19/09/2012 - 21:00
O Salão Nobre do Palácio do Planalto estava lotado de empresários, ministros, governadores, sindicalistas e políticos na manhã da terça feira 11. Sentado no meio da plateia, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter sorria satisfeito. Quando a presidenta Dilma Rousseff e o ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, anunciaram a redução de 20,2% na tarifa de energia a partir do próximo ano, ele sabia que tinha emplacado mais uma de suas teses. Dois meses antes, ele havia acompanhado o presidente mundial da Alcoa, Klaus Kleinfeld, numa audiência com a presidenta Dilma. Kleinfeld reclamou do custo da energia no Brasil.
Dilma e Gerdau: ”A presidenta tem um feeling muito bom para perceber
a importância da melhoria da eficiência”, diz o empresário
A gigante americana do alumínio está em processo de fechamento de diversas de suas fábricas e minerações ao redor do mundo e algumas delas poderiam ser da subsidiária do Brasil. A ameaça, evidentemente, não era boa para o País, sobretudo pelo efeito demonstração que uma atitude desse tipo contém. O anúncio da redução de tarifas, portanto, soou como música aos ouvidos do empresário gaúcho. Com a eletricidade mais barata, a produção brasileira fica mais competitiva e o fantasma do desinvestimento, mais distante. Durante a cerimônia, Gerdau, um habitué nas cerimônias do Palácio, sentia-se em casa, circulando com desenvoltura entre a plateia de empresários e executivos de empresas convocados para a ocasião.
Só conseguiu sair depois de conversar com todos os amigos, empresários e políticos que faziam fila para cumprimentá-lo. Embora Gerdau estivesse sentado na plateia, e não no palco, ao lado da presidenta, todos sabem da sua importância e do seu papel de relevância no governo, embora ele, por formação, prefira a discrição sobre o assunto. “Graças à participação do Gerdau, o governo deixou de se preocupar apenas com o dia e a hora e passou a planejar o Brasil a longo prazo”, diz Cledorvino Belini, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Ao tornar mais claros os horizontes do desenvolvimento, o governo encoraja as indústrias a investir.”
Aos 75 anos, presidente do conselho de administração de um dos maiores grupos siderúrgicos do País, com faturamento de R$ 65,6 bilhões no ano passado, Gerdau é hoje o empresário mais próximo do governo. E é essa influência, conquistada sobretudo por sua experiência bem-sucedida no setor privado, que Gerdau está usando para ajudar o governo a melhorar o desempenho e a produtividade da gestão pública, e ao mesmo tempo tentando resolver os gargalos que dificultam a competitividade das empresas brasileiras. Todas as semanas, ele deixa a família e a empresa em Porto Alegre e passa pelo menos um dia em Brasília. Não tem cargo de ministro, mas despacha mais com a presidenta Dilma do que muitos titulares de Ministério.
Figura central: nas reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico, é uma das vozes
mais ativas. Jorge Gerdau Johannpeter: “Para sermos competitivos, precisamos de condições
de infraestrutura, de transporte, logística, estradas, ferrovias, portos, telefnia e energia.”
Embora mantenha com ela uma relação formal – tratam-se de “senhora” e “senhor” –, tem uma razoável intimidade com a presidenta, que vem desde os anos 1980, quando Dilma era secretária da Fazenda de Porto Alegre. E falam a mesma língua. A língua da eficiência. “Gerdau é um dos empresários mais lúcidos e sintonizados com os desafios brasileiros: competitividade, desburocratização e eficiência”, afirmou à DINHEIRO o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Além das conversas com a presidenta e com ministros, a rotina de Gerdau em Brasília é dominada pelas reuniões da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, uma ideia que ele apresentou a Dilma ainda na campanha presidencial, em 2010, e que saiu do papel em maio do ano passado.
O grupo, formado também por outros três empresários – Abilio Diniz, ex-presidente do Pão de Açúcar, Antonio Maciel Neto, do Grupo Suzano, e Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras – e os ministros da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior, se reúne uma vez por mês. Como coordenador, Gerdau discute maneiras de tornar mais eficiente a máquina pública, e medidas que podem reduzir a burocracia e os custos das empresas. Sua cruzada tem a compreensão e o apoio da presidenta. “Ela tem um feeling muito bom para perceber a importância da melhoria da eficiência”, diz Gerdau. Um sinal de que o tema entrou no dia a dia da presidenta é o seu pronunciamento na véspera do Dia da Independência.
Em cadeia de rádio e tevê, ela lembrou que o modelo econômico brasileiro tem sido bem-sucedido, apoiado no tripé de estabilidade, crescimento e inclusão, e disse que era preciso dar o passo seguinte. “Vamos, a partir de agora, incorporar uma nova palavra a este tripé. A palavra é competitividade”, afirmou. Na cerimônia da semana passada, a intenção foi confirmada. “Mais competitividade nos torna muito mais fortes para enfrentar a crise mundial”, disse a presidenta. É o discurso que já foi adotado há muito tempo por Gerdau. “Para sermos competitivos, precisamos de condições de infraestrutura, de transporte, logística, estradas, ferrovias, portos, telefonia, energia”, disse ele há dez anos, quando criou o Movimento Brasil Competitivo (MBC), que se dedica a melhorar a gestão tanto no setor público como no setor privado.
DIGITAIS Medidas como a redução do preço da energia, embora não tenham sido elaboradas pela equipe de Gerdau, têm suas digitais. Seria exagero dizer que ele introduziu o conceito de competitividade no vocabulário da presidenta Dilma. Mas ele não deixa o assunto passar em branco nas conversas frequentes que tem com ela. A mais recente aconteceu na quarta-feira 12. Um dia após a cerimônia, Gerdau estava de volta ao Palácio. Durante uma hora e meia, conversaram sobre a economia, a crise internacional, as perspectivas de investimento e como melhorar ainda mais a situação das empresas no País diante da competição global.
O objetivo maior das medidas que vêm sendo adotadas pelo governo para incrementar a competitividade é tirar das pranchetas os projetos de investimentos, preparando-se, assim, para o crescimento de 4% em 2013. Essa nova fase, que ganhou um sentido de urgência, a partir do resultado fraco do PIB do início do ano, começou com a redução dos juros, a diminuição dos custos trabalhistas e incentivos à infraestrutura. Agora, tem novo impulso com a redução do preço da energia e deve continuar com novas concessões em portos e aeroportos. Gerdau acredita que o pacote de R$ 133 bilhões é apenas o primeiro passo. “Estamos muito atrasados”, diz. O governo conta com esses investimentos para aumentar a taxa de formação bruta de capital fixo, hoje em apenas 17,9% do PIB.
Para o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, com a nova safra de estímulos, muitos projetos deverão sair do papel, nos setores intensivos em energia, como siderurgia e petroquímica. “Temos de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões de projetos que foram adiados ou estavam esperando por essas medidas”, afirma Coutinho. As primeiras reações têm sido positivas. Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, as condições de concorrência da economia brasileira vão melhorar, a despeito da permanência de problemas crônicos. “Mas as coisas começam a melhorar”, diz Andrade. “Gerdau tem um papel importante na questão da competitividade.”
O presidente do Grupo Maubisa, Maurílio Biaggi Filho, considera Gerdau um obstinado pelo tema da competitividade e eficiência governamental. Esse traço de personalidade, relata, pode ser observado até nas horas de lazer do industrial, quando viaja para a casa de campo da família, em Gramado, na região serrana do Rio Grande do Sul. “Vejo pelo seu empenho em vencer no vôlei”, diz Biaggi, que participa com Gerdau do grupo de empresários que integra as diversas iniciativas para melhorar o ambiente de negócios do País desde os anos 1980. “Ele não gosta de perder.”
No governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que chegou a convidar Gerdau para assumir um ministério, mas não conseguiu convencê-lo –, ele participou do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão. Para Biaggi, a proximidade de Gerdau com a presidenta Dilma é um grande avanço. “Ele representa muito essa vontade de queimar etapas” , afirma. Antonio Rego Gil, presidente da Brasscom, entidade que reúne as empresas de software, por seu turno, elogia a simplicidade de Gerdau no trato com as pessoas e seu entusiasmo com as iniciativas para incrementar a indústria de tecnologia no País. “Ele é voltado a fazer o potencial do País acontecer.”
INVESTIMENTOS Os anúncios da semana passada – redução da tarifa de energia e desoneração da folha de pagamento para outros 25 setores, com economia para as empresas de R$ 12,8 bilhões no próximo ano – já começam a mobilizar as empresas para novos investimentos. No setor de alumínio, em que a energia representa até 45% dos custos de produção, a viabilidade de novos projetos já começa a ser analisada. “Desde 1985, não se abre mais fábrica de metal primário no Brasil. Com o preço da energia caindo, isso pode mudar”, afirma Eduardo Carlos Spalding, diretor da Associação Brasileira da Indústria do Alumínio (Abal). “O governo começa a restaurar nossa competitividade ante os concorrentes mundiais.” O Grupo Votorantim, que planeja investir R$ 15 bilhões até 2017, já estuda rever projetos nas áreas de alumínio, níquel e zinco. Para cima.
“A redução do preço da energia contribui para melhorar nossa margem de lucro e nos encoraja para mais investimentos”, afirma Otávio Rezende, diretor da área de energia do Votorantim. Para outras empresas, a mudança, embora não represente novos investimentos no curto prazo, pode evitar o fechamento de fábricas e a perda de empregos. É o caso da Alcoa, do americano Klaus Kleinfeld, o executivo ciceroneado por Gerdau no encontro com a presidenta Dilma, em Brasília, que já começa a rever sua decisão de reduzir sua presença no País. “A indústria global de alumínio enfrenta um grande desafio, com custos elevados e preços baixos”, diz o CEO da Alcoa no Brasil, Franklin Feder. “A medida é importante porque afasta o risco de fecharmos unidades.”
Na cartilha de Gerdau, o Estado deve ser um indutor do crescimento, definindo políticas que estimulem e norteiem o investimento – em vez de ser um entrave. A redução da conta de luz e energia, somada à desoneração da folha de pagamento e aos pacotes de estímulo à ampliação da infraestrutura, segue a linha pregada pelo empresário e está presente em um de seus livros de cabeceira: A revolta de Atlas, da filósofa russo-americana Ayn Rand. Ela narra a história de empresários que, cansados da ineficiência estatal, entregam suas companhias aos burocratas. Sem a eficiência e visão de negócios dos empreendedores, sustenta a autora, o mundo afunda no caos. Na realidade brasileira, felizmente, é o Estado que começa a se espelhar na iniciativa privada em busca de mais eficiência.
“Dilma age para melhorar a competitividade”
Como coordenador da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade do governo, o empresário Jorge Gerdau tem uma visão privilegiada dos problemas – e das soluções – para melhorar as condições de competição das empresas brasileiras. Em entrevista à DINHEIRO, ele diz que a presidenta Dilma Rousseff compartilha de suas preocupações.
Qual a importância da redução da energia para a competitividade brasileira?
É tremendamente importante. Não tem cabimento cobrar encargos sobre energia, como acontece hoje. No mundo todo, energia não é instrumento arrecadatório. Agora, o governo criou um mecanismo para a renovação das concessões que permitirá estabelecer políticas de longo prazo e criar políticas para o consumidor residencial, comercial e industrial. O Brasil, que tem a energia gerada mais barata do mundo, com grande participação hidrelétrica, poderá transformar essa energia em instrumento de competitividade.
Essa mudança pode destravar os investimentos?
A energia tem um peso muito grande em alguns setores, como o petroquímico, o siderúrgico. Para esses setores, ter uma energia competitiva é um fator que define investimento.
Como a presidenta Dilma encara a questão da competitividade?
Ela tem uma vocação forte para atacar essas frentes. Ela está fazendo muitas coisas para melhorar a competitividade: reduzindo o custo do dinheiro, os encargos sobre os salários, os custos de logística. Ela tem um feeling muito bom para perceber a importância dessas coisas.
A infraestrutura do Brasil está melhorando?
Estamos muito atrasados nisso. Ainda temos custos muito elevados. Mas esta abertura que o governo fez para atrair capital privado pode melhorar nossa infraestrutura.
A Câmara está conseguindo melhorar a gestão do serviço público?
Está avançando bem, mas é um tema tecnicamente muito complexo. É um trabalho de longo prazo, tanto no setor público quanto no setor privado.
Colaboraram: Cristiano Zaia, Carla Jimenez e Luis Artur Nogueira