30/09/2016 - 20:00
Como a cerveja e o chucrute, nada é tão típico da paisagem alemã quanto as agências do Deutsche Bank. Nascido com a unificação nacional, em 1870, o Deutsche é a única instituição financeira germânica com abrangência global. E foram exatamente as operações fora da Alemanha, mais especificamente nos Estados Unidos, que submeteram o banco à pior turbulência de sua história. Por ter empacotado empréstimos imobiliários problemáticos em títulos e vendido esses papéis a investidores americanos entre 2005 e 2008, o Deutsche foi multado em US$ 14 bilhões pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em 16 de setembro, na maior multa aplicada a um banco na história.
Como não poderia deixar de ser, as ações do Deutsche desabaram. Do dia da multa até a quinta-feira 28, os papéis recuaram 23,3%, para € 10,08 (R$ 36,91), menor cotação desde 1999. Diversos motivos contribuíram para essa derrocada. Dias após a multa, em 24 de setembro, um sábado, o deputado Hans Michelbach, um dos líderes do Partido Social Cristão, que pertence à coalizão que apóia a primeira-ministra Angela Merkel, disse que seria “inimaginável” usar dinheiro público para socorrer o Deutsche. A frase correu como um rastilho de pólvora pelos mercados na segunda-feira 26, fazendo as ações caírem ainda mais e lançando uma sombra de desconfiança sobre os bancos em todo o mundo. Não foi à toa.
Meses antes, um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) havia advertido contra os riscos de contaminação sistêmica dos bancos nos Estados Unidos, na Europa e na China no caso de problemas com o Deutsche. Para piorar, na quinta-feira 29, dez fundos de hedge europeus anunciaram que estavam transferindo a custódia de seus ativos do Deutsche para outros bancos, e resgatando pequenas quantias de dinheiro do banco alemão, o que pressionou ainda mais os papéis. Nesse meio tempo, John Cryan, presidente do banco desde junho do ano passado, vem suando o colarinho para tentar acalmar os investidores.
Ele anunciou a venda da seguradora britânica Abbey Life por US$ 1,2 bilhão, e informou que o Deutsche possui uma posição sólida de caixa para fazer frente a seus compromissos financeiros. O que assusta o mercado é a hipótese de o Deutsche ser obrigado a vender ações para levantar recursos, o que poderia reduzir ainda mais o valor dos papéis. O fato de o concorrente Commerzbank ter anunciado um programa de demissões, cortando 20% do quadro de funcionários, aprofundou a intranqüilidade. O Commerzbank deverá dispensar mais de 9,6 mil pessoas na Alemanha e em outros países da Europa. O temor contaminou os mercados globais, e o Brasil não foi exceção.
Na segunda-feira 26, o índice de ações financeiras, que engloba os papéis dos principais bancos listados na Bovespa, recuou 1,14%, para voltar a cair 2% na quinta-feira 29. O Ibovespa caiu 1,6% e escorregou de volta para 58.350 pontos. Declarações políticas e movimentos especulativos de mercado à parte, os demonstrativos financeiros do Deutsche referentes ao primeiro semestre, divulgados no fim de julho, mostram que a instituição está avançando lenta, mas firmemente, com o plano de ajuste anunciado por Cryan em meados de 2015. O banco demitiu três mil funcionários ao longo dos últimos três trimestres e diminuiu sua atuação internacional.
Encerrou as operações em toda a América Latina, mantendo apenas os negócios de atacado no Brasil, vendeu suas participações em bancos chineses e se prepara para vender as atividades do Banco Postal alemão, o principal receptor de pequenas poupanças do país europeu. Além disso, os números do Deutsche impressionam. O banco mantém € 220 bilhões (R$ 805 bilhões) em depósitos, e possui um patrimônio líquido de € 43,5 bilhões (R$ 160 bilhões). Apesar de as receitas operacionais terem encolhido 21% no primeiro semestre em relação aos seis primeiros meses de 2015, o grupo faturou € 15,4 bilhões (R$ 56,3 bilhões) na primeira metade deste ano.
O Deutsche pode quebrar? Para alguns analistas, essa hipótese é remota. “O Deutsche é o único banco que pode apoiar as empresas alemãs em sua expansão internacional”, diz o analista alemão Marcel Fratzscher, presidente do instituto de estudos DIW Berlin. Ou seja, apesar das declarações públicas de que não vão usar dinheiro dos contribuintes, é pouco provável que o governo Merkel, que busca a reeleição daqui a um ano, deixe o maior banco alemão sucumbir. Descontando-se os dez fundos de hedge que resgataram seu dinheiro, o banco ainda conta com 220 outros entre seus clientes, e possui, além do sólido caixa, € 46 trilhões (R$ 168 trilhões) em derivativos.
Como justificar, então, tanta volatilidade com suas ações? “Boa parte desse movimento é pura e simples especulação de gestores de fundos de hedge internacionais”, diz Adeodato Volpi Netto, presidente da empresa de análise independente Eleven Financial. “Este está sendo um ano extremamente especulativo”, diz ele. Segundo Netto, no primeiro trimestre o motivo da especulação foi o impacto da desaceleração econômica da China sobre as commodities. No segundo, o Brexit movimentou o mercado de câmbio. Agora, o rumor da vez é um risco sistêmico causado pelo Deutsche. Essa turbulência tem hora para acabar, diz Netto. “Quando as ações do Deutsche e de outros bancos caírem o suficiente, os gestores que hoje estão vendendo vão voltar a comprar.”