17/11/2010 - 21:00
Quarta-feira, 10 de novembro de 2010. O dia acaba de nascer e os primeiros raios de sol iluminam uma gigantesca valise da grife francesa Louis Vuitton, instalada em frente ao shopping de luxo Plaza 6, na região mais sofisticada de Xangai. Em poucas horas, centenas de consumidores passarão por ali para comprar produtos caríssimos e realizar o sonho de ostentar roupas, sapatos, relógios, bolsas, acessórios e joias de marcas ocidentais. Armani, Ferragamo, Gucci, Prada, Mont Blanc – a lista é longa e apaga da lembrança a roupa azul padronizada dos velhos tempos do comunismo de Mao Tse Tung. O país mais populoso do mundo está nadando em dinheiro e este ano tornou-se a segunda maior economia da Terra, ultrapassando o Japão. “Isto aqui é um sonho”, diz à DINHEIRO a jovem consultora de beleza Helen Wuhong, depois de posar para fotografias com as colegas diante do mítico “templo francês”. Cada consumidor que entra nessa loja, a que mais vende dentre as 36 abertas no país, gasta US$ 1 mil, em média, segundo a gerente Patrícia Yao. “Somos a campeã de vendas da rede”, orgulha-se.
Nadando em dinheiro: classe média invade piscinão de Sichuan
Funcionária da empresa de cosméticos chinesa Mary Kay, sediada em Xangai, Helen Wuhong vive na próspera província de Guangdong, no sul do país. Ela é parte de uma classe média ascendente que adquire novos hábitos, como ir às compras nas grandes cidades e viajar para resorts como o de Penglai, na província de Sichuan, famoso por seu grande piscinão.
É essa massa humana, ávida pelo consumo, que o governo comunista quer ampliar em seu novo plano quinquenal (2011-2015) de desenvolvimento. A ideia é manter o atual ritmo de aumentos salariais acima da inflação e turbinar o poder de compra de centenas de milhões de pessoas.
Depois de duas décadas aprimorando o crescimento chinês, esse modelo – que pratica uma taxa de câmbio desvalorizada e inunda o planeta com seus produtos de baixo custo – está sob ataque. O desequilíbrio do comércio global, marcado pela chamada guerra cambial, deu o tom da Reunião de Cúpula do G20, em Seul, na quinta e na sexta-feira da semana passada.
Na quinta, antes do encontro do G20, o presidente Hu Jintao discutiu esses e outros temas cruciais com o colega americano Barack Obama, sem chegar a nenhuma grande conclusão além da óbvia necessidade de continuar conversando. O diálogo não tem sido fácil. Os EUA pressionam Pequim para valorizar o yuan e diminuir o superávit comercial que obtém à custa dos outros parceiros. Os chineses resistem, pois querem ir devagar com o andor cambial para sustentar as taxas de crescimento de dois dígitos registradas nos últimos tempos.
Sonho de consumo: consultoras de beleza, como Helen Wuhong, vibram diante da loja Louis Vuitton, em Xangai
Mesmo que em ritmo menor do que há dois anos, a economia da China está bombando e o PIB deve aumentar cerca de 10% em 2010. Em outubro, as exportações, segundo dados divulgados pelo governo na quarta-feira 10, cresceram 22,9% na base anualizada, para US$ 135,9 bilhões. As importações aumentaram 25,3%, para US$ 108,8 bilhões. O superávit comercial bateu em US$ 27,1 bilhões, no segundo volume do ano.
Os sinais de pujança estão em toda parte. Nas três grandes cidades visitadas pela DINHEIRO na semana passada – Ningbo, Suzhou e Xangai –, os gigantescos guindastes das construtoras fazem parte constante da paisagem, ajudando a erguer imensos conjuntos habitacionais em toda parte.
Boa parte desses imóveis tem sido comprada para investimento, e não para moradia, num frenesi sem precedentes que levou o governo a restringir as compras a dois imóveis por família para evitar uma bolha imobiliária.
“Na região onde moro, em Suzhou, tenho a impressão de que erguem um prédio por semana. Nunca vi nada parecido”, afirma o britânico Michael Hollman, gerente técnico da holandesa AkzoNobel, uma das maiores fabricantes de tintas e produtos químicos do mundo e dona, no Brasil, da marca Coral.
Como vende produtos para uso doméstico e industrial, a empresa está nadando de braçadas no cenário de crescimento da China, onde tem 27 fábricas. A mais nova delas foi inaugurada na segunda-feira 8, em Ningbo. Com um investimento de 275 milhões de euros, a unidade foi construída em tempo recorde: dois anos e meio.
Na área de tintas residenciais, a empresa já abriu mais de três mil lojas franqueadas da marca Dulux no país. O ritmo das inaugurações é frenético, mas parece pouco para quem quer atingir um público de varejo superior a trezentos milhões de habitantes nas principais cidades chinesas, especialmente com produtos mais caros, que agridem menos o meio ambiente.
“Os consumidores estão ficando mais exigentes e a linha de produtos premium está crescendo”, conta Karen Yin, diretora da companhia. Por essas e outras, a AkzoNobel quer dobrar o faturamento local, de 1 bilhão de euros, em cinco anos. Não está sozinha. A americana GE anunciou, na terça-feira 9, investimentos de US$ 2 bilhões no país e a Rolls-Royce assinou encomendas de US$ 1,2 bilhão com a companhia aérea China Eastern Airlines. O contrato foi selado pelo premiê britânico David Cameron, em visita ao colega Wen Jiaobao, às vésperas do G20. Em épocas de tensão, nada como um negócio da China para esfriar os ânimos.
Enviado especial a Xangai, Ningbo e Suzhou (China)