Se não quer ajudar, Cameron, não atrapalhe. A sentença acima resume bem o sentimento de indignação dos principais líderes europeus diante do pronunciamento do primeiro-ministro britânico, David Cameron, em Londres, na quarta-feira 23. O líder do partido conservador defendeu a realização de um referendo, em 2017, sobre a permanência ou não do Reino Unido como membro da União Europeia, bloco que reúne 27 países. Isso, é claro, se for reeleito no pleito de 2015, que definirá qual partido ocupará a maioria das cadeiras do Parlamento. A declaração foi severamente criticada e roubou a cena nas discussões no Fórum Econômico Mundial, realizado na semana passada, em Davos, na Suíça. 

 

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Numa fria: policial monitora o hotel de Davos onde empresários e políticos discutiram o cenário global

 

O primeiro-ministro italiano, Mario Monti, ressaltou que os britânicos devem ficar na União Europeia e ajudar a moldar o seu futuro. “A Europa é inegociável”, afirmou, por sua vez, o presidente francês François Hollande. Além de marcar posição em seu partido, o pronunciamento de Cameron é uma resposta à insatisfação da população britânica, que se diz prejudicada pela crise na região. No discurso em que anunciou o referendo, Cameron chegou a dizer que a consulta popular poderá ser evitada com uma reforma dentro do bloco. As críticas à interferência de Bruxelas, onde está localizada a sede da UE, nos governos nacionais é antiga e muito forte no Reino Unido, especialmente entre os conservadores. 

 

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Sorriso congelado: Lagarde, do FMI, diz que as prioridades na Europa devem

ser o emprego e o crescimento econômico

 

“É uma loucura deixar o bloco”, disse Tony Blair, o trabalhista que ocupou a principal cadeira no famoso número 10 da Downing Street, em Londres, entre 1997 e 2007, quando teve que controlar os chamados “eurocéticos”. Para o economista Mujtaba Rahman, analista da consultoria Eurasia Group, o maior risco para a estabilidade na região não é a realização de um referendo. “O problema é o clima de incerteza que será criado durante o processo de reorganização das relações entre os países, que deve acontecer em breve”, diz Rahman. A polêmica surgiu em péssima hora, pois o Fundo Monetário Internacional (FMI) acabara de prever uma recessão para a zona do euro (veja quadro). 

 

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Dedo em riste: Cameron ameaça fazer um referendo sobre a permanência

ou não do Reino Unido no bloco europeu 

 

“As prioridades na Europa devem ser o crescimento e o emprego”, disse Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, na quarta-feira 23. Não é o que pensa a líder da maior economia do bloco, a premiê alemã Ângela Merkel, que voltou a defender a austeridade fiscal na região. “Consolidação orçamentária e crescimento econômico são duas faces da mesma moeda”, afirmou Merkel, em Davos. Do Brasil, a maior autoridade presente ao evento foi o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini – nos útimos anos, o Fórum Econômico Mundial perdeu a relevância que antes atraía presidentes e ministros. Dilma Rousseff preferiu ficar em Brasília para a reunião de cúpula entre Brasil e União Europeia, na quinta-feira 24. 

 

Aqui, como lá, a crise mundial deu o tom dos debates. “Há uma generalizada percepção de que a pior parte ficou para trás”, afirmou a presidenta, depois de receber o presidente da Comissão Europeia, João Manuel Durão Barroso, e do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy. Embora as exportações brasileiras para a Europa tenham caído 7,7% em 2012, em relação ao ano anterior, o continente ainda é o nosso principal mercado. Apesar da intensa atividade, a negociação de um acordo de livre comércio dos europeus com o Mercosul está suspensa desde junho do ano passado. E isso, apesar das declarações de ambos os lados de que um acordo deste tipo seria de interesse mútuo.

 

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