03/02/2023 - 3:40
Depois de dois anos sem o seu principal evento de moda em moldes tradicionais, Paris voltou a receber em janeiro, de maneira totalmente presencial, a Semana de Alta Costura. Nela, 29 maisons apresentaram suas coleções com o intuito de buscar novos horizontes para o mercado fashion em todo o mundo. Nesta edição, a grife Schiaparelli abriu os desfiles com looks tão inusitados quanto polêmicos. Inspirada na Divina Comédia, a coleção trouxe à passarela os três animais que estavam na porta do inferno quando Dante encontrou Virgílio. As cabeças de um leopardo, de um leão e de um lobo compunham três diferentes vestidos que buscavam transmitir a mensagem de bravura da marca, que levou para a passarela Naomi Campbell, Shalom Harlow e Irina Shayk.
Apesar de parecer um trabalho impecável de taxidermia, era tudo de mentira. Hiperrealista, mas fake. Feito com espuma, madeira e pele sintética pintada à mão por uma casa italiana reconhecida pelo surrealismo da sua produção. Mesmo assim, a ideia não desceu bem. Em um momento em que os movimentos de preservação da vida selvagem ganham cada vez mais força, a proposta soou mais como um deslize.

Para o coordenador do curso de moda da FAAP Fernando Hage, ainda que seja polêmica, essa produção demonstra a expertise do fazer manual da alta costura francesa, o que é justamente o intuito da Semana de Alta Costura. “É um trabalho extremamente minucioso, de muita qualidade, ao ponto de reproduzir fielmente um animal”, afirmou. Enquanto o mundo da moda se debruçava sobre a controvérsia da Schiaparelli, os desfiles seguiam a todo vapor. O primeiro dia foi encerrado por Giambattista Valli, italiano conhecido pelos vestidos exagerados, românticos e cheios de cor. A atriz brasileira Marina Ruy Barbosa desfilou como convidada de honra do estilista e fechou a passarela com um vestido de noiva inspirado nos anos dourados de Hollywood, com saia branca, bolero de mangas longas todo em flores bordadas e véu de tule.
Além da participação de Marina, o Brasil marcou presença inspirando a coleção do francês Stéphane Rolland, que teve como ponto de partida o filme Orfeu Negro (1959), e trilha sonora de Maria Bethânia, Tom Jobim e João Gilberto. O desfile foi dividido em três atos. No primeiro, vestidos brancos cheios de curvas e volumes ousados homenageavam a obra do arquiteto Oscar Niemeyer; em seguida, caimentos fluídos, tons terrosos e pedras preciosas reverenciavam a Amazônia; por fim, no terceiro ato, o ouro brasileiro reluziu em um potente vestido de noiva inspirado no manto de Nossa Senhora Aparecida.
“As marcas internacionais têm se inspirado no Brasil porque, além de sermos culturalmente muito ricos, somos um grande mercado consumidor”, afirmou o professor da FAAP, lembrando que o mercado de alta costura têm se aproximado não só de artistas, mas de influenciadoras brasileiras em uma tentativa de expandir os seus públicos. “A intenção não é popularizar e sim gerar um desejo sobre a marca que traz resultados comerciais em outras frentes, como perfumes e acessórios”.
COLABORAÇÕES Outra estratégia para alcançar novos públicos e se manter relevante no universo da moda é estabelecer colaborações, como tem feito a grife Jean Paul Gaultier. Desde a aposentadoria do seu fundador, em 2020, ela convida estilistas amigos para criarem suas próprias interpretações da maison. Nesta temporada, quem assina a coleção da marca é o colombiano Haider Ackermann, que conseguiu mesclar a tradicional sutileza das suas produções com o maximalismo característico de Gaultier. “Olhar para o trabalho dele e encontrar semelhanças com o meu é um exercício interessante”, disse o estilista à revista americana Harper’s Bazaar.

Fazendo jus ao ditado “por último, mas não menos importante”, a Mugler encerrou a Semana de Alta Costura surpreendendo o público não só com os ousados looks assinados pelo americano Casey Cadwallader, mas com a experiência imersiva de apresentar, ao mesmo tempo, um desfile e um fashion film ao vivo. Supermodelos como Eva Herzigova, Debra Shaw, Shalom Harlow, Amber Valetta e Dominque Jackson cruzavam a passarela interagindo com câmeras, gruas e trilhos que transmitiam imagens ao vivo para os telões, pontuando a transição entre os fashion films, desfiles em estúdio que marcaram a pandemia, e o retorno da passarela presencial. Tudo em meio ao som experimental da performática cantora venezuelana Arca, que ao final fez do palco uma grande festa, convidando à celebração com o mote “Just party!” Paris é mesmo uma festa.