04/02/2016 - 19:00
Paraísos fiscais sempre foram parte integrante da paisagem financeira. Aqueles países onde os donos de fortunas enormes, adquiridas legalmente ou nem tanto, depositam seu dinheiro em busca de impostos baixos e ausência de perguntas indiscretas. Locais tradicionais como a Suíça, ou mais recentes, como Ilhas Cayman, Bahamas ou Bermuda. Nos últimos anos, eles estiveram sob intenso escrutínio das autoridades. Na esteira do combate ao terrorismo, os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), liderados pelos Estados Unidos, enrijeceram a legislação que trata dos paraísos fiscais.
“Ficou mais difícil investir dinheiro sem origem comprovada”, diz o planejador financeiro Celso Protásio, especialista na gestão de fortunas. Com uma notável exceção: os próprios Estados Unidos da América. A explicação? Para o Departamento do Tesouro, a legislação americana é sólida, atende aos interesses nacionais e serve de parâmetro para os demais países da OCDE. Para entender o caso, é preciso voltar quase uma década no tempo. Em 2007, um executivo do banco suíço UBS alertou as autoridades que seu empregador ajudava americanos ricos a evitar impostos por meio de operações na Suíça e em outros paraísos fiscais.
No ano seguinte, Hervé Falciani, um técnico de informática que trabalhava no private bank do HSBC na Suíça vazou os dados de 106 mil clientes, expondo a tolerância do banco com traficantes e sonegadores. Isso levou as autoridades americanas a uma agressiva campanha judicial contra os bancos suíços. Em 2012, para evitar maiores processos, 80 instituições financeiras concordaram em pagar um total de US$ 5 bilhões em multas ao governo americano. Dois anos depois, a OCDE, ainda inspirada por Washington, lançou um programa de transparência.
Conhecido como Fatca, ele obriga os países a divulgarem dados. Assim, se um banco em Grand Cayman tiver depósitos bilionários de um brasileiro, o banco será obrigado a informar as autoridades em Brasília, o que aumentará o poder de fiscalização das autoridades internacionais. Até o fim de 2015, 97 países, o Brasil entre eles, haviam assinado sua adesão ao Fatca. Alguns, porém, se recusaram a assinar: as ilhas de Nauru e Vanuatu, na Oceania, o califado do Bahrein, no Golfo Pérsico, além dos Estados Unidos.
Na prática, essa recusa tornou alguns estados do Meio Oeste americano, como Wyoming, Nevada e Dakota do Sul, os paraísos fiscais mais atraentes dos últimos anos. Em meados de 2015, o tradicional banco de investimentos britânico Rothschild inaugurou um escritório em Reno, Nevada. Conhecida por seus cassinos baratos e divórcios instantâneos, a cidade agora hospeda estruturas financeiras bilionárias. Apesar de sua propagandeada rigidez fiscal, os Estados Unidos sempre ofereceram alguns endereços aconchegantes para quem quer suavizar a mordida do Leão.
Antes da migração de recursos para os estados do Meio-Oeste, o estado de Delaware já funcionava como um tipo de paraíso fiscal. “A legislação estadual de lá oferecia vantagens para quem sediava suas empresas em Delaware”, diz Protásio. Ele diz não ter conhecimento de brasileiros que tenham enviado seus recursos para os novos paraísos fiscais, mas não descarta a hipótese. A nova estrutura de sigilo funciona com base em legislações estaduais que permitem o estabelecimento de “trusts”, uma figura jurídica que não existe no direito brasileiro.
Simplificando, um trust é uma empresa que recebe ativos financeiros e tem um administrador, ou “trustee”, normalmente um advogado ou contador, encarregado de investir esses ativos. O trust pode ter vários beneficiários, e, nos Estados Unidos, é muito usado para driblar os pesados impostos de sucessão e herança, que podem chegar a 50% do valor legado. Ao transferir os bens para o trust, o endinheirado pode colocar os filhos como beneficiários e o problema está resolvido. Nos estados do Meio Oeste é possível estabelecer o trust sem a necessidade de identificar tanto o mantenedor quanto os beneficiários.
Apesar de todos os banqueiros garantirem que só aceitam clientes que provem estar em dia com o Fisco, na prática essa brecha legal tem atraído fortunas de paraísos fiscais. Os advogados avaliam que os bancos não fazem nada ilegal ao convencer investidores estrangeiros a colocar seu dinheiro nos Estados Unidos prometendo sigilo, desde que, ao fazer isso, os banqueiros não facilitem a sonegação de impostos nos países de origem dos investidores. “Mesmo assim, em um momento de mercado em retração, os Estados Unidos são um dos poucos lugares onde se oferece sigilo”, diz um advogado de um private bank internacional bastante ativo no Brasil.
“Parece um paradoxo, mas é uma oportunidade de negócio. ”Interessado? A tarifa é alta. Os números começam a compensar para cifras superiores a US$ 50 milhões. Para conseguir abrir um trust nos Estados Unidos será preciso provar a origem lícita do dinheiro e também comprovar que os impostos foram pagos. O dinheiro então será remetido para um trust, e deixa de pertencer ao investidor. Os rendimentos, estão sujeitos aos impostos estaduais americanos, que oscilam entre a isenção em Nevada até os 8,7% em Delaware. Aí, basta enviar o dinheiro para a conta e aproveitar do sigilo “made in USA”.