Nos elegantes salões do Waldorf Astoria, na Park Avenue de Nova York, se deu há alguns dias a apoteose da série de encontros que levou aos EUA uma caravana com o crème de la crème dos banqueiros, investidores, economistas e portentos empresariais brasileiros. Na noite da terça-feira,17, Armínio Fraga, da gestora de recursos Gávea Investimentos, sempre desejado por todos os últimos presidentes (e presidenciáveis) para ocupar a pasta da Fazenda, foi homenageado com a distinção de “Person of the Year” da Câmara Americana de Comércio.

Ao seu lado, dividindo o prêmio, o ex-secretário do Tesouro dos EUA e ex-presidente da divisão do FED em NY, Timothy Geithner, que, além de loas ao parceiro durante o discurso, confidenciou a alguns a mais importante revelação: havia sugerido a Barack Obama, anos atrás, o nome de Fraga para presidir o Federal Reserve, como é conhecido o BC americano. Geithner, que hoje preside o Warburg Pincus, um dos maiores fundos de private equity do mundo, trata o brasileiro como um líder “notável, confiável e competente”.

E compartilha com ele ideias muito próximas, quase idênticas, sobre o impacto negativo de políticas populistas que tomaram conta de governos aqui e alhures. Dessa deturpação do Estado indutor parte o diagnóstico de ambos para a crise. Eles condenam o que classificam de ênfase em ganhos imediatos em detrimento dos avanços sustentáveis de longo prazo. Nesse tocante, Fraga não economizou críticas ao falar sobre o desastre brasileiro na festa em Manhattan: “Os 13 anos de governo petista levaram o Brasil a um pesadelo, marcado pela captura do Estado por interesses partidários e empresariais.”

Avaliou o ex-presidente do BC que o abandono das reformas, ainda na gestão Lula, foi fatal para a sustentabilidade fiscal. “Ali o populismo já estava exibindo sua face repugnante, assim como a política e a moral do que seria conhecido como lulopetismo.” Não soaram menos contundentes as palavras de Geithner, que saudou os esforços de combate à corrupção no Brasil e, mesmo sem citar diretamente a polêmica candidatura de Donald Trump à presidência, deixou evidente que se referia ao multibilionário republicano quando apontou que seu país também encara uma novela eleitoral complexa.

“Isso faz o Brasil parecer menos louco”, comparou. Fraga e Geithner mostraram-se capazes de arrancar aplausos das centenas de investidores presentes – muitos dos quais perderam dinheiro a rodo nos últimos tempos com as idiossincrasias políticas, diga-se de passagem – não apenas quando traçaram um retrato claro sobre o cenário até aqui. Foram também ovacionados ao fornecerem prognósticos. Ao menos no que tange ao Brasil, a aposta à mesa era a melhor possível. Disse Fraga: “Nem tudo está perdido.”

Ele (que teve a fala interrompida seis vezes pela claque entusiasmada) apontou que Temer possui legitimidade para salvar a economia. “Tem apoio e legitimidade”, avalizou. Recado captado e reforçado pelos convivas. O encontro da nata de financistas brasileiros e americanos, que ocorre todos os anos cercado de pompa e glamour em um dos mais nobres endereços de Upper East Side, é imperdível por vários motivos. Não apenas pelas análises ali traçadas, mas principalmente pelos sinais que esses donos do dinheiro errante fornecem quanto à disposição para investir.

É possível, em meio ao burburinho das conversas e grupos fechados, antecipar muitos movimentos e expectativas. E, em alguns casos, as impressões são captadas ainda no calor dos acontecimentos. A escolha de Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Central, por exemplo. Por uma conjunção dos astros ela ocorreu justamente no mesmo dia da homenagem à Armínio Fraga. E arrancou dele uma aprovação efusiva: “Achei espetacular. Melhor impossível.” Reações do mesmo calibre foram emitidas também por nomes como Roberto Setubal, presidente do Banco Itaú: “O Ilan já trabalhou com o Meirelles em sintonia, tem um profundo conhecimento da área e deve fazer uma boa política monetária.”

No mesmo tom, Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, emendou: “É um técnico conhecido, com uma formação e uma trajetória excelentes.” Para Sergio Rial, presidente do Santander, não poderia existir dobradinha melhor. “Eles sabem no que mexer. Possuem experiência tanto pública como no setor privado. Estamos em boas mãos”. Ato contínuo à confirmação de Goldfajn no BC, saiu, na quinta-feira, 19, a nomeação de Pedro Parente para a presidência da Petrobras. Parente estava na Big Apple durante a noite de gala dos brasileiros, mas lá garantia aos interlocutores “não ter recebido ainda nenhum convite”.

Prometia estudar o assunto caso consultado. Menos de 48 horas depois era indicado ao cargo, fechando a trinca de ases com Maria Silvia Bastos Marques, na direção do BNDES. Nova York fervia com as notícias e protagonistas dessas mudanças. Em torno da cerimônia da Câmara de Comércio, nos dias anteriores e subsequentes, várias rodadas de conversas eram armadas para fechar negócios e avaliar conjunturas. Nelas tanto capitalistas quanto potenciais tomadores de financiamento para projetos se encontraram e afinaram entendimentos.

O tradicional Harvard Club e a sede do Americas Society/ Council of The Américas abrigaram diversas sessões de tratativas. O BTG Pactual chamou clientes e economistas para apresentar um panorama do mercado nacional. O anfitrião e presidente do banco, Pérsio Arida, parecia só alívio. “As coisas vão avançar muito. A equipe econômica é a melhor possível e agora temos a oportunidade de fazer o ajuste fiscal”, saudou. O braço brasileiro do Citibank também realizou seu “think tank”. O Itaú de Setubal – para quem a CPMF só vale se o “P” de provisória funcionar – seguiu na mesma toada, com uma manhã inteira de convescote.

A Fundação Getúlio Vargas organizou debates comandados pelos economistas Octávio de Barros e Carlos Geraldo Langoni. Esse último, ex-titular do BC. Hélio Magalhaes, presidente do Citibank, em entrevista à DINHEIRO, resumiu assim o day after da mudança de governo: “O grupo é excelente! depois de tudo que passamos agora vemos luz no fim do túnel. Ganhamos uma oportunidade de retomada.” 
O Citi, que se retirou da área de varejo no Brasil, vai reforçar posições no segmento corporativo onde é mais forte.

Nos saraus de banqueiros, nomes como o de Carlos Alberto Vieira, presidente do Safra; Bernardo Parnes, CEO do Deutsche Bank; Silvia Coutinho, do UBS; José Olympio Pereira, do Credit Suisse; e o megainvestidor Lírio Parisoto, detentor de mais de R$ 4 bilhões na bolsa; dividiram os salões com capitães do PIB brasileiro. Estavam lá Benjamin Steinbruch, da CSN; Pedro Faria, da BRF; Michel Klein, das Casas Bahia; Wilson Ferreira, da CPFL; Flávio Rocha, da Riachuelo; Marcos Molina, da Marfrig; Rômulo Dias, da Cielo; José Seripieri Jr, da Qualicorp; David Feffer, da Suzano; Rubens Ometto, da Cosan; e mais uma infinidade de titãs da produção.

O LIDE- Grupo de Líderes Empresariais, hoje a mais representativa entidade do meio, presidida pelo ex-ministro Luiz Fernando Furlan, com milhares de associados e um sem número de eventos de networking, tratou de arregimentar alguns blocos de representantes empresariais para tête-à-têtes segmentados na Brazilian Week, inclusive com a participação de governadores de Estados, que ali estiveram discutindo, entre outras coisas, as potencialidades regionais e a renegociação de suas dívidas com a União – temas que interessam diretamente tanto aos banqueiros como aos empresários com investimentos locais.

O retorno dos convescotes, ao que tudo indica pela quantidade de representantes de investidores que apareceram, foi garantido. Pedro Taques, do Mato Grosso, por exemplo, brilhou com uma precisa exposição sobre o duro ajuste que promoveu no orçamento público para receber investimentos privados. “Economizamos 28% do custeio da máquina e hoje produzimos 27% do agronegócio nacional.” A conta é reforçada por desempenhos como a da Marfrig, de Molina, que enxerga horizontes para mais desenvolvimento. “Estou otimista, as coisas estão melhorando e no agronegócio não tem crise.” Para Maurílio Biaggi Filho, do Grupo Maubisa, se o crédito fluir, o setor dispara.

De uma maneira ou de outra, como ficou claro nas rodadas de conversas de Nova York, o dinheiro fala mais alto e, pelas intenções de seus detentores, ele pode ensaiar nova revoada de retorno ao Brasil. “Depois da casa arrumada, logo vamos observar mais inversões de recursos no País. É só esperar”, garantiu Ricardo Diniz, da Merrill Lynch, que ouvia atentamente a palestra de Tasques sobre oportunidades no Estado. 
Decerto, a estratégia adotada pelo LIDE de aproximar empresários e políticos da banca internacional, que estava em peso na sagração de Armínio Fraga, mostrou-se inteligente.

Há três anos, João Doria, fundador do LIDE e hoje licenciado para se candidatar à prefeitura de São Paulo, iniciou entendimentos com a Câmara de Comércio neste sentido e, desde lá, o “Person of The Year”, realizado há quase meio século (exatos 46 anos), ganhou musculatura. Viu crescer o número de participantes. Foram quase 800 nesta edição. E Doria conquistou cadeira cativa no palco da celebração. Foi, inclusive, mencionado pelo orador principal como postulante a comandar a maior cidade do Brasil, numa citação pouco usual em ocasiões como essa.

No ano passado ele trabalhou junto à Câmara na escolha de Fernando Henrique Cardoso para o prêmio e, neste ano, diante das incertezas e quebra das finanças nacionais, achou a indicação de Fraga ideal. Doria, embora tucano de carteirinha, também se mostrou alinhado com as diretrizes econômicas traçadas pelo presidente Michel Temer. “Já houve melhoria gradual com a chegada de Temer. Há um represamento muito grande de investimentos e acho que pode ocorrer o destravamento daqui para frente”, diz.

É um diagnóstico com eco entre investidores. Lírio Parisoto, o maior deles nos pregões de papéis brasileiros, aponta que é preciso “deixar o homem trabalhar”, numa referência direta ao presidente empossado. “Os resultados virão naturalmente”, completa. Se a torcida dos financistas e empreendedores reunidos na Big Apple contar alguma coisa, será meio caminho andado. Qualquer presidente de banco ou CEO de companhia que se preze sabe o que deve ser feito em caso de estouro de caixa: cortar despesas, enxugar na própria estrutura, antes de sair ao mercado com o pires na mão. E é essa a lição que eles querem que o Brasil e especialmente seus governantes aprendam.

A nota destoante nessa temporada do Brazilian Week – e que depôs contra os anseios da maioria de controle orçamentário – foi a suspensão, justamente naquela semana, dos negócios com recibos de ações da Eletrobras na bolsa nova-iorquina em Wall Street. A Securities and Exchange Commission (SEC), órgão fiscalizador e regulador do mercado de capitais americano, cobra da empresa a entrega dos balanços auditados de 2014 e 2015. O que não foi feito. Mais um legado perverso da bagunça contábil deixada pela gestão de Dilma Rousseff e que estão cobrando seu preço. Os financistas americanos não perdoam essas falhas.

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O preferido dos financistas

Tem sido difícil para Armínio Fraga, o ex-presidente do BC do Brasil, driblar os convites e deixar para trás sua bagagem de experiência no setor público, várias vezes lembrada como credencial para trazê-lo de volta à ribalta. Esse legatário de Adam Smith e John Maynard Keynes, que trabalhou com a raposa das finanças globais, George Soros, e possui dupla cidadania (brasileira e americana), é a mais recente unanimidade da comunidade capitalista. Na ultima terça-feira, 17, numa noite de gala em sua homenagem, ao som de “New York, New York”, ele subiu ao palco do centenário Waldorf Astoria, em Manhattan, para receber o prêmio de “Person of The Year”, ao lado do americano Timothy Geithner, também homenageado.

Estava perfeitamente à vontade no papel de “Ás” da economia, dado que trafega com igual desenvoltura tanto na iniciativa privada como nos sisudos departamentos de política monetária de Brasília. Fraga, aos 58 anos, tem uma visão muito cristalina sobre os desvios que levaram o País a perder o prumo. E também apresenta alvissareiros prognósticos do que vem pela frente. A seguir, um resumo do que pensa e disse em Nova York para centenas de investidores e empresários presentes a sua consagração.

“A real dimensão dessas operações recentes do Mensalão e do Petrolão e sua conexão com um projeto de dominação política, fazem com que esses casos sejam únicos e sistêmicos”

“O presidente Michel Temer herda de Dilma Rousseff um sistema de crescimento quebrado e finanças públicas insustentáveis, entre outros problemas. Dilma deixou uma economia ameaçada pela insolvência”

“Dilma ganhou a reeleição apesar da desaceleração da economia, graças ao massivo financiamento de empresas. De maneira não surpreendente, ela herdou de si própria uma economia incapaz de crescer e ameaçada pela insolvência”

“Os 13 anos de governo petista levaram o Brasil a um pesadelo, marcado pela captura do Estado por interesses partidários e empresariais”

“Há terreno para a recuperação. Nem tudo está perdido. A nova equipe de governo se mostra aberta e realista quanto aos desafios pela frente”

“Os problemas brasileiros derivam de uma excessiva fé na habilidade do governo de tomar conta de tudo e de todo mundo”