O aumento da inadimplência não vem afetando apenas as famílias. As empresas também têm tido problemas para honrar suas dívidas. O presidente da Usiminas, Rômel Erwin de Souza, sabe bem disso. Nas últimas semanas, ele tem se encontrado com frequência com executivos de bancos para negociar o pagamento de R$ 1,9 bilhão em dívidas que vencem neste ano, de um total de R$ 8 bilhões. Os problemas começaram na segunda metade de 2014, quando o mercado mostrou sinais de desaceleração. “A primeira providência foi diminuir a produção e os investimentos, que tradicionalmente eram de R$ 1 bilhão por ano, para R$ 750 milhões”, diz Souza, em entrevista à DINHEIRO. “Vamos reduzir ainda mais em 2016.” A prioridade é a reestruturação da companhia, a 60a maior do país segundo o anuário AS MELHORES DA DINHEIRO 2015. A primeira fase já começou. O Crédit Suisse tem auxiliado a empresa a vender ativos não-estratégicos, como a Usiminas Mecânica e terrenos nas cidades mineiras de Ipatinga e Santa Luzia. “O problema é que, no momento, o mercado está mais cauteloso para qualquer tipo de aquisição”, diz Souza.

Paralelamente, o executivo tenta convencer os sócios da siderúrgica, a japonesa Nippon Steel & Sumitomo e o grupo ítalo-argentino Ternium-Techint, a injetar R$ 1 bilhão na Usiminas. Aí reina a discórdia. Os japoneses concordam em colocar o dinheiro sozinhos, mas os argentinos preferem uma capitalização de R$ 500 milhões e usar um montante de igual valor que está no caixa da mineradora Musa, controlada pela Usiminas. “O mercado de aço em 2016 deve permanecer mais ou menos igual ao de 2015, recuperação só no fim de 2017”, diz Souza. “Investimos muito esperando uma demanda que não veio, mas esse montande de R$ 1 bilhão é suficiente para manter a Usiminas funcionando bem até a recuperação do mercado.” Os bancos concordaram. No dia 18 de março, uma sexta-feira, BB, Itaú, Santander e o BNDES aprovaram um congelamento de dívidas, conhecido como stand still, suspendendo por 120 dias o pagamento do montante principal, desde que aprovado o aumento de capital de R$ 1 bilhão, na Assembleia Geral, agendada para o dia 18 de abril. Porém, analistas do BTG Pactual avaliam que a cifra de R$ 1 bilhão é insuficiente para salvar a siderúrgica.

Mas e se a os acionistas não aprovarem a decisão na reunião marcada para o mês que vem? Souza diz que a companhia não tem um plano B. “Não está dentro do nosso arsenal entrar em recuperação judicial, vamos conseguir vencer esse momento com transparência”, afirma. “Para nós, recuperação judicial é mais problema que solução, e está claro que precisamos de dinheiro no caixa para honrar nossos compromissos.”

Esse cenário difícil não é exclusividade da Usiminas. A empresa de call Center Contax também está em meio a um processo de reestruturação, que inclui uma renegociação de dívidas. “Não está nos nossos planos pedir uma recuperação judicial”, diz Daniel de Andrade Gomes, diretor financeiro e de relações com investidores da companhia. Em 11 de março, a Contax fez um acordo com os credores para o reperfilamento da dívida. Na negociação os custos da dívida permaneceram os mesmos, a saber: a taxa de juros medida pelo CDI, mais 1,25% ao ano, com prazo de carência de dois anos para o pagamento do principal e de seis para a completa quitação do endividamento. “Uma das exigências foi a migração da Contax para o Novo Mercado da Bolsa, ao fim do processo de reestruturação”, diz Gomes. Além das questões financeiras, a empresa mudou o seu comando. Shakhaf Wine, que ocupava o cargo de presidente, deixou o posto e foi para a presidência do Conselho de Administração, sendo substituído por Nelson Armbrust. Essa dança das cadeiras valeu até o dia 16 de março, quando a Atento, empresa onde Armbrust trabalhava antes de ir para a Contax, obteve uma liminar na 28ª Vara Cível de Justiça do Estado de São Paulo, para impedir que ele exerça a sua nova função. Em nota, a Contax informou que está tomando as providências necessárias para reverter a decisão judicial o mais breve possível.

Nem todos os processos são bem-sucedidos. Uma empresa que tentou inúmeras vezes se reestruturar, mas que acabou entrando com um pedido de recuperação judicial em setembro de 2015 foi a construtora Mendes Júnior. “Desde o final de 2014, a empresa vem sendo prejudicada pela escassez de crédito e pelo baixo investimento, frutos da atual situação da economia, o que a levou a ter dificuldades em cumprir seus compromissos”, informou a companhia, em nota. “Embora tenha buscado reverter esta situação, a empresa viu que era a opção adequada para reequilibrar sua situação econômica e financeira de modo a preservar os interesses dos credores, clientes, fornecedores e funcionários”, afirma José Murilo Procópio, sócio do escritório Procópio de Carvalho Advocacia, que auxilia a Mendes Júnior nesse processo. A participacão da empreiteira na operação Lava Jato também não ajudou. A Mendes Júnior foi arrolada na sétima fase da operação, deflagrada em novembro de 2014, por contratos irregulares com a Petrobras em diversas refinarias e terminais. Sérgio Cunha Mendes, ex-vice-presidente da empresa, foi condenado a 19 anos de prisão. “Infelizmente, estava tudo ‘esfarinhando’, e a companhia não teve outra saída a não ser tomar esse remédio legal, para evitar um pedido de falência que poderia beneficiar uns credores em detrimento de outros”, diz Procópio. Uma alternativa ao fim do processo – que pode levar anos – é a venda da companhia ou uma fusão com uma concorrente, segundo o especialista.

À medida que os problemas das empresas aumentam, o tema chama a atenção do mercado financeiro, que vê potencial de ganhos na recuperação de carteiras dos chamados créditos não-performados, ou seja, não pagos. “Esse mercado pode ultrapassar a casa dos R$ 20 bilhões anuais”, afirma José Braga, diretor da PwC. Esse volume representa o quanto deve ser negociado dos empréstimos que ganharam um selo de “perda” dos bancos, financeiras e de empresas que financiam seus clientes, como construtoras e redes de varejo. No entanto, vender essas carteiras não salva as empresas do prejuízo. Considerados perdidos, os créditos são vendidos por uma fração ínfima do valor de face. Mesmo assim, há quem veja potencial nessas operações. É o caso do Itaú Unibanco que, em fevereiro, adquiriu, por R$ 640 milhões, uma das maiores companhias de recuperação do Brasil, a Recovery, que era controlada pelo BTG Pactual. Com isso, o Itaú comprometeu-se a comprar um portfólio de R$ 38 bilhões em carteiras pertencentes ao BTG. Procurados, Itaú e BTG não quiseram se pronunciar.

Eles não são os únicos nesse mercado. A Jive Investments, por exemplo, comprou em fevereiro uma carteira do Itaú de R$ 2,2 bilhões em créditos em atraso. Em operações como essa, a expectativa é lucrar com renegociação com mutuários ou reconduzindo as dívidas a partir da emissão de títulos. “Estamos estudando os créditos do BVA”, afirma Guilherme Ferreira, presidente da Jive, que em 2010 comprou, por apenas R$ 27 milhões, o portfólio do banco americano Lehman Brothers no Brasil, cujo valor nominal era de R$ 816 milhões. “Estamos também de olho em passivos dos Estados e no setor imobiliário”, afirma. Alexandre Nobre, sócio da RCB Investimentos, também tem se interessado por ativos ligados à construção civil, além de ter analisado carteiras de crédito do setor de óleo e gás e do segmento automotivo. “Tipicamente, os desembolsos correspondem a 4% ou 5% do valor de face”, diz. “Já a recuperação varia de 10% a 15%, quando se trata de uma carteira massificada.” Além dos riscos, um dos grandes empecilhos para o desenvolvimento desse mercado é, segundo Eurico D’Amorim, sócio da IF Consultant, a falta de liquidez. “O investidor tem de ficar até o fim porque o mercado secundário é muito pequeno no Brasil”, diz. Com tanto quebra-quebra de empresas à vista, talvez, esse cenário mude.