No dia 25 de janeiro do ano passado, quando proferiu o tradicional discurso sobre o Estado da União, no Congresso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tentou afagar a oposição ao prometer corte de gastos. Obama estava por baixo, com a popularidade em queda, e a crise econômica ainda pegava fogo – a taxa de desemprego beirava os 10%. A estratégia foi um fracasso e acabou bombardeada tanto por democratas como por republicanos, que àquela altura já controlavam a Câmara. Nem mesmo a frase de efeito “Somos a nação do Google e do Facebook” serviu para amenizar as críticas. O ano estava apenas começando e Obama ainda travaria uma desgastante batalha política com os parlamentares em torno de medidas fiscais. A consequência desastrosa da disputa foi o rebaixamento da nota máxima do país (de AAA para AA+) pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s. 

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“Não vamos voltar para aquela economia enfraquecida pela transferência de empregos ao exterior,
dívida podre e falsos lucros financeiros”.

Um ano depois, a estratégia da Casa Branca mudou. No pronunciamento do Estado da União, na terça-feira 24, Obama seguiu à risca as regras do jogo político ao mirar, a menos de dez meses para as eleições presidenciais, as expectativas dos eleitores democratas. O seu grande trunfo, contrariando todas as previsões catastrofistas, é a economia. Os recentes indicadores são animadores e mostram que os Estados Unidos, ao contrário da Europa, estão em franca recuperação. “O pior da crise definitivamente já passou”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. A pedido da DINHEIRO, Perfeito fez um levantamento dos principais índices americanos. A indústria, o comércio e até o combalido mercado imobiliário, epicentro da crise de 2008, já exibem números alvissareiros (ver quadro ao final da reportagem). “O conjunto de boas notícias ainda deve continuar nos próximos meses”, diz o economista. 

 

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“Não pago um centavo além do que devo ao fisco”, diz Mitt Romney, o principal pré-candidato

republicano à presidência.

 

Foi no dia 9 de janeiro, no entanto, que Obama recebeu um enorme presente de Ano-Novo. O Federal Reserve, o banco central americano, divulgou que a oferta de crédito crescera US$ 20,4 bilhões de outubro para novembro. Foi a maior expansão em dez anos. “Os empréstimos ao consumo decolaram”, destacava o caderno de negócios do jornal The New York Times. “Conforme a taxa de desemprego cai, os americanos estão abandonando a postura cautelosa e voltando a assumir mais dívidas”, diz a reportagem. A equipe econômica da Casa Branca festejou especialmente a alta de quase US$ 15 bilhões nos financiamentos de veículos, num momento em que Detroit, o berço das montadoras americanas que foi à lona em 2008, mostra sinais de superação. Os auxiliares de Obama sabem que a retomada consistente da economia depende do destravamento total do crédito.

 

De um lado, o Federal Reserve injeta liquidez no mercado. De outro, é preciso convencer os consumidores a buscar mais empréstimos nos bancos. As recentes boas notícias servem para elevar a autoestima das famílias. Uma pesquisa feita pela Universidade de Michigan mostra que o índice de confiança do consumidor subiu de 69,9 pontos em dezembro para 74 pontos em janeiro. Numa escala de zero a 100, os números acima de 50 são celebrados. “A capacidade de consumo dos americanos está aumentando”, diz Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e economista da Confederação Nacional do Comércio. “As famílias que estavam enforcadas com crédito imobiliário entregaram as casas sem precisar pagar as dívidas, o que ajuda a resgatar a confiança.” Com a economia jogando a favor, só faltava ajustar o discurso político. No pronunciamento à nação, Obama fez uma defesa enfática do aumento de impostos para os mais ricos. 

 

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Trata-se de uma bandeira cara aos colegas de partido e que soa como música para o seu eleitorado. Assim como em 2011, a oposição chiou. Desta vez, no entanto, era exatamente o que os democratas queriam. O ex-governador de Massachusetts, o milionário Mitt Romney, apontado pelas pesquisas como o favorito para enfrentar Obama, fisgou a isca e divulgou a sua declaração de Imposto de Renda.  A exposição de seus rendimentos confirmou que, nos Estados Unidos, os ricos pagam menos impostos que a classe média. A distorção existe por causa dos inúmeros privilégios concedidos pelo ex-presidente republicano George W. Bush (2001- 2009). No caso de Romney, o imposto total a ser pago referente ao ano passado será de apenas 15,4%, enquanto o Fisco vai tirar 26,3% dos ganhos de Obama e até 35% da renda dos assalariados americanos. “Não pago um centavo além do que devo”, disse Romney em um debate, sem temer a perda de popularidade. 

 

Segundo seus assessores, a alíquota é pequena porque a maior parte do dinheiro vem de ganhos de capital que possuem tratamento privilegiado. Ou seja, o principal candidato republicano paga menos impostos porque a lei, criada pelo governo Bush, prevê esse benefício. Com o país sufocado por uma dívida de US$ 15 trilhões ou quase 100% do PIB, Obama aproveitou a situação para defender mais impostos aos que estão no topo da pirâmide social. Dez entre dez economistas, porém, dizem que a solução mais rápida para os problemas fiscais passa necessariamente pela ressurreição da maior potência econômica do mundo. “No curto prazo, o caminho mais importante para reduzir o déficit é estimular o crescimento do PIB”, disse à DINHEIRO Dean Maki, economista-chefe para os Estados Unidos do Barclays Capital.“Mexer em programas sociais ou aumentar impostos são medidas de longo prazo que não deveriam ser adotadas em momentos de elevado desemprego.” 

 

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Vendido: o mercado imobiliário americano está gradativamente retomando

o fôlego. Em dezembro, as vendas de imóveis usados cresceram 5%.

 

Enquanto Romney luta contra o “fogo amigo” dos republicanos para sair vencedor nas primárias – o principal concorrente, Newt Gingrich, ficou inconformado com a diferença entre a sua alíquota de Imposto de Renda (31,7%) e a de Romney (15,4%) –, Obama vai asfaltando o caminho para a reeleição. A ideia é colocar na cabeça dos americanos que a culpa da crise é dos republicanos. “Não vamos voltar para aquela economia enfraquecida pela transferência de empregos ao exterior, dívida podre e falsos lucros financeiros”, disse Obama no Congresso. “Quero estabelecer a base de uma economia construída sobre as fábricas americanas, a energia americana e a habilidade dos trabalhadores americanos.” No mesmo dia em que fez o pronunciamento sobre o Estado da União, sua equipe de campanha disparou e-mails com declarações otimistas e um link para doação a sua campanha. Obama sabe que, para rir por último, precisa conquistar corações, mentes e bolsos democratas, não necessariamente nessa ordem.

 

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