06/11/2015 - 20:00
Em sua decisão mais recente no caso Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro citou a admissão pública de responsabilidade feita pela Volkswagen no escândalo de maquiagem de dados dos motores como exemplo a ser seguido pelas empreiteiras envolvidas no caso de corrupção em obras da Petrobras. Moro se referia especificamente à mineira Mendes Júnior, que teve dois executivos do alto escalão condenados por pagamento de propinas na terça-feira 3. Na Alemanha, o presidente da montadora, Martin Winterkorn, renunciou ao cargo semanas após o caso ganhar notoriedade pelo mundo.
No Brasil, o vice-presidente da Mendes Júnior e herdeiro do grupo, Sergio Cunha Mendes, chegou a ser preso pela Polícia Federal sob suspeita de corrupção e formação de cartel. “A admissão da responsabilidade não elimina o malfeito, mas é a forma decente de superá-lo”, afirmou o juiz da Lava Jato. Pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa, o vice-presidente terá de cumprir 19 anos e 4 meses, a pena mais elevada para um executivo da iniciativa privada no caso Lava Jato.
Ele vai recorrer ao processo em liberdade. Em depoimento, Sergio Cunha admitira o pagamento de R$ 8 milhões ao então diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, mas insistia na tese de extorsão. Ou seja, de que as propinas garantiam uma chance de poder participar de concorrências bilionárias da estatal. Confissões de delatores e documentos coletados pela Polícia Federal sustentam, porém, a ideia de que havia um cartel entre as prestadoras de serviço, em que mais de 10 empresas combinavam, com a anuência dos diretores da Petrobras, quem iria ganhar os contratos, em geral, com preços superfaturados.
Era o que se convencionou a chamar de campeonato esportivo ou de bingo fluminense, referências ao regulamento. Esses termos agora fundamentam as condenações de Sergio Mendes, outros dois executivos e de quatro operadores. A defesa do executivo questiona a competência e a isenção do juiz Sérgio Moro e descarta a prática de associação entre as empreiteiras. “Cartel pressupõe controle de mercado, o que não ocorreu, pois ele é dominado pela Petrobrás e não pelas empreiteiras”, afirma.
Até o fechamento desta edição, o advogado do executivo não havia retornado aos pedidos de entrevista da DINHEIRO. À Folha de S. Paulo, Marcelo Leonardo disse considerar a pena injusta e desproporcional e garantiu que vai recorrer. As irregularidades incluem contratos de refinarias e dois terminais. Em ao menos dois foram encontradas a assinatura de Sergio Mendes. O executivo é apontado ainda como um dos responsáveis por propinas que somam R$ 31,5 milhões. “Não é possível aceitar que a Mendes Júnior, poderosa empreiteira, não poderia recusar-se a ceder às exigências indevidas”, diz Moro. “Quem é extorquido, procura a polícia e não o mundo das sombras.”
Casos como esse e os escândalos que envolveram recentemente empresas como Siemens, Alstom e Bosch mostram como o custo dos malfeitos aumentou para os corruptores e que admitir a culpa pode valer a pena quando os problemas são detectados. No cargo desde 2004, Sergio Mendes foi preso no final de 2014 na fase Juízo Final da operação, que alcançou outros representantes do alto escalão de construtoras. Ele está em liberdade desde abril. Moro também condenou Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, João Auler, então presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa, entre outros.
Dalton Avancini e Eduardo Leite ex-presidente e vice-presidente da Camargo Corrêa tiveram penas reduzidas porque decidiram colaborar com a Justiça. As penas da Lava Jato somam pouco mais de 220 anos. Até agora, apenas a sentença de um doleiro foi revertida após o recurso. Investigações semelhantes do passado ficaram marcadas pela revisão de sentenças nas instâncias superiores. Neste ano, por exemplo, o STF negou recursos que poderiam reabrir o caso Castelo de Areia, que investigou crimes financeiros e repasses ilícitos a políticos por representantes da Camargo Corrêa.
Na ocasião, sentenças foram anuladas depois que provas como escutas telefônicas foram consideradas ilegais. Para Fernando Tadeu Marques, professor de Direito Penal do Mackenzie, há espaço para que provas colhidas em delações possam ser questionadas agora, por estarem condicionadas à soltura do acusado. “Caso os tribunais superiores entendam pela ilicitude da delação, todas as provas devem ser consideradas ilícitas também e, por consequência, desentranhadas dos autos, como ocorreu na Castelo de Areia.”