17/06/2011 - 21:00
A partir de julho, os 250 mil empreendedores que frequentam as 15 unidades da Tenda Atacado passarão a ter acesso a crédito para capital de giro ou investimento em maquinário. A empresa decidiu montar uma operação de financiamento para ajudar seus clientes a ampliar seus negócios. E, ao contrário das garantias exigidas pelos bancos tradicionais, a Tenda vai trabalhar na base do “fio do bigode”.
Não é generosidade. A maior parte dos clientes não tem conta bancária: são vendedores de doces, de cachorros-quentes e pequenos comerciantes. O tamanho não os impediu, até hoje, de pagar em dia as compras parceladas feitas no atacadista. Para estender essa relação de confiança, a Tenda, baseada em Guarulhos, na Grande São Paulo, resolveu iniciar um projeto de microcrédito. “Queremos ser um pequeno ‘BNDES’ para nossos clientes”, afirma Marco Gorini, diretor executivo da VoxCred, empresa de crédito da Tenda. Os empréstimos devem começar a partir de R$ 350.
Recursos do Bid : além da filantropia, a meta dos programas é estimular o empreendedorismo
Para atingir a meta, a empresa trabalhará com um capital inicial de R$ 26 milhões, sendo R$ 10 milhões em recursos próprios e o restante oriundo de uma linha de crédito do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A Tenda foi a primeira empresa brasileira a entrar no projeto Oportunidades para a Maioria, desenvolvido pelo BID. O programa já funciona, desde 2007, em outros países da América Latina, sempre em parceria com empresas privadas, para projetos de financiamento voltados ao público de menor poder aquisitivo.
O programa foi criado pelo presidente do BID, o colombiano Luis Moreno, que estará no Brasil entre os dias 27 e 28 deste mês para um seminário sobre as oportunidades de desenvolvimento da base da pirâmide. O economista indiano C.K. Prahalad, que se notabilizou pelos seus trabalhos sobre o poder econômico da baixa renda, foi quem inspirou Moreno a criar o programa. “Trabalhamos muito com ele para encontrar a fórmula”, disse Moreno à DINHEIRO. Prahalad acompanhou o projeto até a sua morte, em abril do ano passado.
De 2007 até hoje, o BID já emprestou US$ 150 milhões para 23 projetos em vários países. Na Colômbia, por exemplo, a companhia de saneamento Empresas Públicas de Medellín recebeu US$ 10 milhões para financiar os clientes que quisessem adquirir computadores. Já no Chile, o BID atuou com o banco BCI, que montou uma operação de microcrédito em parceria com as empresas com quem trabalha. Dessa forma, companhias como a Coca-Cola oferecem financiamentos de porta em porta aos candidatos a empreende-dores.
Para fazer vingar o projeto, o BID busca parceiros na iniciativa privada que garantam capilaridade. No Brasil, além da Tenda Atacado, a instituição fez um acordo com o Banco Gerador, de Pernambuco, patrono de um programa de microcrédito, que transformou pequenos mercados em representantes financeiros. O BID deve injetar US$ 5 milhões no Gerador para estender esse programa a outros sete Estados nordestinos. A expectativa do BID é reduzir os índices de pobreza por meio de atividades empreendedoras. “A cada três latino-americanos, um é pobre”, diz Moreno.
Mesmo assim, seu potencial de consumo é de US$ 500 bilhões por ano, e o banco quer incentivar os empresários da AméricaLatina a olhar para as oportunidades na base da pirâmide, a exemplo do que ocorreu na Índia. Lá, empresas, universidades e governos se uniram nos anos 1990 para criar negócios voltados ao público de menor renda. O desafio é encontrar produtos que caibam nesses bolsos.
Por enquanto, o BID privilegia o microcrédito e programas de melhoria de qualidade de vida, como construção de habitações e benfeitorias urbanas. “Mas buscamos também capacitar pequenos empreendedores”, diz Moreno. A Tenda Atacado, por exemplo, aproveitou o incentivo do BID para montar um centro de treinamento. Segundo Marco Gorini, diretor da Tenda, a ideia é oferecer cursos relativos às atividades de seus clientes. A empresa investiu cerca de R$ 700 mil no centro de treinamento que começa a funcionar no mês que vem, em Guarulhos.
Luis Moreno, presidente do BID
Quanto o BID investiu na América Latina?
Investimos US$ 150 milhões em 23 projetos e temos outros US$ 100 milhões para investir.
Todos os projetos focam no microcrédito?
Não, no México fizemos um projeto de crédito estudantil para que pessoas de menor renda pudessem ingressar em boas universidades. Naquele país, trabalhamos com a empresa de cimento Cemex para fornecer crédito às comunidades que quisessem fazer benfeitorias em seus bairros.
O sr. acompanha o programa Brasil Sem Miséria?
Sim, e apoiaremos o Brasil no que for preciso. Aqui, como no Chile, há uma preocupação em incluir os mais pobres e melhorar a vida da classe média. Esses programas precisam ser bem conduzidos, pois não é fácil chegar aonde estão os mais pobres, no caso, a zona rural.