30/04/2015 - 19:00
Durante mais de 25 anos, o empresário alemão Ferdinand Piëch, 78 anos, comandou com maestria e mão de ferro a Volkswagen, a maior montadora européia. Neto do fundador da companhia, o lendário Ferdinand Porsche, criador do icônico Volkswagen Beatle, conhecido no Brasil como Fusca, Piëch salvou a empresa da falência, na década de 1990, e foi o grande responsável por sua globalização. Não foram poucas as vezes em que Piëch, irascível e intempestivo, demitiu sumariamente importantes executivos da companhia, ao ser contrariado. A última vítima havia sido Bernd Pischetsrieder, cujo desligamento fora antecipado em uma entrevista de Piëch ao jornal americano The Wall Street Journal, em 2006.
Ele foi substituído por Martin Winterkorn, que caído em desgraça com o chefão, também estava com a cabeça a prêmio, até o dia 16 de março. Dessa vez, no entanto, Piëch entrou na pista pilotando um Fusca, enquanto seus rivais andavam de Porsche. Sua tentativa de substituir o CEO Winterkorn falhou e, na segunda-feira 26, o até então intocável chairman, considerado um dos mais importantes homens de negócios da Alemanha no pós-guerra, entregou sua renúncia, para surpresa de todos. Quem emerge com força total dessa disputa é o primo de Piëch, Wolfgang Porsche.
No fatídico dia 16 de março, Porsche não apoiou o parente, como era de costume. Ele preferiu ficar ao lado de Winterkorn e de outros membros do conselho, em especial Bernd Osterloh, representante dos funcionários da Volkswagen, e Stephan Weil, líder do Partido Social Democrata, que governa o Estado da Baixa Saxônia, e representante do bloco de acionistas minoritários. “Os membros do comitê executivo, de forma unânime, determinaram que a confiança mútua necessária para uma cooperação bem sucedida não existe mais”, afirmou, em nota, a Volkswagen. “Por esse motivo, Ferdinand Piëch decidiu renunciar ao cargo de chairman.”
O que está em jogo não é apenas o posto de maior prestígio do clã que transformou a indústria de automóveis mundial. A terceira maior fabricante de automóveis do planeta, dona de um faturamento de US$ 219 bilhões, na verdade, tem pela frente desafios que extrapolam essas disputas familiares. Entre eles estariam a sua baixa lucratividade em comparação às suas rivais japonesas, a falta de competitividade dos carros VW nos Estados Unidos e a perda de participação de mercado no Brasil. Soma-se a isso o fracasso do grupo Volkswagen em sua tentativa de se tornar a maior montadora do planeta até 2018 – meta estabelecida há quase dez anos.
A notícia da saída de Piëch ainda não foi completamente digerida por aqui.Em evento na quarta-feira 28, em São Paulo, funcionários da empresa se mostravam pouco preocupados com a troca de comando. A ideia generalizada era de que se trata de algo muito distante da operação e, especialmente, do chão de fábrica. Não é bem assim. Os atritos entre Winterkorn e Piëch giravam em torno, principalmente, das dificuldades em manter rentáveis as operações da Volkswagen nas Américas, tendo como principais mercados os Estados Unidos e o Brasil. Piëch, em sua derradeira tentativa de derrubar Winterkorn, o acusou de não entender o funcionamento dos mercados globais, desperdiçando oportunidades preciosas de ultrapassar em vendas suas maiores rivais, as líderes Toyota e GM.
O CEO, por sua vez, conseguiu apoio dos trabalhadores alemães da Volkswagen, representados por Osterloch – no conselho da montadora, os funcionários possuem 10 assentos e os acionistas outros 10; o presidente do conselho tem o “voto de minerva”, em caso de empate. Analistas de mercado consideram que é grande a chance de haver um rearranjo nas estratégias operacionais da empresa. E seja quem for o novo chairman, vai enfrentar muita pressão para proteger os empregos nas fábricas da Volkswagen na Alemanha, o que pode dificultar os investimentos em outros países. O calcanhar de Aquiles da montadora é sua lucratividade.
“Muitos ficaram satisfeitos com a saída de Piëch que, se por um lado foi o responsável por modernizar a Volkswagen, gastou muito dinheiro em projetos por vaidade”, afirmou Max Warburton, da consultoria financeira Bernstein Research. “Ocasionalmente, ele também tratou os acionistas minoritários com desdém, enquanto comandava uma empresa que não é tão lucrativa quanto poderia ser.” A questão é que não são esperadas mudanças tão cedo nos números do balanço . Tudo vai depender da velocidade com que a empresa consiga encontrar um substituto à altura do antigo timoneiro. Nem mesmo a permanência de Winterkorn como CEO está assegurada. Há quem aposte que ele próprio possa assumir o posto de Piëch. As primeiras respostas, no entanto, podem sair já no dia 5 de maio, quando a companhia realiza seu encontro anual de acionistas.