Na semana passada, a praça do Sol, marco zero de Madri, foi tomada por milhares de espanhóis que pronunciavam palavras de ordem do tipo “Espanha, amanhã, será republicana” ou “Vai embora, Felipe”. A cena, repetida em outras cidades do país, teve como mote o anúncio, inesperado, do rei da Espanha, Juan Carlos I, feito na segunda-feira 2, de que abdicaria do trono. Após 39 anos no poder, ele cederá seu lugar ao filho, o príncipe de Astúrias, Felipe de Bourbon. A troca de posto foi o pretexto para a população ir às ruas questionar a permanência da monarquia.

Submersa em uma crise econômica há pelo menos seis anos, a Espanha vê sua população insatisfeita com um sistema de governo que não promove o crescimento econômico e que elevou o nível de desemprego a 25%. A percepção geral é de que as regalias da realeza em nada contribuem para a expansão do PIB e, portanto, não faz sentido compactuar com o esforço desesperado de Juan Carlos para dar uma sobrevida à dinastia Bourbon. Em seu discurso de renúncia, o rei Juan Carlos, 76 anos, analisou a profunda crise econômica pela qual o país está passando e ressaltou a importância de abrir espaço para as novas gerações – o desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos chega a insuportáveis 50%.

“Uma nova geração reclama por poder protagonista” disse em rede nacional, direto do Palácio de Zarzuela, uma das residências da família real. A “nova geração” a que ele se referia, em tese, se resume a um nome, o de Felipe, 46 anos, casado com a princesa Letízia, ex-funcionária do canal americano de TV CNN. Até que a cerimônia de transmissão da coroa aconteça, no entanto, a realeza enfrentará pressão de partidos da oposição e protestos de parte da população espanhola, que reivindica a realização de um referendo para decidir se o melhor para o país é a monarquia ou um regime republicano.

“Passar por uma crise faz com que a população repense essas instituições seculares”, diz Luciana Yeung, professora de economia do Insper. O sentimento antimonárquico cresceu nos últimos anos com a queda de popularidade do rei Juan Carlos I devido a escândalos de corrupção, adultério e gastos com caçadas a elefantes em Botsuana, envolvendo justamente ele, presidente de honra do braço espanhol da ONG conservacionista World Wildlife Fund. Para Alexandre de Freitas Barbosa, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, a antecipação da saída de Juan Carlos não deverá influenciar a economia espanhola.

“O rei é apenas um cargo de decoração”, diz Barbosa. “É uma monarquia de fachada.” Para os especialistas, não é o sistema político por si só que vai definir o desenvolvimento do país, e o regime adotado não determina o PIB. A Inglaterra e a Suécia são exemplos bem-sucedidos de administração monárquica, embora seus gastos também sejam questionados constantemente pelos súditos, sobretudo em períodos de dificuldades, em que se exigem sacrifícios da população. “O que define o crescimento econômico, basicamente, são programas de governo bem estruturados e capital humano”, diz Antonio Carlos Alves dos Santos, coordenador do curso de ciências econômicas e comércio internacional da PUC-SP.

“Essa é a base através da qual a economia poderá crescer.” Com a popularidade em alta, a rainha Elizabeth II, 84 anos, fez o tradicional discurso de abertura do ano parlamentar, na quarta-feira 4, no qual prometeu “construir uma economia que premie quem trabalha duro”. Já no caso espanhol, embora o desempenho econômico esteja recheado de números sofríveis, não é possível colocar a culpa exclusivamente no rei. A coroa tem um orçamento de E 7,8 milhões para 2014, uma redução de 2% em relação ao ano passado. O gasto é pequeno diante de rombos bilionários nos cofres públicos em diversos países da zona do euro.

A Grécia, por exemplo, que é parlamentarista, sucumbiu a um sistema de benesses para funcionários públicos e, sem a ajuda do Fundo Monetário Internacional, estaria à deriva econômica. “Essas economias foram afetadas independentemente do sistema de governo”, afirma Barbosa, da USP. “A crise hispânica não tem relação com o regime político, mas com questões fiscais”, afirma Luciana Yeung, do Insper. Há monarquias austeras e outras que esbanjam. A própria Espanha deu um exemplo de contenção de gastos em 2012, quando o rei Juan Carlos decidiu cortar seu salário bruto em 7,1%.

Já o fausto da monarquia inglesa tem gerado críticas por parte dos britânicos. Em 2013, os gastos dos Windsor estouraram em 2,3 milhões de libras (cerca de R$ 8,4 milhões) o orçamento anual de 31 milhões de libras (ou R$ 125 milhões). Os custos de uma monarquia, em muitos países, são mantidos sob sigilo. Mas, para controlar a gastança, o parlamento britânico passou a acompanhar de perto, desde janeiro, as contas da turma do chamado sangue azul. “Num regime monárquico-democrático há mais transparência nos gastos públicos”, diz Santos, da PUC.

A coroa britânica justifica seus gastos excessivos por supostamente impulsionar as receitas com turismo. Uma solução apresentada para arrecadar mais é abrir o Palácio de Buckingham – residência oficial da rainha – o ano inteiro para visitação, cobrando ingresso. Com prós e contras de cada regime de poder, há neste momento ao menos duas certezas: o sucesso do PIB não depende apenas dos mandatários; e, quanto mais enxuto e menos esbanjador o sistema, melhor para a sociedade.