31/07/2015 - 20:00
Mentalize a cena: dois grupos cidadãos furiosos travando uma verdadeira guerra urbana. Paus e pedras voando. Carros de luxo sendo incendiados. A polícia tenta controlar os ânimos, usando balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Não, não estamos descrevendo um confronto entre torcidas organizadas, antes de um clássico de futebol. Ou um protesto de professores, no Paraná. A balbúrdia em questão aconteceu em plena Paris e os envolvidos eram taxistas e motoristas do Uber, polêmico aplicativo de transporte individual.
Na capital francesa, inclusive, executivos da empresa chegaram a ser presos. O clima beligerante, que se espraia pelas mais de 300 cidades em que o Uber opera no mundo, atualmente se reproduz em algumas metrópoles brasileiras. A mais recente e ruidosa manifestação aconteceu no dia 24 de julho, no Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, diversas vias públicas foram interditadas, a exemplo do Aterro do Flamengo, por cerca de quatro mil taxistas a bordo de 3,2 mil veículos.
“O Brasil e a França são dois países com traços sindicais fortes”, afirma o advogado Fabio Kujawski, do escritório Mattos Filho, de São Paulo. “Logo, eles têm influência, tanto sobre o governo, quanto nas ruas.” O Uber é o exemplo mais bem acabado da economia colaborativa que, impulsionada pelas plataformas digitais e pela revolução na comunicação, está criando novas maneiras de se fazer negócio, sem a intermediação dos canais tradicionais. Assim como é possível ter acesso a um motorista e seu carro confortável, a preços que costumam ser inferiores aos dos táxis tradicionais, o consumidor pode, por exemplo, alugar um imóvel particular, por um curto período, para uma viagem de férias, usando o Airbnb.
Ou, ainda, em vez de comprar uma furadeira para executar uma pequeno serviço em casa, consultar qual vizinho pode lhe emprestar uma, com o aplicativo Tem Açúcar? “É uma evolução que não pode ser controlada”, afirma Patrícia Peck, advogada especialista em mídias digitais. “Não há como barrar essa onda.” Segundo a consultoria PWC, em 2025, esses aplicativos e ferramentas vão movimentar US$ 325 bilhões globalmente. Existe, no entanto, a necessidade de regulamentação desses serviços. Para o advogado Kujawski, em casos de aplicativos como os de carona ou compartilhamento de materiais domésticos, não há a necessidade de influência direta do Estado.
Já na questão de Uber e Airbnb, que auferem lucro com a economia colaborativa, o poder político deve analisar o caso. Contudo, afirma o especialista, isso não está sendo feito corretamente. “O Uber não pode ser tratado como uma empresa de transporte público de primeira necessidade, como os táxis, ônibus e vans. O Estado precisa olhar para essas empresas como negócios digitais.” Para a direção do Uber, ao contrário do que alegam seus detratores, que a acusam de não pagar impostos nos países onde atuam, a empresa já é devidamente taxada.
Para integrar a equipe da ferramenta, o profissional precisa ter licença de motorista, o que lhe garantiria o direito de transportar pessoas. Do outro lado, os taxistas se veem prejudicados e exigem que, como eles, os profissionais do Uber tenham de arcas com custos, como o alvará, que em São Paulo pode custar ao redor de R$ 300 mil. “Obviamente, o horizonte provável deve estar entre essas interpretações”, diz Kujawski. O Airbnb diz que sua empresa não compete com os hotéis de forma direta.
De olho nessa regulamentação, estão também os aplicativos de táxi e as empresas de turismo. Hoje, eles são contrários ao Uber e ao Airbnb, mas não descartam fazer negócios na área, no futuro. “Sempre optamos por trabalhar na legalidade e, ao nosso ver, o Uber é ilegal”, diz Paulo Veras, CEO da cooperativa 99 Táxis. “Contudo, caso haja uma regulamentação, uma opção possível é mesclar taxistas e motoristas em nossa plataforma.”
Segundo a advogada paulista Patrícia Peck, especialista em direito digital, a pressão contra esses aplicativos é contraproducente, do ponto de vista da evolução tecnológica. Guilherme Telles, presidente do Uber no Brasil, bate palmas para Patrícia. “Usamos a tecnologia para resolver um problema e permitir que os motoristas profissionais prestem um serviço à sociedade”, diz Telles. “Nossa intenção não é acabar com qualquer profissão, mas dar mais opções ao consumidor.”