A reunião do Conselho de Administração da Gafisa, ocorrida em São Paulo, no dia 11 de maio, teve uma novidade em relação à maioria dos eventos do gênero. Os acionistas minoritários da construtora, de capital altamente pulverizado e que não têm controle definido, não saíram da sala com a sensação de terem sido atropelados por um rolo compressor dos majoritários, como é comum. Ao contrário, sob a liderança de gestoras e fundos de pensão, eles conseguiram eleger quatro membros do Conselho de Administração da Gafisa, uma rara vitória no universo das empresas abertas brasileiras. O arquiteto desse triunfo é um carioca de 40 anos, formado em economia e com duas décadas de experiência no mercado. Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), mobilizou os acionistas para mudar os rumos da construtora. 

 

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Cunha: “Meu objetivo é mobilizar os acionistas e fazer as empresas corrigir seu rumo”.

 

“O recado foi emblemático para a Gafisa e para outras empresas que buscam um modelo societário sem controlador”, diz Cunha. A cautela se justifica. Nos últimos tempos, os acionistas da Gafisa têm colecionado más notícias. Seu valor no mercado vem encolhendo há meses, o desempenho financeiro foi ruim em 2011 e não melhorou neste ano. Percalços desse tipo podem ocorrer com qualquer empresa, mas, segundo Cunha, a Gafisa tem pecado na comunicação. Não foi a primeira briga em que ele se meteu, mas até agora é sua principal vitória. Em março, Cunha mobilizou as massas para eleger representantes dos minoritários no conselho da Petrobras, rompendo o tradicional alinhamento automático dos conselheiros com o governo. Ele queria que os conselheiros discutissem questões estratégicas como os reajustes dos combustíveis e a diversificação dos investimentos. 

 

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Roy Martelanc, USP: ”É promissor contar com investidores no conselho”.

 

Perdeu a briga, mas consolidou seu nome como o Daniel Loeb brasileiro – embora não goste de comparações com o encrenqueiro gestor americano que derrubou Scott Thompson, presidente da Yahoo!. O carioca garante que não tem nenhum amor pelo conflito em si. “Meu objetivo é mobilizar os acionistas e fazer as empresas corrigir seu rumo”, diz. “Briga só em último caso.” Minoritários que fazem barulho são novidade por aqui. Os primeiros passos do ativismo societário no Brasil vieram de investidores institucionais estrangeiros, que tinham que prestar contas a seus clientes de fora do País e cobravam resultados das empresas. “Com o exemplo dos estrangeiros, os gestores de fundos brasileiros passaram a participar mais da vida das empresas”, afirma Ary Oswaldo Mattos Filho, professor sênior da Escola de Direito FGV-SP e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliá­rios. 

 

Dois exemplos nacionais de gestores ativistas são a Polo Capital e o In­­ves­tidor Profissional. À medida que as empresas brasileiras vão ficando parecidas com as corporações internacionais, profissionais como Cunha ganham importância. Não por acaso, sua trajetória desenvolveu-se quase totalmente em empresas americanas, como Franklin Templeton, Morgan Stanley e Bank of America. O papel dos ativistas vem ganhando espaço no Brasil. Mais e mais companhias têm uma base de acionistas pulverizada, o que reduz a importância da tradicional figura do dono e eleva o risco de a empresa cair nas mãos de uma burocracia no controle, algo que foi ferozmente combatido pelo legendário Jack Welch, na General Electric ao longo dos anos 1980 e 1990. 

 

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Heloisa Bedicks, IBGC: ”As pessoas não participam das reuniões

do condomínio”.

 

“Quando uma empresa passa a ser controlada pelos executivos, os sócios, que são os donos, deixam de exercer sua vontade”, diz Cunha. Um bom antídoto ao poder burocrático pode vir de fora. “A disseminação dos ativistas é fundamental para todos os acionistas”, afirma Mattos Filho. Heloisa Bedicks, superintendente-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), avalia que as atitudes dos investidores brasileiros ainda esbarram em um traço cultural, a acomodação. “As pessoas não participam das reuniões do condomínio em que moram, imagine então das empresas nas quais investem”, diz Heloísa. Mas algo está mudando, acredita ela. “Nossas assembleias não enchem estádios de futebol, como acontece nos Estados Unidos, mas estamos no caminho”, afirma. 

 

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Mattos Filho, FGV: ”A disseminação dos ativistas é fundamental

aos acionistas”.

 

Para os especialistas, ainda que tímida, a atitude mais ativa dos acionistas já influencia a maneira de as empresas agirem. “É promissor contar com investidores no Conselho, pois eles vão tomar decisões a respeito do próprio dinheiro, diferentemente de um funcionário ou de um consultor”, afirma Roy Martelanc, professor da Universidade de São Paulo. O mais importante é que algumas empresas já entenderam que cumprir seus deveres para com os acionistas não é bondade, mas algo que pode dar retorno aos negócios. “Essas companhias conseguem suavizar as quedas nos preços de suas ações nos momentos de crise e garantem acesso a capital barato”, diz Cunha.