22/01/2016 - 20:00
Pouco habituados a diálogos com o governo desde que Nicolás Maduro assumiu a presidência da Venezuela, em meados de 2013, os venezuelanos se depararam com uma cena atípica na sexta-feira, 15 de janeiro. Às 17 horas de Caracas, capital do país (19h30 de Brasília), o presidente convocou um pronunciamento à nação. A notícia a ser dada, no entanto, estava longe de ser boa. A queda livre no preço do barril de petróleo — que na última quinta-feira chegou a ser negociado a US$ 27,8, menor patamar desde 2003 — obrigou Maduro a recorrer a mais uma de suas piruetas populistas, decretando estado de emergência econômica.
“Espero que o decreto seja aprovado por unanimidade e que a Assembléia me ajude a navegar por essa tormenta”, disse o líder em um evento com empresários e políticos na terça-feira 19. Extremamente dependente do óleo negro, responsável por 95% das exportações venezuelanas e por 40% das receitas do governo, o caudilho afirmou lutar contra uma “guerra econômica” promovida pelos inimigos da Venezuela.
Para isso, ele criou 10 medidas que concedem a ele mesmo plenos poderes pelos próximos 60 dias, como eliminar o direito da Assembléia Nacional de aprovar e controlar o orçamento do país; assumir e confiscar ativos, estoques e canais de distribuição do setor privado para garantir o abastecimento interno do país; aumentar impostos, entre outros. Especialistas, claro, duvidam de sua efetividade. “É preciso uma reforma estrutural, não emergencial”, diz Regis Arslanian, ex-embaixador do Brasil no Mercosul e sócio da GO Associados.
A busca pelo diálogo é uma tentativa do governo se mostrar mais aberto e, ao mesmo tempo, frear a ascensão da oposição no país. No entanto, Maduro não reconhece o modelo econômico insustentável criado por ele. Sua nova proposta é extremista e reduz ainda mais a participação das empresas. Seu populismo desaba na mesma velocidade da queda do preço do petróleo. Os militares, que sempre apoiaram o governo bolivariano, pressionam o presidente a aceitar o resultado das eleições legislativas de dezembro que, pela primeira vez em 17 anos, conta com a maioria oposicionista ao regime chavista.
A insatisfação popular é crescente e os militares temem um levante contra Maduro, com consequências imprevisíveis. “Não é o fim do chavismo”, afirma Arslanian.“Mas a crise política está fortalecendo a oposição, que pode convocar novas eleições em 2016, caso necessário, e tirar Maduro do poder.” Com uma das maiores reservas de petróleo no mundo, a Venezuela é um dos países que mais sofre com as oscilações no preço do insumo. A dependência econômica do bem, que representa 25% de seu PIB, ficou ainda mais forte quando o regime bolivariano foi instaurado no país, em 1999, pelo ex-presidente Hugo Chávez.
O país decidiu surfar a onda de alta do petróleo, que chegou a valer US$ 150, e a exportação virou prioridade. Nos tempos áureos, o país chegou a vender 3,2 milhões de barris por dia. Atualmente, o número não passa de dois milhões. Por um curto período, a estratégia deu certo, com o avanço do PIB. Agora, a projeção é de retração de 7% da economia. A inflação oficial de 141% é questionada por especialistas, que calculam que ela tenha superado os 200%.
Como consequência, programas para o desenvolvimento da agricultura e indústria foram abandonados, tornando o país mais dependente de importações: 80% dos produtos consumidos internamente vêm de fora. “O modelo econômico focado no petróleo fez com que as empresas ficassem paralisadas, sem matéria-prima”, diz Fernando Portela, diretor-executivo da Câmara de Comércio Venezuelana-Brasileira. “Atualmente, elas operam com apenas 40% de sua capacidade.”
Com a fonte de receita do país praticamente seca, a população enfrenta dificuldade para conseguir itens básicos, como alimentos. Além disso, a reserva cambial do país terá o suficiente apenas para cobrir as necessidades essenciais de importação e pagar dívidas, o que diminuirá a troca comercial com países como o Brasil, que figura na terceira posição de sua balança comercial. “Enquanto a troca comercial entre os vizinhos em 2015 foi de US$ 3 bilhões, em 2016 não passará de US$ 2 bilhões”, diz Portela. “Não será um bom ano.”