03/10/2012 - 21:00
Um dos debates mais acalorados do século 20 tratou da intervenção do Estado na economia. Depois dos anos 1980, o conceito dominante era o de que quanto menos Estado, melhor. Recentemente, porém, as respostas à crise de 2008 fizeram o pêndulo liberal retroceder no Brasil e no Exterior. A mão mais firme do governo já se fez sentir no setor elétrico e no sistema financeiro. O alvo mais novo da pressão de Brasília são as empresas de cartão de crédito. Em uma entrevista no dia 15 de setembro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, definiu como escorchantes os juros cobrados dos cartões de crédito. Não é exagero: o infeliz que financia sua dívida no crédito rotativo paga uma taxa de 323% ao ano. Só para comparação, a taxa mensal no Brasil equivale ao percentual que um americano paga por ano.
Não se discute a legitimidade de cobrar juros de quem demora para quitar sua fatura do cartão. No entanto, o custo do rotativo é 43 vezes maior que a taxa referencial Selic, atualmente em 7,5% ao ano. Não é preciso muito cálculo para notar que há uma distorção nessas cifras. O pito ministerial já começou a dar frutos. Na segunda-feira 24, o Bradesco anunciou a redução em 54% da taxa máxima cobrada de seu cartão, seguindo um movimento iniciado pelos bancos estatais no início de setembro. No dia seguinte, o Itaú também anunciou um corte nos juros cobrados em seus cartões. Em um encontro com analistas de mercado e investidores em São Paulo, Roberto Setubal, presidente do banco, disse que o custo para todos os clientes deverá cair para, no máximo, um dígito antes do fim do ano.
“Não dava para continuar nesse patamar de 12%, 15% (no rotativo), com a economia caminhando para juros menores”, disse Setubal na ocasião. Antes tarde do que nunca. Toda a conversa sobre os juros dos cartões de crédito pode embutir uma malvadeza estatística: os bancos alardearam o corte nas taxas máximas, mas não contaram qual a alteração da taxa média cobrada em suas carteiras de crédito rotativo, e é esse o número que realmente importa. Assim, só na divulgação dos próximos balanços será possível saber com exatidão quanto essas medidas afetaram o lucro do sistema financeiro. Pelo sim, pelo não, Setubal aproveitou o encontro para não deixar dúvidas no mercado. “A rentabilidade de todos os setores, incluindo o financeiro, deverá cair.”
Impactos na última linha do balanço à parte, é inegável que o movimento dos bancos chega com um razoável atraso. A redução estrutural dos juros foi iniciada pelo Banco Central em agosto de 2011. Desde então, os movimentos de barateamento do crédito têm sido mais cosméticos do que efetivos. Prova disso é que, mesmo reduzindo as taxas, o sistema financeiro não sofreu um abrupto encolhimento dos lucros. Em bom português: sem a pressão de Brasília, os bancos, docemente constrangidos, continuariam cobrando taxas capazes de ruborizar o mais empedernido dos agiotas. A prova de que as cifras estavam descalibradas foram as reduções na última semana de setembro. Parafraseando o slogan de campanha do presidente americano Barack Obama, em 2008: sim, eles podem cobrar menos.