Nos últimos 18 anos, o empreendedor Romero Rodrigues bateu ponto no Buscapé, comparador de preços na internet que ele fundou com outros três estudantes da Escola Politécnica, da USP. Mas desde setembro, Romero, como ele é conhecido, deixou o dia-a-dia da empresa, passando a se dedicar exclusivamente ao conselho de administração. Dois meses depois, ele está de volta ao mercado. Na quarta-feira 10, Romero anunciou que está se associando ao Redpoint eventures, fundo americano de investimento de capital de risco do Vale do Silício. Agora, ele vai empreender empreendedores, como escreveu em seu blog sobre Empreendedorismo, no portal da DINHEIRO. Nesta entrevista, Romero fala de seu novo projeto e avalia o mercado brasileiro de startups. “Essa é a melhor safra de empresas de internet brasileiras dos últimos tempos.”

DINHEIRO – Por que você se tornou sócio da Redpoint eventures em vez de criar seu próprio fundo de investimento? 
ROMERO RODRIGUES – 
O meu desapego com o Buscapé começou em 2013. Naquela época, a Naspers (que comprou o Buscapé por US$ 340 milhões em 2009) fez uma grande reestruturação e mudou o negócio globalmente. Ali comecei a criar outras pontes. Fui participar de conselhos, intensifiquei meus investimentos-anjo e fiquei mais próximo da Endeavor (entidade que apoia empreendedores). Ficou claro que uma das coisas que mais gosto é ajudar os empreendedores a ter seus momentos “eurekas”. Passei a estudar a indústria de venture capital e percebi que poderia montar um fundo. Mas eu precisava ser um dos melhores fundos do mercado e ser desejado pelos empreendedores. Teria ainda de montar um time muito bom e, de alguma forma, ter uma presença no Vale do Silício. Se eu fizesse esse caminho sozinho, iria perder de dois a três anos de investimento, no que eu acho que é melhor safra de empresas de internet brasileiras dos últimos anos. Não quero montar a “Rodrigues Ventures” e ter um nome na placa. Quero criar impacto. Quero ser o investidor dos Netflixs, dos Googles e dos Facebooks brasileiros. Essa é minha ambição.

DINHEIRO – A atual crise macroeconômica brasileira ajuda ou atrapalha as startups? 
RODRIGUES –
 Acredito que é o melhor momento dos últimos anos, justamente por conta da crise. Com a macroeconomia tão difícil, todas as grandes empresas estão defendendo o trimestre. Para isso, elas precisam mexer em suas estruturas de vendas e de custos. A primeira coisa que cortam é o marketing. A segunda: tudo aquilo que não dá retorno imediato, como novos projetos e a área de pesquisa e desenvolvimento. Mais do que isso: muita gente talentosa é demitida. Para as startups acontecem três coisas. A primeira é que fica mais fácil acessar profissionais talentosos. A segunda: as grandes empresas paralisam projetos que poderiam neutralizar as empresas iniciantes. A terceira mudança vem do lado do consumidor. Conhece a frase de que hábitos antigos são duros de matar? É na crise que esses hábitos morrem. Veja o exemplo do meu pai. Ele adora ir ao aeroporto com o táxi do seu Zé. Mas outro dia pegou o Uber X e pagou metade do preço. Ele continua adorando o seu Zé, mas instalou o Uber. A verdade é que, quando a economia está bombando, as startups sempre entregam um produto com mais valor a um preço menor. Mas elas precisam fazer marketing para mudar o comportamento do consumidor. Num ambiente de crise, as pessoas querem mudar.

DINHEIRO – É bastante comum na história de muitos empreendedores deixar o negócio que fundou. Você se arrepende de ter vendido o Buscapé para a Naspers? 
RODRIGUES –
 Essa é uma boa pergunta, mas não. Eu fiquei seis anos lá. É até mais tempo do que o normal. Acho que foi muito bom para o Buscapé. Obviamente, tenho meus questionamentos sobre o caminho que a Naspers decidiu dar. A alternativa de ficar sozinho não existia em 2009. Nossa posição era frágil e não tínhamos como nos defender em uma briga com o Google.

DINHEIRO – Por que o Brasil não consegue criar startups bilionárias, como acontece com muita frequência nos Estados Unidos? 
RODRIGUES –
 Estão começando a surgir, mas, sinceramente, não sei se é positivo. A Vivareal (site de imóveis) saiu do zero para uma avaliação de US$ 200 milhões a US$ 250 milhões. Os rumores indicam que a Nubank vale US$ 200 milhões. Ela pode até ser o próximo Itaú ou Bradesco, mas hoje é um negócio de cartão de crédito. Acredito que não surgiu antes por uma série de fatores que foram vencidos. Hoje, você tem tudo pronto. Os fundadores de startups não são mais da área de tecnologia. A maior dificuldade não é mais a tecnologia, mas sim o modelo de negócio e como conquistar mercado. Hoje, há 100 milhões de pessoas conectadas no Brasil, e há mais 100 milhões por vir. E terceiro é isso aqui (mostra seu iPhone). Isso muda muito o jogo. A internet está para o “mobile” assim com o rádio está para a tevê. Há vários negócios que nem existiriam sem o “mobile”, como o 99Taxis e o iFood.

DINHEIRO – Há exageros nas avaliações de empresas, como Uber e Airbnb? 
RODRIGUES –
 Não saberia avaliar o Uber e o Airbnb, pois não vi nenhum dado, fora o que é publicado na imprensa. Mas há muitas startups “unicórnios” (jargão para se referir as empresas que valem mais de US$ 1 bilhão) que buscam atingir essa marca a qualquer custo, por ego ou vaidade. Eu tinha uma placa que dizia que a vaidade é o maior risco de um negócio. Provavelmente, seria esse o único motivo para ter um fundo de venture capital com o meu nome na porta.

DINHEIRO – Qual o principal defeito e a principal qualidade do empreendedor brasileiro?
RODRIGUES –
 A principal qualidade é a sua adaptabilidade. O empreendedor americano tem muita estabilidade e previsibilidade. No Brasil, tudo é muito instável. Às vezes, você precisa começar um negócio e depois mudar a estratégia. O Uber, no Brasil, nunca poderia começar como o Uber. Ele provavelmente teria de lançar um aplicativo para táxi. Depois colocar uns carros pretos na praça. E por fim, criar o que é o Uber hoje. O ruim é o timing. Muitos empreendedores bons perdem o timing de investimentos por detalhes. O que era para ser fechado em três meses, às vezes, demora nove meses. O Buscapé deu certo porque sempre captávamos quando podíamos. Os eventos de liquidez são pontuais e não se pode deixar passar.

DINHEIRO – Que tipo de empresas você procura para investir?
RODRIGUES –
 A resposta teórica é: empresas que estejam resolvendo um grande problema, com um mercado grande, nas áreas de educação, varejo e SMB, blablablá. Mas, na verdade, procuro pessoas que acredito que são grandes empreendedores. Investimos nos fundadores.

DINHEIRO – Mas como você identifica bons empreendedores?
RODRIGUES –
 Tentando entender o problema que ele quer resolver e como vai resolver. Mas, principalmente, tento entender se o cara está apaixonado pela sua ideia e se tem resiliência de aguentar até a ideia dar certo.

DINHEIRO – A cultura empreendedora do Vale do Silício valoriza o erro e o fracasso. Qual foi o seu maior erro?
RODRIGUES –
 Tem vários. Vou citar três. Primeiro: o Brandsclub (clube de compras online que fechou na reestruturação do Buscapé). Quando investimos nele, era para ser um investimento minoritário para entender o varejo de moda. E a empresa precisou de mais dinheiro e não soubemos colocar um “stop loss”. Quando percebemos, éramos majoritários. Ficamos com uma bomba para resolver e que custou muito caro. O segundo foi no começo do Buscapé. Todos os grandes portais usavam nossa tecnologia de graça, criando seus shoppings virtuais. Só o Cadê, doYahoo, não usava. Como era o último, tentei cobrar e não consegui fechar o acordo. O Cadê, então, fez seu shopping com uma empresa pequena chamada BondFaro. Cinco anos depois, me custou R$ 30 milhões para comprar o BondFaro. Mas o maior erro foi de cultura. O Buscapé cresceu rápido, comprando empresas, como o ebit e o BondFaro. Fomos ocupando nosso prédio na Vila Olímpia em diversos andares. E não nos preocupamos em transmitir a cultura corporativa de forma organizada. Um dia, passei por todos os andares da empresa e fiquei desesperado. Ninguém sabia o que estava fazendo e a empresa estava cheia de guetos. Mudamos, logo depois, para a avenida Paulista, e colocamos todos juntos. Refizemos a marca. Foi um processo longo para melhorar a moral e o clima.

DINHEIRO – Quem te inspira?
RODRIGUES –
 É uma lista grande … (longo silêncio)

DINHEIRO – Para te ajudar: Steve Jobs, da Apple, ou Bill Gates, da Microsoft?
RODRIGUES –
 Steve Jobs, por sua paixão. Alguns ex-funcionários do Buscapé, quando viram o filme ou leram o livro de Steve Jobs, me ligaram dizendo que se lembraram de mim. Posso dizer que essa foi uma oportunidade para eles me xingarem. Consigo entender a loucura do Steve Jobs. Ele não era um mau chefe. Ele estava apaixonado por aquilo e pensava que se ele não fizesse logo, alguém iria fazer antes. Fui muito assim até fusão com o BondFaro. Eu tinha um estilo muito trator. Era péssimo. Evoluí e aprendi muito depois. Gosto do Steve Jobs pela busca da excelência. Ele não cedia quando acreditava em alguma ideia.

DINHEIRO – Da nova geração: Larry Page, do Google, ou Mark Zuckerberg, do Facebook? 
RODRIGUES –
 Larry Page. Se você perguntasse quem é o cara mais sólido de estratégia e de negócio, eu diria Zuckerberg. Mas acho que o Google está numa posição única. O impacto do Google para a sociedade será maior do que a do Facebook.

DINHEIRO – Onde nascerá o próximo Steve Jobs? 
RODRIGUES –
 Acho que ele pode nascer em qualquer lugar. Mas se fizer um pouco de matemática, precisaria ser em um local com 200 milhões de habitantes, bem conectados e com ótimas universidades. Com essa descrição, será nos EUA, na China ou na Índia e, quem sabe, o Brasil, mas acho difícil. Não me surpreenderia se o próximo Steve Jobs viesse da Índia ou da China.