29/04/2016 - 20:00
O estudante Rafael Salstein Burdmann, de 11 anos, criou no começo de abril o canal Mito-Gamer BR, no YouTube. Seu objetivo é mostrar gravações do Minecraft, game de construção de blocos, uma espécie de Lego virtual. Mas o que ninguém imagina é que Rafael descobriu, na escola, boa parte dos truques do jogo. “Estou aprendendo agora sobre as coordenadas geográficas, que uso bastante”, afirma o estudante do 6º ano do ensino fundamental do Colégio Rio Branco, em São Paulo. “Quando crescer, quero ser ator.
Mas vou também criar jogos.” Seu pai, Marcelo Burdmann, vê com bons olhos o interesse do filho. “Outros jogos, eu permito só no fim de semana. Mas o Minecraft ele pode jogar”, diz. “Acho bacana, porque dá noção de geometria e ele aprende muito.” Criado em 2009 pelo empreendedor sueco Markus Persson, dono da Mojang, o jogo foi comprado pela Microsoft cinco anos depois por US$ 2,5 bilhões. Estima-se que existam 100 milhões de usuários registrados do jogo no mundo com 70 milhões de cópias vendidas.
Sozinho, o game contribuiu para a alta de 9% na receita da divisão de software da Microsoft no primeiro trimestre de 2016. No mesmo período, o jogo foi a segunda franquia mais vendida no Brasil, atrás do FIFA Soccer, segundo a consultoria GfK. Mas é na sala de aula que o Minecraft tem ganhado cada vez mais atenção. Tanto que, no começo de janeiro, a companhia de Bill Gates abriu novamente a carteira e comprou, por valor não divulgado, o MinecraftEdu, uma versão do jogo de blocos ainda mais indicada para ser usada na sala de aula, da finlandesa TeacherGaming.
No mundo, são milhares de escolas que adotam o Minecraft para ensinar os mais diversos conceitos, de ciência, matemática e arte a programação e história. Pelo menos 50 escolas, universidades e ONGs no Brasil adotaram esse jogo. “Os avatares dos jogadores aprendem, logo no início, noções de interdependência”, afirma Antonio Moraes, diretor de educação da Microsoft Brasil. “Se você for fazer uma escavação, precisará de uma picareta, que depende da madeira para ser feita. Existe uma interdependência, mostrando que nada é de graça.” As crianças são ainda incentivadas a alterar códigos do jogo, podendo deixar os personagens de ponta cabeça, por exemplo.
“Eu acho que é fácil de entender como um jogo como Minecraft torna o aprendizado mais interessante, relevante e divertido para as crianças”, diz Joel Levin, diretor de educação da TeacherGaming. “Isso por si só faz com que seja um bom complemento para a sala de aula.” O Colégio Rio Branco, por exemplo, utiliza o Minecraft em um curso extracurricular semanal, de duas horas, com base na plataforma code.org, uma ONG que tem suporte de empresas como a IBM e Microsoft. Por meio desse sistema, também usado pelo Colégio Santa Maria, em São Paulo, os alunos aprendem matemática e programação.
“O ensino da matemática é mais comum. Mas o próximo passo é trazer o conteúdo das disciplinas como história, geografia e artes para dentro do Minecraft”, diz Jorge Farias, professor e coordenador de Projetos de Tecnologia do colégio. “Em história podemos reproduzir a Idade Média, ensinando os costumes da época, podemos reconstruir a Bastilha para ensinar Revolução Francesa, ou um cenário da Guerra Civil dos Estados Unidos.” Além de ensinar programação e matemática, há no Brasil casos como o da professora Sabrina Quarentani, do Colégio Internacional Ítalo Brasileiro, em São Paulo, que incentivou seus alunos a realizarem releituras de obras de pintores impressionistas com os blocos coloridos do Minecraft.
Mas o uso de um jogo na escola pode gerar dependência nas crianças? “A escola não tem como fugir da tecnologia, mas a gente mostra caminhos”, diz o coordenador de tecnologia do colégio Santa Maria, Muriel Alves. Para ele, ao aprender lógica , o aluno deixa de ter uma postura passiva diante do jogo. “Essas são as ferramentas que os seres humanos usam para explorar o seu mundo, comunicar ideias e criar”, diz Levin, da TeacherGaming. “E, francamente, aderir a modelos tradicionais de ensino faz com que a escola seja cada vez menos relevante para a juventude de hoje.”