29/04/2011 - 21:00
Uma das cenas de cinema mais memoráveis sobre o mercado acionário está no filme Wall Street, dirigido pelo cineasta Oliver Stone, em 1987. Nela, o especulador Gordon Gekko, vivido por Michael Douglas, faz seu famoso discurso “a cobiça é boa”. A fala vira o jogo em uma assembleia de acionistas. Por aqui, é certo, num mercado no qual o controle é menos pulverizado, seria difícil obter o mesmo resultado, pois em geral as decisões ficam nas mãos de alguns poucos grandes acionistas. No entanto, o investidor brasileiro não deve perder a oportunidade de frequentar esses eventos. Neles é possível interagir com os principais executivos da empresa em que se investe, atualizar seus conhecimentos e tomar decisões melhores.
É o caso do casal de empresários e investidores cariocas Luiz Favoretto, 82 anos, e Annita Cohn Rosenberg, 75. Ainda em atividade, quando muitos de seus contemporâneos já estão aposentados, o arrojo não se limita à vida profissional, mas também se estende para os investimentos. Ambos são acionistas da Natura e se deslocaram do Rio de Janeiro até Cajamar, no interior de São Paulo, no último dia 8 de abril, especialmente para participar de uma assembleia de investidores da empresa.
Eduardo Siufi, investidor: ”Tenho contato com os executivos e
me informo das estratégias da empresa”
“Quero saber o que estão fazendo com o meu dinheiro”, diz Annita, que ao lado do marido acompanha o mercado de ações desde os anos 1970. O objetivo da agressividade nos investimentos do casal, que preferiu o mercado acionário em vez da poupança, é complementar a renda mensal. Assim como eles, todos os dez mil investidores individuais da Natura foram convidados para o evento, recebendo correspondências personalizadas em casa e também ligações telefônicas.
Foi a segunda vez que a maior fabricante de cosméticos de capital nacional organizou um evento dessas proporções para receber os investidores. Além de abrir a assembleia para perguntas e respostas, a Natura também levou os acionistas para visitar a fábrica, ofereceu um almoço e entregou produtos como brinde. Por que toda essa mão de obra, se, apesar de representar 80% do número de acionistas, os investidores individuais representam apenas 5% do volume transacionado pela companhia?
“A presença das pessoas físicas estimula melhoras na governança corporativa”, disse à DINHEIRO o presidente da Natura, Alexandre Carlucci. “O investidor que nos conhece melhor tende a ficar mais tempo com as ações da companhia.” Um bom exemplo é o do engenheiro paulista Eduardo Siufi, terceirizado da própria Natura. Com 25 anos, ele começou a investir no mercado de ações em 2009 e tem foco em aplicações de longo prazo.
Sandrya Rodriguez, acionista:“Nas assembleias me sinto um pouco dona da empresa também”
“Procuro encontrar estabilidade financeira com meus investimentos”, diz Siufi, que também possui outros papéis, como Bradesco, Hypermarcas e Totvs . Segundo Siufi, que destina todo mês de R$ 1.000 a R$ 1.500 para comprar mais ações, sua intenção ao comparecer era aproveitar a oportunidade de interagir com os executivos e sanar suas principais dúvidas sobre estratégias e gestão da companhia, o que não tem condições de fazer apenas lendo os relatórios divulgados trimestralmente pela empresa que apresentam os resultados financeiros.
A assembleia, que a partir de agora será realizada todos os anos, é inspirada nos eventos organizados por grandes companhias americanas, como a holding de investimentos Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett. A Natura não é a única no País. Mais companhias estão tentando trazer essa cultura para o Brasil, pois a comunicação é um alicerce fundamental no relacionamento com os investidores.
D. Annita na assembleia: “Quero saber o que os executivos estão fazendo com o nosso dinheiro”
Líderes na bolsa como Vale, Bradesco, Itaú Unibanco e Petrobras já fizeram eventos semelhantes. No entanto, a adesão ainda é muito baixa. Uma assembleia do banco Santander, na Espanha, conta com três mil participantes em média. No Brasil, a reunião realizada no fim de janeiro pela subsidiária do banco espanhol contou com pouco menos de 50 pessoas, muitas delas analistas de ações ou representantes de fundos.
Nos eventos para analistas de ações, que também podem ser abertos para acionistas, o número de participantes pode avançar para 200 pessoas. “A divulgação das assembleias é restrita e os investidores muitas vezes não sabem que são autorizados a participar do evento”, diz Ricardo Tadeu Martins, gerente de projetos da Planner Corretora.
Isso não quer dizer que as empresas não vejam esses encontros como oportunidades de aproximação. “Tentamos trazer o investidor cada vez mais para as assembleias para orientá-lo sobre os assuntos que serão discutidos”, diz Arthur Farme D’Amoed, diretor de relações com investidores da seguradora Sulamérica. Há três anos, a empresa decidiu convidar os investidores a participar fisicamente da divulgação de resultados, o que antes era feito pela internet e por teleconferência.
“A marca Sulamérica tem um forte apelo junto às pessoas físicas e queremos aproveitar momentos como esse para atrair mais compradores das nossas ações”, diz D’Amoed. “A pessoa física é importante para ampliar nossa base de acionistas.” Atualmente, a Sulamerica tem mais de 500 investidores institucionais e cerca de 1.300 individuais.
O acionista pode pensar que, por ter poucas ações e nenhum poder de decisão, não vale a pena participar da assembleia. Errado. Mesmo que não seja um Gordon Gekko e não possa influenciar nos rumos da empresa, o investidor não deve perder a oportunidade de um contato mais próximo com os executivos e de conhecer melhor sua estratégia e sua visão de mercado.
“Esses momentos são excelentes para aprofundar o relacionamento com a companhia”, afirma Martins, da Planner. Sandrya Rodriguez, advogada cubana radicada no Brasil desde 1995 e acionista da Natura, cumpre a regra à risca. “Eu conhecia a filosofia da empresa pela revista de vendas, mas nunca estive próxima das decisões”, afirma Sandrya. “Ao participar deste encontro, me sinto um pouco dona da Natura também.”