeza ética” da história da companhia. A temporada de caça às fraudes, na verdade, é o grande legado de Löscher, hoje com 56 anos, que foi recrutado para o comando da Siemens em 2007, justamente para dar um choque de gestão na empresa e implantar uma cultura de combate a fraudes, depois do escândalo bilionário de pagamento de propinas que custou o emprego do então presidente da companhia, Klaus Kleinfeld, e rendeu multas superiores a R$ 2 bilhões de dólares.
Promovido: Kaeser, atual CFO da Siemens, substituirá Löscher
como CEO global da companhia
Essa nova política, inclusive, pautou a recente delação do cartel do metrô de São Paulo, do qual além da própria Siemens, faziam parte seus principais concorrentes: Alston, CAF, Bombardier e Mitsui. A reestruturação, que melhorou a reputação da companhia, porém, não foi suficiente para mantê-lo como principal executivo da Siemens, um colosso que atua em 190 países e fabrica de turbinas a gás a aparelhos auditivos e máquinas de lavar. Por conta de resultados financeiros medíocres Löscher foi dispensado na quarta-feira 31, quatro anos antes do fim de seu contrato. Isso porque o faturamento de € 78,5 bilhões em 2012, está longe do objetivo de alcançar os € 100 bilhões em 2014, proposto pelo próprio Löscher no final de 2010.
A gota d’água, porém, foi o anúncio de que não seria possível aumentar de 9,2% para 12% a margem de lucro da empresa em 2014. A insatisfação dos investidores levou o CEO a entregar sua carta de demissão após a votação unânime do Conselho de Administração da Siemens, exigindo sua cabeça. “O bem da empresa sempre deve estar acima dos interesses individuais de qualquer pessoa, inclusive eu”, afirmou Löscher em sua carta de despedida. Para o seu lugar a companhia nomeou o alemão Joe Kaeser, um executivo de carreira da Siemens, com 33 anos de casa. Kaeser é o atual diretor financeiro da empresa, mas já passou por diversas posições.
Justa causa: Adilson Primo, ex-presidente da Siemens Brasil,
foi demitido por suspeitas de corrupção em 2011
Como diretor de estratégias, foi ele, aliás, que capitaneou os estudos para a saída da empresa do ramo de telecomunicações, em meados de 2005. O desafio de Kaeser será aumentar o ritmo de crescimento da receita e, principalmente, dos lucros. “Não estamos em crise, nem precisando de reestruturação, mas nos preocupamos em ter perdido em lucratividade com relação aos nossos concorrentes”, afirmou ele em nota divulgada na quarta-feira 31. “Meu objetivo é trazer a empresa de volta ao equilíbrio.” Para mostrar resultados que acalmem os ânimos do mercado, o novo CEO terá de enfrentar as mesmas dificuldades que frustraram os planos de Löscher.
A principal delas é o cenário desanimador dos negócios na Europa, continente que responde por mais da metade da receita do conglomerado. Além disso, o novo chefão herdou algumas entregas atrasadas como a de trens de alta velocidade para a o Eurotúnel e para o grupo ferroviário alemão Deutsche Bahn AG. Esses atrasos, inclusive, recentemente custaram multas milionárias à companhia. A gestão de Löscher na Siemens pode ser encarada como uma fase de reestruturação. Ele foi o primeiro executivo não oriundo dos quadros da empresa a alcançar o cargo de CEO. Antes de assumir o posto, Löscher presidiu o laboratório farmacêutico americano Merck.
Desde então, ele adotou diversas medidas anticorrupção específicas. Entre elas, a criação de um serviço de atendimento exclusivo para denuncias e de um grupo de mais de 600 profissionais focados apenas no rastreamento de fraudes. Além disso, condicionou a política de bonificação de funcionários a metas de conduta da companhia. “Ele se preocupou mais em arrumar a casa e acabou perdendo o ritmo de mercado”, afirma André Freire, presidente da Odgers Berndtson, especializada em recrutamento de executivos. “Kaeser parece ter uma compreensão do negócio e da cultura da empresa que dizem ter faltado em Löscher.”
Pega corrupto
Por Denize Bacoccina
As manifestações de junho, que levaram milhões de pessoas às ruas em várias cidades do País, não foram ainda capazes de produzir mudanças significativas no comportamento dos políticos. Mas pelo menos uma conquista os manifestantes podem contabilizar: a aprovação, pelo Congresso, do projeto de lei que pune empresas que forem pegas pagando propina a integrantes do governo. Até agora, parecia que havia apenas um lado nos casos de corrupção, pois somente os funcionários públicos eram eventualmente punidos. O setor privado, o outro parceiro da moeda, não era diretamente responsabilizado.
O texto, sancionado pela presidenta Dilma Rousseff na quinta 1º, entra em vigor em 180 dias. Com essa legislação, o Brasil deixa a desconfortável posição de ainda não ter aprovado uma punição contra as empresas envolvidas em corrupção, apesar de ter assinado um tratado internacional sobre o assunto. “O Brasil vinha sendo muito cobrado”, diz Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União. As multas são pesadas: podem chegar a 20% do faturamento bruto, além da perda de bens e até a suspensão das atividades da empresa. De outra parte, quem mostrar que está se esforçando para disseminar uma cultura de ética entre os funcionários e diretores pode ter a pena atenuada em caso de algum ato ilícito.
O resultado imediato à aprovação do texto no Congresso, antes mesmo da sanção, foi uma corrida aos escritórios de advocacia e de consultoria, em busca de auditorias sobre a situação atual e programas de adequação às novas regras. “Já fui chamado para fazer apresentações em dez empresas e já fechamos com duas para elaborar um código de conduta”, afirma o advogado Luiz Navarro, que foi secretário-executivo da CGU por sete anos e há um mês e meio se integrou ao escritório Veirano Advogados, de São Paulo, para coordenar sua área de Governança Corporativa e Compliance. “Quem não se adequar pode perder contratos, especialmente com empresas estrangeiras”, diz Eduardo da Silva, do escritório Peixoto e Cury Advogados.