02/06/2017 - 17:00
O núcleo político do governo Michel Temer adotou, nesse período de crise, um kit composto por calculadoras e calendários. A calculadora serve para contabilizar quantos votos cada partido da base tem a favor das reformas. Já o calendário é utilizado para montar um quebra-cabeça que encaixe as datas das sessões no Congresso Nacional com as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que podem selar o futuro do presidente Temer.
O primeiro conflito vai ocorrer na terça-feira 6, quando o TSE inicia o julgamento da chapa Dilma-Temer. No mesmo dia, o Senado vai votar o texto da reforma trabalhista, já aprovado na Câmara dos Deputados. O maior desafio, nesses casos, é evitar que um assunto contamine o outro. A reforma trabalhista é considerada o primeiro teste político da base governista após a delação da JBS, cujas gravações levaram a Procuradoria-Geral da República (PGR) a pedir ao STF a abertura de inquérito para investigar o presidente Temer.
Na terça-feira 30, parlamentares chegaram a um acordo para adiar a primeira das quatro votações – três serão em comissões e uma ocorrerá no plenário. “A reforma não é mais do governo, e sim do Congresso”, afirma Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado. O tema é defendido pelo setor produtivo, que prevê uma maior geração de empregos após a modernização das leis trabalhistas. Embora o governo precise apenas de maioria simples, pois se trata de um projeto de lei, a reforma trabalhista servirá de termômetro para a batalha mais importante de todas: a votação da reforma da Previdência.

O texto, que muda as regras das aposentadorias, necessita de dois terços dos votos, em dois turnos, na Câmara e no Senado. O temor do governo é que a sessão do TSE fragilize o presidente Temer e acabe contaminando o placar no Congresso. É aí que entram em ação as calculadoras. Antes da delação da JBS, cujas gravações vieram à tona em 17 de maio, o núcleo político do Palácio do Planalto contabilizava 280 votos na Câmara, número insuficiente para aprovar a reforma da Previdência (são necessários 308 votos).
Após o estouro da crise política, PSB, PPS e o Podemos (antigo PTN) deixaram a base governista. Imediatamente, Temer entrou em campo para impedir que o PSDB e o DEM seguissem o mesmo caminho. Na segunda-feira 29, o peemedebista se encontrou, em São Paulo, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati. Ficou selado que os tucanos só desembarcarão do governo se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer. Esse cenário é visto pelos cientistas políticos como pouco provável, no curto prazo, pois há grande chance de um dos sete ministros do TSE pedir vistas.
A cada dia que passa, o governo Temer vem conseguindo ganhar força na economia. Os indicadores, como PIB, inflação, juros, desemprego e balança comercial, têm jogado a favor do Planalto e podem garantir votos preciosos no Congresso Nacional (leia reportagem aqui). “A gente vai ganhar [a votação da reforma da Previdência]”, afirmou à DINHEIRO Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados (leia entrevista ao final da reportagem).

Maia participou da abertura do Fórum de Investimentos Brasil 2017, na terça-feira 30, em São Paulo, ao lado da cúpula política e econômica do governo, além do presidente Temer. “Quero dizer que cada passo que nos guiou foi sentimento de responsabilidade. Queremos um futuro melhor. Não há plano B”, afirmou Temer a uma plateia de investidores. “Afinal, a responsabilidade rende frutos.”
Presente ao mesmo evento, no dia seguinte, o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), avalia que os estragos causados pelas gravações da JBS já foram contidos. “Nós mantivemos a nossa base praticamente igual à que tínhamos antes da crise”, disse Maia, que considera irreversível a reforma, com ou sem Temer. “A permanência ou a não permanência da Presidência não significa a paralisação das reformas.” Por outro lado, os últimos capítulos jurídicos dificultaram a situação do presidente da República.
Na terça-feira 30, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, definiu que Temer prestará depoimento por escrito à Polícia Federal. A defesa do presidente pediu a Fachin que proibisse questionamentos sobre os áudios da JBS, que ainda estão em fase de perícia. O pedido, no entanto, foi negado. O seu futuro político segue indefinido. Na avaliação da consultoria Eurasia, a chance de Temer não chegar ao fim do mandato em 2018 ainda é de 70%. “A normalidade no Congresso tem prazo de validade”, diz Christopher Garman, diretor da Eurasia (leia entrevista ao final da reportagem).

As especulações sobre nomes que poderiam substituir Temer em caso de afastamento ou renúncia seguem a todo vapor. Os mais cotados continuam sendo Rodrigo Maia, Tasso Jereissati, Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça e da Defesa nos governos do PSDB e do PT, e Henrique Meirelles, atual ministro da Fazenda, que foi questionado sobre o tema. “Meu cenário é de que o presidente Temer termine o mandato”, afirmou Meirelles.
Já a oposição continua batendo na tecla das “Diretas Já”, solução que não está prevista na Constituição. Na quarta-feira 31, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a realização de eleições diretas, em caso de vacância da presidência da República nos três primeiros anos de mandato. Entretanto, a PEC, que requer o aval de dois terços dos parlamentares, ainda precisa ser votada em dois turnos, no Senado e na Câmara, com baixa probabilidade de aprovação.
O governo Temer não tem tempo a perder. A sobrevivência política depende do êxito econômico que, por sua vez, está associado à aprovação das reformas. “Tem de resolver o problema político, mas não vamos abandonar a plataforma que, de fato, o País precisa para seu crescimento e para voltar a atrair investimento”, afirma Marco Castro, sócio da PwC e presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-SP).
Com uma visão empresarial e a experiência de duas gestões na prefeitura de Belo Horizonte, Marcio Lacerda discorda da decisão do seu partido (PSB), que rompeu com o governo, e apóia as reformas para evitar a volta da recessão. “Independentemente de o presidente sair ou não, a retomada do crescimento pode se consolidar se as reformas forem aprovadas”, afirma Lacerda. “É uma questão de sobrevivência para todos.”
“A gente vai ganhar”
Após participar da abertura do Fórum de Investimentos Brasil 2017, na terça-feira 30, em São Paulo, o presidente Rodrigo Maia, falou, rapidamente, com a DINHEIRO

Há clima político para o governo tentar aprovar agora a reforma da Previdência Social na Câmara dos Deputados?
Vamos conversar com os líderes para ver o melhor momento, mas não podemos esticar muito esse assunto, não.
Mas a reforma será colocada em votação?
Acho que é importante votar.
Ainda no 1º semestre?
Com certeza, antes do final do primeiro semestre.
A estratégia do governo prevê que o texto da reforma da Previdência só será levado ao plenário da Câmara dos Deputados quando a base tiver 320 votos. Como está essa contagem hoje?
Está perto disso.
Mesmo após as gravações da JBS?
A gente vai ganhar [a votação].
Alguma deliberação sobre os pedidos de impeachment do presidente Michel Temer?
[neste momento, o deputado entrou no carro e foi embora].
“A normalidade no Congresso tem prazo de validade”
O diretor da Eurasia, Christopher Garman, mantém a probabilidade de 70% de o presidente Michel Temer não concluir o mandato

O que deve acontecer no julgamento do TSE?
É muito difícil antecipar o que vai acontecer. É uma decisão jurídica, mas a questão política vai pesar. Acho uma aposta razoável imaginar que a votação não será concluída nesta semana.
O resultado pode afetar a base?
Parte da base aliada se mantém no governo à espera de um desfecho do TSE. Existe uma parcela da bancada do PSDB que gostaria de sair do governo. A normalidade no Congresso tem prazo de validade.
O que pode acontecer com o governo Temer?
A grande dúvida que paira no ar é se o presidente Temer perdeu as condições de encaminhar as reformas e de manter a governabilidade.
A agenda econômica corre riscos de não evoluir?
Qualquer presidente que venha, por ventura, substituir Michel Temer numa eleição indireta muito provavelmente manterá a direção da política econômica e a agenda de reformas.
No seu cenário, há espaço para eleições diretas?
Acho muito difícil.
“A galinha está sem pena. Em vez de voar, ela dá pulo”
Filiado ao PSB, o empresário e ex-prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, acredita no andamento das reformas, apesar do caos político

A reforma da Previdência é imprescindível?
É uma questão de sobrevivência para todos. As contas públicas no Brasil são um desastre.
Há clima no Congresso?
Acho que o Congresso não vai parar. Ocorre que a comunicação da reforma da Previdência foi mal conduzia, o que permitiu aos adversários adotar um discurso quase terrorista nas redes sociais.
A recessão pode voltar?
Independentemente de o presidente sair ou não, a retomada do crescimento pode se consolidar se as reformas forem aprovadas. Eu não sou pessimista, não.
Na sua visão empresarial, azedou o clima para os investidores?
O clima estava favorável para investimentos. Uma semana depois, com a JBS, mudou tudo. A galinha está sem pena. Em vez de voar, ela dá pulo.
O PSB desembarcou do governo?
Desembarcou, mas eu não fui à última reunião da executiva, que votou por eleições diretas. Há uma luta interna pelo controle do partido. Eu, ao contrário do que o partido decidiu, sou a favor das reformas estruturais.