20/02/2015 - 20:00
Batizado de “Swiss Leaks”, o vazamento de informações sobre 106 mil clientes da divisão de private bank do inglês HSBC na Suíça já motivou investigações sobre evasão fiscal e lavagem de dinheiro em 13 países. Agora, as autoridades brasileiras vão agir. Na sexta-feira 20, Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), tinha uma reunião agendada com representantes do Banco Central (BC) e da Receita Federal para discutir uma atuação conjunta no caso.
A partir das informações sobre clientes brasileiros do HSBC divulgadas na imprensa, a atuação do Coaf – órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, criado em 1998 e dedicado a combater a lavagem de dinheiro – marcará a entrada das autoridades brasileiras nas investigações. A lista vazada por Hervé Falciani, ex-funcionário do banco na Suíça, tem 8.867 clientes brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, titulares de 6.606 contas individuais e conjuntas. Rodrigues já analisou uma amostra de 342 nomes desde o fim do ano passado.
“Nessa lista, que sabemos não ser completa, encontramos os nomes de 60 pessoas que já tinham registro no Coaf, dos quais 15 haviam sido enviados para as autoridades por indícios de crimes fiscais, de tráfico de drogas e corrupção”, disse Rodrigues à DINHEIRO. O saldo das contas analisadas soma pouco mais de dois bilhões, mas não é possível dizer se os valores estão em reais, dólares, euros ou francos suíços. Segundo Rodrigues, o processo mais antigo data de 2001. Todos os casos foram enviados, ao longo dos anos, à Polícia Federal e ao Ministério Público para investigação, mas o presidente do Coaf não foi informado se os processos resultaram ou não em condenação.
Os demais clientes não foram investigados porque tinham renda compatível com as contas na Suíça. “São pessoas ricas”, resume Rodrigues. “Ter conta no exterior não é crime, desde que a pessoa tenha renda e os valores estejam declarados no Imposto de Renda.” Ele não revela nomes, mas afirma que nenhum dos 342 membros da lista foi citado na Lava Jato, operação da Polícia Federal que investiga pagamento de propina em contratos da Petrobras. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a Justiça suíça investiga se o HSBC ajudou a esconder a origem suspeita de recursos de ex-diretores da Petrobras envolvidos no esquema de corrupção.
Na quarta-feira 18, o Ministério Público de Genebra abriu investigação por lavagem de dinheiro contra o HSBC e comandou uma operação de busca e apreensão na sede da instituição em Genebra. O Coaf monitora as transações bancárias e analisa operações suspeitas. A Receita Federal é quem deve verificar se há sonegação e cabe ao Banco Central fiscalizar os bancos. No caso do Swiss Leaks, a subsidiária suíça do HSBC é acusada de ter facilitado o acobertamento da origem ilegal de recursos, o que motivou a publicação, nos jornais ingleses, de um pedido de desculpas formal de Stuart Gulliver, CEO mundial do banco, no dia 15 de fevereiro.
O que as investigações vão buscar apurar, agora, é se o braço do HSBC no Brasil participou da captação de parte dos recursos. Procurados, BC e Receita não forneceram informações. O HSBC do Brasil, presidido por André Brandão, afirmou, em nota, que “o caso está relacionado ao Private Bank da Suíça”. Desde 2007, o banco fechou mais de 20 mil contas, para 10.343, e o volume de recursos caiu quase pela metade, para US$ 68 bilhões. O mistério é quantos brasileiros continuam como clientes e se os recursos lá depositados têm origem legal. Para o presidente do Coaf, como a lista é de 2006 e foi obtida de forma ilegal – Falciani furtou o documento –, ela não tem valor jurídico.
“Mas pode servir para inteligência, orientando futuras investigações.” Inconformado com o que considera uma falta de interesse do governo brasileiro no caso, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) formalizou, na semana passada, pedidos de investigação no Ministério da Justiça e na Procuradoria-Geral da República (PGR). “Se olharmos o que está acontecendo em outros países, estamos muito atrasados”, diz Pimenta. Na semana anterior ao Carnaval, Pimenta fez esse pedido ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que o orientou a formalizar o pedido de investigação. O Ministério e a PGR não concederam entrevista.
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A versão do HSBC
Banco afirma que melhorou seus controles para impedir lavagem de dinheiro em suas operações de private bank.
DINHEIRO questionou diretamente a filial brasileira do HSBC sobre sua participação nas operações que estão sendo investigadas pela justiça da Suíça e que, agora, deverão também passar pelo crivo das autoridades brasileiras. Eis as respostas do banco, enviadas pela assessoria de imprensa:
DINHEIRO – Qual a participação da filial brasileira do HSBC na captação dos recursos dos clientes brasileiros relacionados ao private bank na Suíça?
HSBC - O caso está relacionado ao Private Bank da Suíça.
DINHEIRO – Houve a participação de outros private banks nessa captação? Se sim, quais, e em que países? Como se deu essa parceria?
HSBC - O caso está relacionado ao Private Bank da Suíça.
DINHEIRO – No domingo, o HSBC publicou um pedido de desculpas na imprensa britânica. Qual a razão? A filial brasileira também deverá pedir desculpas? Sim, não, por que?
HSBC - O CEO Global do HSBC publicou uma carta aberta a clientes, acionistas do banco e colegas no domingo passado para esclarecer fatos. A carta informa que o foco da mídia está relacionado a um caso antigo que mostrava que os padrões com os quais o banco opera hoje não estavam universalmente implantados nas suas operações na Suíça há 8 anos. Entre outros fatos, a carta informa que: 1) desde 2008, a alta gerência mudou fundamentalmente a maneira de gerir o HSBC, com um controle central muito mais forte; 2) o HSBC vem colocando em prática padrões de primeira classe para impedir o crime financeiro e também relacionados à conformidade com os órgãos reguladores e transparência fiscal, implementados por uma equipe de compliance de mais de 7 mil colaboradores; e 3) o Private Bank da Suíça já reformulou completamente sua operação, reduzindo o número de contas em quase 70%; O HSBC apoia fortemente as iniciativas governamentais para o intercâmbio de informações fiscais. O banco implementou o FATCA, o regime de compartilhamento de informações fiscais dos Estados Unidos, em 2014, e está implementando um novo regime, o CRS (Common Reporting Standard) que é apoiado por 98 países e deverá entrar em vigor em 2016.
DINHEIRO – Que critérios de compliance o banco adotou ao receber o dinheiro desses clientes? Esses critérios mudaram recentemente? Sim, não, por que?
HSBC – O HSBC Global Private Banking (‘GPB’) e, em particular sua subsidiária na Suíça, passaram por uma transformação radical nos últimos anos. Medidas significativas já foram tomadas nos últimos anos para implementar reformas e encerrar o relacionamento com clientes que não tenham atendido plenamente os novos padrões do HSBC, inclusive os que nos preocupavam com relação à conformidade fiscal.
O HSBC também redirecionou o foco do seu Private Bank na Suíça para clientes de mercados mais estratégicos do Grupo, como os proprietários das empresas que são seus clientes Pessoa Jurídica no Grupo. Este reposicionamento resultou em uma redução de 70% da base de clientes do HSBC Private Bank na Suíça desde 2007. No início de 2012, o GPB desenvolveu uma política de transparência fiscal, estabelecendo que irá encerrar as contas e recusar qualquer novo negócio quando tiver razões para crer que o cliente, ou cliente em potencial, não esteja em total conformidade com as devidas obrigações fiscais. Cada conta foi revisada com base em uma lista de itens padrão para identificar possíveis indicadores de não conformidade com as obrigações fiscais. Todo e qualquer problema era investigado e se não resolvido satisfatoriamente, a conta era encerrada ou colocada em processo de encerramento para conclusão assim que viável. Sob a iniciativa de transparência fiscal, o HSBC também melhorou os seus procedimentos de “Conheça Seu Cliente” (KYC – Know Your Customer), incluindo uma validação independente feita por auditores, e os procedimentos anti-lavagem de dinheiro (AML – Anti-money Laundering) do HSBC para assegurar uma melhor avaliação das fontes de renda dos novos clientes do banco. O HSBC inseriu uma cláusula em seus termos e condições contratuais a fim solicitar aos clientes que afirmem que estão em conformidade com suas obrigações fiscais. Os novos termos e condições contratuais permitem que o Private Bank recuse uma solicitação de saque e estabelecem controles rígidos para saques acima de US$10.000. Quando legalmente permitido, termos e condições contratuais dão ao HSBC o direito de repassar as informações do cliente para as devidas autoridades fiscais. Além disso, o HSBC deixou de operar em mercados onde não lhe era permitido conduzir um processo de due diligence de seus clientes dentro de um padrão satisfatório. O HSBC também afirma que no pico de sua operação, o Private Bank suíço tinha em torno de 30.000 clientes, enquanto que o número que, em geral, tem sido publicado é de 100.000 clientes.
DINHEIRO –Quais foram os resultados dessas mudanças?
HSBC – Os resultados desta reforma são evidentes, uma vez que tanto o número de contas como os ativos totais sob gestão do Private Bank suíço foram reduzidos, devido ao intenso trabalho de redução de risco, onde o banco colocou a conformidade/compliance e a transparência fiscal acima da lucratividade. Em 2007, o Private Bank suíço tinha 30.412 contas. No final de 2014, já tinha reduzido este número para 10.343. Em 2007, o Private Bank suíço tinha um total de ativos sob gestão de US$ 118,4 bilhões. No final de 2014, este número já havia sido reduzido para US$ 68 bilhões. Em 2007, o Private Bank suíço atendia a clientes residentes em mais de 150 países. O banco está em processo de encerrar o relacionamento com clientes residentes em mais de 100 destes países.
DINHEIRO –O que mudou nos padrões globais?
HSBC - Em um contexto mais amplo, em abril de 2012 o CEO do HSBC, Stuart Gulliver, anunciou o compromisso do HSBC com a implementação dos mais altos ou mais efetivos padrões em todo o Grupo para combater o crime financeiro. As medidas que o HSBC vem tomando para reduzir o risco e as amplas reformas que o Grupo está implementando irão garantir que o HSBC tenha um programa robusto e sustentável de anti-lavagem de dinheiro e para sanções. Dentre outras medidas o HSBC: 1) Fortaleceu a gestão da Diretoria sênior sobre assuntos de crime financeiro; 2) Contratou 1.750 profissionais de Compliance entre o quarto trimestre de 2013 e o terceiro trimestre de 2014, elevando o número total de funcionários em todo o Grupo para 6.900; 3) Reduziu o risco geral de crime financeiro a que o banco está exposto deixando de trabalhar com alguns produtos, clientes e mercados onde os riscos de crime financeiro eram grandes demais para serem gerenciados; 4) Publicou políticas globais anti-lavagem de Dinheiro e para Sanções (chamados de padrões globais) e está colocando em prática sistemas, processos, treinamentos e suporte para implementar estas políticas em todos os locais onde o HSBC opera, e 5) Estabeleceu uma rede global de Unidades de Inteligência Financeira (FIUs, em inglês) para identificar e investigar os casos significativos, tendências e assuntos estratégicos relacionados ao risco de crime financeiro e compartilhar dados e informações relevantes em todo o Grupo.