Depois de três anos de debates intensos no mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a autarquia que fiscaliza as instituições que atuam na comercialização de aplicações financeiras, finalmente entregou no dia 14 de fevereiro as resoluções 178 e 179 que estabelecem um novo marco regulatório para assessorias de investimentos e agentes comissionados. As mudanças serão graduais. A resolução 178 e parte da 179 entram em vigor em 1º de junho de 2023 e os trechos remanescentes a partir de 2 de janeiro de 2023. Mas já causam alvoroço entre os participantes. Para o investidor pessoa física, a principal mudança será o recebimento de um extrato detalhado trimestral das remunerações pagas, onde será possível comparar o custo para aplicar os recursos em cada produto de investimento.

O superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM, Antonio Berwanger, disse que as alterações buscam promover transparência para toda cadeia de distribuição. “É necessário ter as ferramentas para identificar eventuais conflitos de interesses e os incentivos que possam estar presentes na distribuição de produtos financeiros”, afirmou Berwanger, em nota.

Segundo o superintendente da Associação Brasileira de Agentes de Investimentos (ABAI), Francisco Amarante, essas medidas possibilitaram uma maior competição entre os bancos e as diferentes corretoras, plataformas e os escritórios de assessoria. “O marco regulatório trará mais transparência para o investidor”, afirmou. Amarante completou que as duas resoluções alcançam 22 mil profissionais e 1.250 escritórios.

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“Com a permissão do sócio-investidor, escritórios podem se unir, ou os grandes comprar participações nos menores” Caroline Fernandes Diretora Jurídica da EQI.

Na avaliação do sócio-fundador do Champs Law, Guilherme Champs, que atende agentes e escritórios associados à ABAI, o texto final trouxe mais segurança ao aplicador ao exigir um diretor-responsável nos escritórios. “O investidor ganha mais uma camada de proteção e terá diversas informações adicionais que antes não eram obrigatórias”, afirmou.

Na visão do CEO do escritório de family-office Vita Investimentos, Ricardo Guimarães, que é um estudioso desse mercado nos EUA há 10 anos, com as mudanças feitas pela CVM haverá alterações na forma dos investidores remunerarem os assessores. “Os grandes players [XP e BTG] estão plenamente adaptados para esse novo modelo de remuneração. O investidor poderá escolher entre pagamento de comissões ou de um fee mensal”, afirmou. “A tendência no Brasil é de crescimento das consultorias de planejadores financeiros, de patrimônio, e de seguros, como aconteceu nos EUA”, disse.

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“Qualquer cidade com mais de 100 mil habitantes, nós temos interesse em estar lá com escritórios” Samyr Castro CEO da Investsmart.

IMPACTOS Mas por outro ângulo, Guillherme Champs aponta maiores despesas para os escritórios atenderem todas as regras exigidas pela CVM. “Terá um custo de observância maior”, disse. O advogado também considera que ocorrerá um processo de formalização do trabalho dos chamados “agentes autônomos” nos médios e grandes escritórios, o que tende a diminuir a competitividade do segmento em relação aos bancos tradicionais. “A parte trabalhista tem um custo alto, são diversos encargos. Isso vai gerar uma série de ajustes nos escritórios. Na formalização CLT, a tendência é de um salário fixo menor e uma comissão adicional baseada em resultados”, afirmou o advogado.

Outro ponto de atenção será a transformação do setor. Na avaliação do presidente da CVM, João Pedro Nascimento, o texto final traz avanços como o fim da obrigação de exclusividade dos agentes com as plataformas. “Além da possibilidade de as pessoas jurídicas se organizarem sob qualquer tipo societário admitido na legislação em vigor”, afirmou Nascimento, em nota.

Sobre essa questão, a diretora jurídica e de compliance da EQI Investimentos, Caroline Fernandes, prevê uma movimentação de fusões e aquisições entre os escritórios. “Com a permissão da entrada do sócio-investidor e o fim da exclusividade, muitos escritórios podem se unir, ou os grandes podem comprar participações nos menores para ganhar escala”, disse. Caroline aponta que as maiores plataformas (XP e BTG) terão que remunerar melhor as assessorias para que elas não se tornem corretoras ou gestoras. “A EQI abriu esse caminho às menores”, afirmou a diretora, referindo-se ao fato da EQI, assessoria atualmente contratada pelo BTG, ter sua própria gestora, a EQI Asset.

Entre os escritórios maiores que já possuem tamanho para planos mais ambiciosos, o CEO da InvestSmart, Samyr Castro, conta que pretende espalhar mais unidades por todo o Brasil. “Nós temos 72 escritórios e a nossa ideia é chegar no final do ano com R$ 22 bilhões sob custódia e 100 escritórios. Qualquer cidade com mais de 100 mil habitantes, nós temos interesse em estar lá”, afirmou. A InvestSmart quer dobrar o número de assessores de 1 mil para 2 mil nos próximos 2 anos.