Na praia de Waikiki, em Honolulu, por volta das 9 da manhã, o dia parecia apenas mais um sábado luminoso: dezenas de surfistas aproveitando as ondas e turistas lagarteando na areia em trajes de banho. Mas uma caminhada pelas ruas próximas ao hotel Sheraton deixava bem claro que aquele dia 12 de novembro era atípico no arquipélago do Havaí: o trânsito na avenida Kalalua estava parado pelos bloqueios criados em cada quadra pela polícia local. Dentro da principal sala de conferências do hotel, depois de passar por rigorosas inspeções de segurança, executivos de algumas das mais importantes multinacionais e representantes de governos finalmente assistiriam aos discursos do presidente da China, Hu Jintao, e dos Estados Unidos, Barack Obama, presentes à reunião dos 21 países que fazem parte da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Apec, na sigla em inglês). Ainda que trancados num local sem janelas, o bom humor dos homens engravatados e das mulheres de tailleur na plateia de alguma maneira lembrava o dos turistas que curtiam o mar lá fora. 

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Negociação ambiciosa: o presidente Barack Obama; o primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda;
o sultão de Brunei, Hassanal Bolkiah; e o presidente chileno, Sebastián Piñera, no Havaí 

O encontro discutiu a criação da maior zona de livre comércio do planeta. O Acordo Comercial Transpacífico (TPP), até agora em negociação por nove países, traz um bem-vindo alento depois da preocupação e sensação de impotência dos recentes eventos internacionais, assoberbados pela crise europeia, como o do Grupo dos 20 (G-20), no início do mês, e o do Fundo Monetário Internacional (FMI), um pouco antes, em setembro. “Não existe região mais vital hoje para os Estados Unidos do que a Ásia e o Pacífico”, afirmou Obama. “Para os negócios, é onde estará a ação nos próximos anos.” Obama reforçou a opinião de sua secretária de Estado, Hillary Clinton, para quem este será o século da Ásia do Pacífico. Durante a reunião em sua terra natal, Obama conseguiu pelo menos uma vitória: a adesão do Japão, terceira maior economia do mundo, à negociação do acordo. O bloco seria o maior do mundo e uma alternativa ao fracasso da Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio  (OMC). A China, mais reticente, não pretende discutir a entrada no grupo agora. A estratégia americana é clara: reforçar a aliança comercial no Pacífico para tentar alavancar seu crescimento futuro. De olho na reeleição no ano que vem, o presidente Obama tem como meta dobrar as exportações dos Estados Unidos até 2015.  

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Resistência: o presidente chinês, Hu Jintao, acha o acordo ambicioso demais e não vai aderir agora à iniciativa dos EUA

 

Ao longo de uma cúpula paralela ao encontro dos governos, que reuniu CEOs de multinacionais, o entusiasmo com a Ásia ficou evidente. Uma pesquisa da PriceWaterhouse Coopers com 320 CEOS de empresas de 26 países mostra que 57% dos executivos esperam crescimento da receita na região nos próximos anos. Entre as empresas baseadas na China, em Hong Kong e em Taipei, o índice sobe para 76%. Não por acaso, a metade das companhias prevê fazer seu maior investimento na China. “Os resultados foram uma surpresa positiva”, afirmou o CEO da PriceWaterhouse Coopers Internacional, Dennis M. Nally. “Há muito otimismo.” A preocupação com a crise europeia não foi  suficiente para trazer tensão ao encontro em ambiente relaxado. A grande maioria dos presentes acredita que a demanda da Ásia vai compensar os efeitos negativos do marasmo europeu. O chefe de governo de Hong Kong, Donald Tsang, exibindo dados como a menor taxa de desemprego da história, de 3,1% e crescimento do PIB de 5%, afirma que os vizinhos da China continental ajudarão o mundo a se recuperar. “O crescimento do consumo doméstico na China vai reduzir a dor da crise no mundo.” 

 

Na mesma linha, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica da China, Fan Gang, observa que o país asiático já está dando sua contribuição: as importações na China cresceram 26% neste ano, enquanto as exportações acumulam alta de apenas 15%. “Muitas de nossas importações, principalmente de maquinário para investimentos, vêm da Europa”, afirmou Gang. “Infelizmente, não da Grécia, mas bastante da Alemanha.” O chinês Zhu Min, vice-diretor-geral do FMI, depois de dar o recado de seu governo aos europeus, afirmando que eles têm de colocar a casa em ordem antes de receber o dinheiro prometido, apoiou uma proposta dos governos da Apec de criar um fundo específico para investir em infraestrutura na região. “Isso ajudaria a conter o contágio da crise”, afirmou Min. Para o CEO da companhia de logística DHL, Roger Crook, que comemorou resultados recorde no último trimestre, o desempenho dos emergentes está garantido. “Não há um isolamento total, mas o mundo hoje tem praticamente duas economias diferentes”, afirmou Crook à DINHEIRO. Na esteira desse otimismo generalizado, companhias como a Caterpillar, maior fabricante mundial de equipamentos de construção e mineração, aproveitaram o evento para anunciar novos investimentos na região. 

 

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A multinacional, que já tem 16 fábricas na China e dez mil funcionários no país asiático, vai construir uma fábrica de caminhões para mineração na Indonésia que, segundo o CEO Doug Eberhelman, exportará para a região. “A demanda global por commodities é puxada pelo crescimento da região da Ásia e do Pacífico”, disse Eberhelman.  Fascinado pelo dinamismo asiático, o CEO da Caterpillar chegou a dizer informalmente que, se tivesse 25 anos hoje, procuraria emprego na China logo depois de se formar. Outra companhia global que está surfando a onda asiática é a farmacêutica americana Eli Lilly, que acaba de abrir um centro de pesquisa e desenvolvimento em Xangai. “Queremos aproveitar a extraordinária massa crítica de talentos existente”, diz o CEO da Eli Lilly, John Lechleiter, que não esconde a ansiedade pelo avanço do novo acordo de livre comércio. “A oportunidade que temos de expandir o crescimento por meio desta região é fenomenal”, disse Lechleiter à DINHEIRO. 

 

O clima ameno não se restringiu aos eventos oficiais da conferência, mas ficou claro nas festas regadas a champagne, música ao vivo e dançarinas de hula-hula que as  empresas patrocinaram nos hotéis de Honolulu. Um cenário como há muito tempo não se via nos eventos internacionais, principalmente neste pós-crise de 2008. Se há alguma preocupação, é com os desafios que a China tem pela frente para evitar uma desaceleração brusca, estimulando o consumo interno para compensar a perda de exportações. Gang, do Instituto chinês de Pesquisa Econômica, prevê que o crescimento no país recue para 8,5% no ano que vem, o que significaria um pouso suave em relação aos 9,5% deste ano. O reforço ao consumo é garantido por aumentos salariais que chegam a 20% para algumas categorias. Executivos como Norman Sorensen, CEO da gestora de recursos americana Principal Financial, confiam na contínua urbanização do país como dínamo dos negócios. “A emergência da classe média chinesa tem uma força fantástica”, afirmou  Sorensen à DINHEIRO. “Eles já têm 600 milhões de celulares, o dobro da população dos Estados Unidos.” Ao chegar às cidades, os camponeses, além de ligar para as famílias, compram carros, televisões e refrigeradores. 

 

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Não por acaso, o acesso a uma audiência com o presidente chinês, Hu Jintao, foi disputada entre os CEOs das principais empresas americanas, que conversaram sobre a crise internacional e até sobre a proteção à propriedade intelectual, um dos grandes pontos de atrito com as multinacionais. Não apenas os Estados Unidos veem a Ásia como uma alternativa para fugir da crise. As nações latino-americanas que fazem parte da Apec, como Chile, Peru e México, também estão esperançosas. “Este é o momento para aumentar a conexão entre as regiões e crescer mais rapidamente”, afirmou o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Alberto Moreno. A empresa de logística DHL aposta na tendência: aumentou a frequência de voos entre a China e a América Latina e colocou no comando das Américas o antigo chefe da divisão asiática, Stephen Fenwick. Além disso, lançou um programa que estimula pequenas e médias empresas latinas a exportar para a China. 

 

Claro que nem tudo foram flores na reunião da Apec. O charme tropical do Havaí não convenceu a China a iniciar a negociação no acordo Transpacífico, embora não o descarte no futuro. O presidente Hu Jintao, que já havia declarado que o acordo é ambicioso demais, fez vagas promessas de maior integração. E trocou farpas sobre um assunto espinhoso: as novas reclamações americanas de que a China subvaloriza o renmimbi. Jintao, com o perdão do trocadilho, respondeu na mesma moeda. “Os problemas de desemprego e crescimento nos Estados Unidos não se devem à cotação do renmimbi”, disse Jintao. A reticência da China já era esperada. Má notícia, mesmo, só a localização da próxima reunião da Apec, no ano que vem: a gélida Vladivostok, na Rússia.

 

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