No dia 30 de março de 2012, uma chuva de papel prateado encobriu o espaço Raymundo Magliano Filho, na BM&FBovespa, em comemoração ao lançamento da listagem de derivativos de índices das bolsas dos Brics. O feito simbolizava o primeiro passo formal da aliança dos mercados emergentes, anunciada em 12 de outubro de 2011, em Johannesburgo, capital sul-africana. No evento na BM&FBovespa, estavam representantes das embaixadas de Rússia, Índia, China e África do Sul, além de executivos da bolsa, bastante ansiosos com o início das negociações desses contratos, que espelham o desempenho de indicadores como o chinês Hang Seng e o russo Micex. 

 

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Pânico geral: índice de ações russo registra queda, em 2014, por causa do rebaixamento

da nota do país pela S&P 

 

Passados dois anos, porém, nenhum negócio com eles saiu do papel. A explicação para a falta de apetite não é o despreparo dos investidores locais em lidar com contratos futuros de índices do Exterior. Se fosse isso, os papéis do S&P 500 não teriam um giro de mais de R$ 4,5 bilhões na Bovespa, em fevereiro, e quase R$ 3 bilhões até meados de março. O verdadeiro motivo é a falta de interesse em investir nos Brics, segundo especialistas consultados pela DINHEIRO. “Acho que o conceito sempre foi frágil, mas, na época, fazia sentido por causa do crescimento acelerado e do tamanho da população e das dimensões geográficas desses países”, afirma Tony Volpon, diretor-executivo da Nomura Securities International, em Nova York. 

 

“Percebeu-se com o passar do tempo que essas economias não iam crescer juntas, e cada uma começou a enfrentar os seus próprios dilemas.” A China, que sempre foi o principal vetor de crescimento dos Brics, passou a rever a sua política macroeconômica e tem voltado a atenção para o mercado doméstico. O cenário também é desafiador na Índia, na África do Sul, no Brasil e na Rússia – esta última, para piorar, reacendeu o nervosismo global com a recente anexação da Crimeia. Desde que a listagem cruzada de índices foi lançada, em 2012, o Produto Interno Bruto (PIB) desses cinco países começou a patinar, enquanto as economias dos Estados Unidos e da União Europeia passaram a dar sinais de retomada.

 

Mas a explicação para o fiasco dos contratos dos Brics no Brasil tem um sabor bastante tropical. Afinal, em seus próprios países os investidores russos, chineses, sul-africanos e indianos têm negociado contratos futuros dos Brics, inclusive do Ibovespa. “A questão é que o investidor brasileiro não é tão sofisticado a ponto de procurar produtos que fujam da sua realidade. Isso o deixa em posição pouco confortável”, diz Victor Schabbel, analista do Credit Suisse. Para Ricardo Martins, analista de investimentos da Planner, a falta de educação financeira é responsável pelo pouco apetite dos brasileiros pelo risco. 

 

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Czar do terror: o presidente russo Vladimir Putin trouxe mais instabilidade

para os mercados emergentes com a anexação da Crimeia

 

Muitos deles fugiram da bolsa nos últimos dois anos, por causa do desempenho mais fraco do Ibovespa. Os que ainda investem em ações têm preferido direcionar recursos para papéis americanos e europeus. “Com a recuperação dos países desenvolvidos, eles têm preferido migrar os investimentos para lá”, diz Martins. Apesar de o lançamento dos derivativos ainda não ter se traduzido em negócios por aqui, a BM&FBovespa não tem intenção de colocar o pé no freio no projeto. Mas também não vê motivos para pisar no acelerador. Segundo Eduardo Guardia, diretor-executivo de produtos e relações com investidores da bolsa, o índice único dos Brics deve ser lançado até o início do ano que vem, com o nome de Bricsmart. 

 

“Ainda estamos estudando como vamos ponderar o peso de cada índice no Bricsmart”, afirma. Além de questões metodológicas da carteira, existem aspectos legais, e até mesmo de fuso horário, que aparecem como um entrave para o desenvolvimento do projeto. Por enquanto, o ponto crucial é a falta de interesse por parte dos investidores, segundo a DINHEIRO apurou. “Não faz sentido fazer esforço por um produto que não tem demanda, sendo que existem outras áreas mais cruciais para as bolsas atualmente. 

 

Até os fundos que são voltados para os emergentes têm visto os saques superarem os depósitos nos últimos três anos”, diz um analista que preferiu ficar anônimo. Mas o intuito da BM&FBovespa não é apenas aumentar a receita com giro de negócios. As parcerias internacionais servem para a companhia ganhar força em um mercado que pode ser ameaçado com a chegada de concorrentes. “É mais uma forma de a bolsa se blindar”, diz Felipe Silveira, da Coinvalores. Nada como montar uma muralha da China antes da chegada dos concorrentes.

 

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