Principal fonte de recursos para financiamento de projetos de longo prazo no País, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) engordou bastante nos últimos anos. Agora, isso está prestes a mudar. Em sua primeira declaração depois que foi indicado como novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy já avisou que o banco não estará mais sozinho na função. “Inclusive para a infraestrutura, o mercado de capitais terá um papel cada vez mais importante”, afirmou Levy, no dia 27 de novembro.

Ele defende a redução do papel do BNDES desde os tempos em que ocupava o posto de secretário do Tesouro, entre 2003 e 2006, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e nos últimos dois anos, como diretor-superintendente da área de gestão de fundos do Bradesco. A nova estratégia do governo de atrair o setor privado para os financiamentos foi confirmada pelo ministro indicado do Desenvolvimento, o senador pernambucano Armando Monteiro Neto. “Evidentemente, o BNDES não pode atender sozinho toda a demanda de financiamento do País”, afirmou à DINHEIRO.

As mudanças já estão sendo preparadas dentro do banco e foram confirmadas pelo presidente da instituição, Luciano Coutinho, na quarta-feira 17. Ele disse que os estudos ainda não estão concluídos, mas devem levar a uma elevação das taxas de juros para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que financia a aquisição de máquinas, equipamentos e caminhões. Devem aumentar também, ainda neste ano, os juros da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 5% ao ano. “Depende da conclusão dos entendimentos”, afirmou Coutinho quando questionado sobre o teor das alterações.

Desde 2008, quando a falta de liquidez no mercado financeiro fez o governo aumentar sua participação nos financiamentos às empresas, o Tesouro já transferiu R$ 440,7 bilhões ao banco (leia quadro na pág. 30). O mais recente aporte, de R$ 30 bilhões, foi anunciado no dia 3 de dezembro. O banco capta recursos no mercado, pagando taxa Selic, e os empresta a juros menores. Nesta operação, acumula prejuízos. “O custo anual dessa diferença será de R$ 38 bilhões em 2014”, diz Mansueto Almeida, especialista em contas públicas. “O governo não tem esse dinheiro.”

Para recuperar a confiança na economia, Levy prometeu estabilizar a dívida bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), sinalizando que o período de aportes bilionários do Tesouro aos bancos públicos chegou ao fim. A Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015, que já foi elaborada com a supervisão de Levy, não prevê transferências às instituições estatais nos próximos três anos. Mas isso exigiria uma redução nos desembolsos do BNDES, que devem chegar a R$ 190 bilhões neste ano, mesmo volume do ano passado. Para dispensar os recursos do Tesouro, o banco teria de encolher ou buscar recursos no mercado.

“O BNDES só consegue emprestar acima de R$ 110 bilhões anuais com repasse do Tesouro”, afirma Almeida. Com a redução dos desembolsos e juros mais altos, os analistas esperam que naturalmente os empresários busquem recursos no mercado de capitais e nos bancos privados. Os bancos, por sua vez, argumentam que têm dificuldade para competir com as taxas subsidiadas pelo BNDES. “A redução dos desembolsos do BNDES abre espaço para o setor privado, mas o desafio é que esses dois movimentos aconteçam simultaneamente”, diz Newton Rosa, economista-chefe da Sulamérica Investimentos.

Em nota, o BNDES disse que tem liderado iniciativas para ampliar a oferta de financiamento de longo prazo no País. “O sistema bancário tem condições de, de uma forma gradual, ampliar seu papel de financiador em setores que não demandam prazos tão longos.” O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, defende a criação de novos instrumentos e, principalmente, o estímulo à entrada de capitais estrangeiros nas novas concessões no setor de infraestrutura. “Temos de mudar o modelo do leilão, para que as empresas estrangeiras tragam recursos de fora”, afirma.

A CNI já apresentou ao governo alternativas de financiamento de longo prazo, como o aumento da oferta de títulos privados, a desburocratização e simplificação do processo de emissão de títulos e ações, e a melhora da liquidez no mercado secundário, no qual os títulos e ações são negociados entre os investidores. “Hoje esse mercado é muito limitado, mas o próprio BNDES pode atuar para dar liquidez, garantindo a compra de parte desses papéis”, diz Flávio Castelo Branco, gerente de Política Econômica da CNI. A criação desse mercado, é certo, não é tarefa fácil e exige tempo, juros mais baixos e perspectivas estáveis para a economia brasileira.

Em seus discursos e em conversas reservadas, Levy tem indicado que um ajuste econômico bem-sucedido nos primeiros meses dará condições para a redução da taxa de juros e da dívida bruta no futuro. O aumento da confiança na economia pode abrir espaço para que empresas brasileiras busquem recursos no setor privado. “O mercado de capitais é o caminho, inclusive para empresas médias, mas para isso é preciso que o mercado financeiro tenha profissionais empenhados e qualificados em originar e distribuir crédito privado”, diz André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.

Os empresários estão receosos com o tamanho do ajuste. “Temos uma preocupação muito grande com o futuro do BNDES, porque os bancos privados até podem substituí-lo, mas a que taxa de juros?”, indaga Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que já conversou com o futuro ministro do Desenvolvimento. “Como vamos competir internacionalmente se não temos taxas de juros internacionais?” Quando assumiu a presidência do banco, em 2007, Coutinho encontrou uma situação bem diferente da que entregará ao seu sucessor – a substituição no próximo mandato presidencial é dada como certa, embora ainda não tenha sido confirmada pelo governo.

Quase oito anos depois, os desembolsos dobraram e os financiamentos para pequenas e médias empresas passaram a abocanhar uma fatia maior dos recursos. Ao mesmo tempo, o banco colocou em prática, no governo do presidente Lula, a política de “campeões nacionais”, em que empresas foram selecionadas para se tornar gigantes em seus setores e competir globalmente. “Essa política foi muito além do que seria razoável”, diz Perfeito. Apesar dos bilhões de reais subsidiados, a taxa de investimento ficou praticamente estagnada durante o seu mandato.