04/03/2016 - 20:00
Cena 1. O vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, é preso na terça-feira 1, no escritório da empresa na zona sul de São Paulo. Policiais federais cumpriam uma ordem de prisão determinada pelo juiz Marcel Maia Montalvão, da cidade de Lagarto, no interior de Sergipe. O juiz determinou a quebra de sigilo de mensagens trocadas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, que pertence ao Facebook, entre suspeitos de tráfico interestadual de droga. Passados dois meses sem que as informações pedidas chegassem, e após multas pesadíssimas aplicadas à empresa, Montalvão determinou que se prendesse o executivo.
Cena 2. A Apple está em uma batalha feroz contra o FBI, que pres- siona a empresa fundada por Steve Jobs a desbloquear um iPhone de um dos responsáveis pelo ataque que matou 14 pessoas, em dezembro do ano passado, em San Bernardino, na Califórnia. O FBI alega que o celular teria informações que poderiam ajudar a elucidar o caso. A empresa com sede em Cupertino, no entanto, diz que é impossível desbloquear o aparelho sem a senha do usuário e que desenvolver uma tecnologia para conseguir os dados criaria riscos para todos os clientes da marca – e uma ameaça ao seu bilionário negócio.
Os dois casos ilustram um dilema pelo qual passam as empresas de tecnologia no mundo: conciliar o cumprimento da lei com a privacidade dos usuários. Em dezembro do ano passado, o próprio WhatsApp ficou fora do ar no Brasil por determinação da Justiça, por não repassar dados para uma investigação criminal. Assim como no caso da prisão do executivo, o aplicativo controlado pelo Facebook não tem como cumprir a decisão judicial. A empresa também diz que o WhatsApp não tem CNPJ por aqui, apesar de ser usado por mais de 100 milhões de brasileiros. “A empresa tem o maior respeito pelo Brasil e suas leis”, escreveu Dzodan em sua página no Facebook depois de ser liberado pela polícia na quarta-feira. Nos Estados Unidos, a Apple conta com o apoio público de Google, Microsoft e Facebook em sua batalha para não quebrar a segurança de seu popular smartphone.
Do ponto de vista jurídico, o Marco Civil da Internet, uma espécie de legislação que regula a web no Brasil, obriga as empresas que prestam serviço no País a armazenar os dados dos serviços prestados no País por até seis meses. “Isto está na legislação brasileira, e se a Justiça solicitar, precisa ser atendida”, afirma Carlos Affonso Souza, advogado e especialista em tecnologia da ITS-Rio, uma associação sem fins lucrativos. O WhatsApp alega que não tem esses dados, que ficam armazenados no aparelho do usuário e só ele poderia ter acesso a essas informações. “Essas empresas estão instaladas no Brasil, têm receita no País e precisam cumprir a legislação local”, diz Gisele Truzzi, sócia do escritório Truzzi Advogados, especializada em direito digital.
Mesmo considerada desproporcional por alguns advogados, a prisão de executivos de tecnologia de empresas que se recusam a cumprir ordens judiciais têm surtido efeito. Em 2012, o Google se recusava a retirar do YouTube um vídeo que criticava um candidato a prefeito em Campo Grande. O diretor-gera, Fábio Coelho, foi conduzido coercitivamente para a Polícia Federal para esclarecer a questão e no dia seguinte os filmetes foram apagados. O mesmo Google só passou a colaborar com a retirada de fotos de pedofilia de sua rede social Orkut quando o principal executivo na época, Alexandre Hohagen, foi ameaçado de prisão.
Mas, ao mesmo tempo em que defendem os dados privados de seus consumidores, é possível estar 100% seguro? “Se você quiser privacidade, entre em um quarto que tenha proteção acústica, sem Wi-Fi e sem telefone”, afirma Gisele. “Este é um mundo ideal e utópico.” Segundo ela, no mundo em que vivemos, a partir do momento em que se acessa a internet ou se utiliza um aplicativo como o WhatsApp, não há privacidade. E o consumidor de tecnologia deve ter a exata dimensão disto. Esse é mais um capítulo na longa história de conflitos entre as normas sociais e os avanços da tecnologia. É um admirável, polêmico e assustador mundo novo, em que a inovação traz desafios para a legislação. “A tecnologia nos trouxe coisas maravilhosas, mas também questões pontuais sobre direito e uma série de problemas”, diz Vinícius Zwarg, sócio do escritório Emerenciano, Baggio & Associados.