“Agente consegue o mais difícil, que é levar o cliente até a concessionária, e ele toma um cartão vermelho do crediário…” O desabafo feito à DINHEIRO por um empresário do setor automotivo resume bem o atual momento econômico do Brasil. O Banco Central está reduzindo os juros, a presidenta Dilma Rousseff pressiona publicamente os bancos privados a reverem suas linhas, mas, na prática, o consumidor encontra barreiras para ter acesso ao dinheiro mais barato. A dificuldade em colocar todos os agentes em sintonia ficou evidente, na segunda-feira 7, com os ruídos que surgiram após a divulgação de um boletim da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) sobre as recentes quedas de juros. 

 

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Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban: “Você pode levar um cavalo até a beira do rio,

mas não conseguirá obrigá-lo a beber água”.

 

“A questão que se coloca é até que ponto essas reduções vão estimular uma ampliação significativa da oferta de crédito doméstica”, afirma o documento, assinado pelo economista-chefe da entidade, Rubens Sardenberg. “Alguém já disse que ‘você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água’.” Rapidamente, o boletim foi parar na mesa de Dilma Rousseff e gerou uma reação irônica de um interlocutor do governo que, segundo o jornal O Globo, disse que “o cavalo também pode morrer de sede”, em referência aos bancos. Na manhã seguinte, um telefonema do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, informou o Planalto que os bancos não queriam ampliar os ruídos. A presidenta não conversou com o executivo e Trabuco foi orientado a falar com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. 

 

Tamanha repercussão do episódio levou a Febraban a declarar que o conteúdo do seu boletim era preparado pela diretoria de economia e “não podia ser interpretado como um posicionamento oficial da entidade”. Retórica à parte, o fato é que os bancos e as financeiras estão cautelosos na hora de liberar o empréstimo. No setor automobilístico, por exemplo, a média de reprovação de crédito está em 70%, segundo fontes do setor. “Quando os clientes deixam de pagar em dia, o modelo estatístico dos bancos capta esse comportamento e gera algumas restrições na concessão de empréstimos”, diz Décio de Almeida, presidente do Banco Volkswagen e da Anef, associação dos bancos de montadoras. 

 

Os resultados práticos desse cenário são a queda acumulada de 3,4% nas vendas de veículos no primeiro quadrimestre e os pátios lotados das montadoras, cujo estoque atingiu o maior nível desde o início da crise internacional, em setembro de 2008. Apesar dos números ruins, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, mantém a previsão de crescimento de até 5% neste ano. “A queda dos juros deve chegar na ponta e dar resultado a partir do mês que vem”, diz Belini, que também preside a Fiat. Informalmente, no entanto, os empresários do setor admitem que um empate de zero a zero neste ano nas vendas já seria uma vitória, pois o crédito escasso impede um novo recorde de vendas. Destravar o crédito, aliás, é a principal missão dos bancos estatais, que anunciaram na semana passada mais uma rodada de cortes nas taxas de suas linhas. 

 

A Caixa viu a sua carteira de capital de giro saltar de apenas R$ 96 milhões, em março, para R$ 1,3 bilhão em abril. O resultado do banco no primeiro trimestre confirmou o êxito da estratégia: lucro de R$ 1,2 bilhão, entre janeiro e março, uma alta de 46,1% em relação ao mesmo período de 2011. O Banco do Brasil também segue com o pé no acelerador. “Não temos maior ou menor rigor na aprovação do crédito”, diz o vice-presidente de negócios de varejo do BB, Alexandre Abreu. “Temos mais gente interessada, mesmo.” O apelo da instituição estatal para as pessoas transferirem suas dívidas em outros bancos é atraente, com juros baixos e carência de até seis meses. Difícil mesmo é conseguir executar a chamada portabilidade, que está em vigor desde 2006. 

 

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Décio de Almeida, presidente do Banco Volkswagen e da Anef: ”Quando

o cliente deixa de pagar em dia, o modelo estatístico

do banco restringe o crédito”.

 

Entre os empecilhos, destaca-se uma burocracia que obriga o cliente a visitar pessoalmente os dois bancos envolvidos na operação. Ciente das dificuldades, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, confirmou que o governo estuda uma forma de dar agilidade a esse mecanismo, que teria enorme potencial de estimular a concorrência bancária. Mas, apesar da ansiedade para que o dinheiro circule, a barreira para que os resultados apareçam atende pelo nome de inadimplência. “Os brasileiros comprometem hoje 22% da renda, ante 16% da renda dos americanos”, diz Ricardo Loureiro, presidente da Serasa Experian. Um levantamento da empresa de serviços de informações financeiras mostra que 22,4 milhões de pessoas entraram em sua base de inadimplentes em 2011. 

 

“A boa notícia é que 19,3 milhões já recuperaram sua situação creditícia”, diz Loureiro. Os próprios bancos enxergam um horizonte azul e projetam queda da inadimplência dos atuais 7,4% para 5,3% em dezembro. Com taxas menores e a renda em alta, o endividamento das pessoas físicas tende a diminuir. “Estamos vivendo um ciclo de crédito típico, em que o consumidor espera terminar de pagar sua dívida para adquirir outro bem de maior valor”, diz Luis Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central. “O governo tentou, mas não há como queimar etapas.” Por ora, o governo continuará usando os bancos estatais para pressionar o mercado. Os efeitos surgem minimamente, ao menos nas tabelas oficiais. 

 

Um levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac) mostra que as taxas cobradas de pessoas físicas e jurídicas, no mês de abril, estavam nos níveis mais baixos dos últimos anos (veja quadro abaixo). O complicado mesmo, segundo empresários e consumidores, é ter acesso a esse dinheiro barato. “Tenho recebido até reclamações contra os bancos oficiais, que têm o compromisso de dar o bom exemplo”, diz Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Na avaliação do governo, os bancos estatais já estão cumprindo – e com êxito – essa missão. Convicto de que a escolha é correta, o executivo do BB, Alexandre Abreu, defende a estratégia oficial. “O aumento do volume de crédito compensa a perda de rentabilidade”, afirma Abreu. Se o faro do governo estiver certo, os bancos que não seguirem a corrente vão cair do cavalo – ou morrer de sede. 

 

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Colaboraram: Carla Jimenez e Cláudio Gradilone