A situação é inusitada. Afinal, na maioria das empresas, a reportagem da DINHEIRO é recebida pelo presidente, junto com um ou dois assessores, que costumam interferir o mínimo possível nas entrevistas. A sala de reunião da fabricante de filtros automotivos Tecfil, no entanto, está quase lotada. Na ponta da extensa mesa de madeira escura está o empresário Arthur Castro Gurgel, um dos dois sócios da fabricante, e, na cadeira ao lado, seu irmão Abílio, o outro sócio. À sua esquerda, estão Ricardo Pessoa, diretor comercial, e Ricardo Brandão, diretor administrativo.

Ao fundo, de frente para a porta, acomoda-se o diretor industrial, Flavio Boni. Arthur é o primeiro a falar, mas logo passa a palavra a Abílio. Os irmãos dão um breve resumo da história da companhia, fundada por seu avô. Pessoa e Brandão complementam com suas visões sobre a cultura empresarial dos Castro Gurgel. E a entrevista segue dessa maneira, por quase duas horas. Cada pergunta é respondida por dois, três ou até cinco executivos. Boni é o que menos fala, mas é sempre consultado em questões que envolvem sua área e respeitado quando decide intervir em outros assuntos.

Apesar de algumas vezes as vozes se intercalarem, há uma grande harmonia no ambiente. “Temos bom senso”, afirma Arthur, o primogênito. “É por isso que nosso sistema funciona.” O sistema em questão é, talvez, único entre empresas de médio e grande porte. A Tecfil não tem presidente, nem CEO, ou qualquer cargo que represente uma liderança suprema. Todas as decisões, segundo seus acionistas, são tomadas em conjunto pelo grupo, com a contribuição do diretor financeiro Rogel Delgado, que não pôde estar presente por conta de uma reunião.

A falta de um líder não significa bagunça, afirmam os envolvidos na administração. “Não somos uma empresa informal, pelo contrário”, diz Brandão. “Temos regras rígidas de governança.” Também não torna o processo de decisão mais lento. “Nosso grande diferencial é sermos mais ágeis do que a concorrência”, diz Pessoa. Boni corrobora a afirmação com um caso prático: “Recente-mente, um dos nossos fornecedores desenvolveu um novo tipo de papel filtrante e aprovamos seu uso em algumas semanas”, diz o diretor industrial. “O concorrente levou mais de um ano.” Os números, pelo menos, mostram que a estratégia está dando certo. Em 2015, o mercado automotivo sofreu um tombo de 33,6%. Já as vendas da Tecfil subiram mais de 10%, para R$ 500 milhões.

A ideia de não ter um CEO foi evoluindo ao longo do tempo, dizem os irmãos Castro Gurgel. Os dois assumiram a companhia em 1984, com a morte do pai, em um período de dificuldades econômicas e dívidas em alta. Na época, eles fabricavam algumas centenas de milhares de peças. Com uma agressiva estratégia comercial, e sob o lema “não perdemos clientes”, eles promoveram uma rápida expansão. Hoje, a produção está na casa dos cinco milhões de peças por mês, o que faz da Tecfil a líder no mercado de reposição, segundo os empresários. Com o crescimento, veio a necessidade de profissionalizar a gestão. A cartilha da governança foi seguida à risca.

A família se afastou do dia a dia para se concentrar na estratégia e uma consultoria ficou responsável por encontrar um quadro diretivo. Só que na hora de contratar um presidente… “Trouxemos uma pessoa do mercado, mas ele não se adaptou ao nosso jeito”, diz Abílio. O processo foi traumático – terminou na Justiça, inclusive. Os irmãos decidiram, então, abolir o cargo. Acabar com o posto, porém, não significa, necessariamente, abrir mão da liderança. “Se numa canoa há duas pessoas, alguém tem de liderar. De forma velada, algum sócio deve assumir esse papel nas reuniões e na hora de tomar decisões”, afirma Marcelo Scharra, consultor de gestão da Inside Business Design, empresa especializada em estratégias de negócios.

A falta de liderança, além de deixar uma lacuna na cultura da empresa, pode criar problemas graves nos resultados. A fabricante de computadores HP, por exemplo, entre 2010 e 2012, demitiu dois CEOs, Mark Hurd e Leo Apotheker. Sem comando, ela entrou em uma crise, que resultou no corte de 34 mil funcionários e perdas bilionárias. Os Castro Gurgel concordam que seria difícil replicar o modelo da Tecfil. “Não vejo isso acontecendo em uma multinacional, por exemplo”, diz Arthur. Vale ressaltar, também, que boa parte do bom desempenho da empresa se deve ao fato de ela atuar no mercado de reposição.

“As pessoas deixam de trocar de carro, mas se não trocarem o filtro de óleo, o motor quebra”, afirma Abílio. O que pode ser um padrão a ser seguido por outras empresas é, na verdade, a capacidade de delegar. “Nosso pai era muito centralizador. Hoje, temos especialistas em cada uma das áreas, enquanto eu e meu irmão viajamos o mundo inteiro conhecendo outras empresas e abrindo frentes de negócios”, diz o primogênito. É como diz o ditado: o olho do dono que engorda o gado. Mas, como leite vigiado nunca ferve, o melhor é encontrar um meio termo. A Tecfil parece ter encontrado.