11/04/2014 - 21:00
Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, há sete anos, uma certa euforia tomou conta do País. Enquanto os brasileiros vibravam com a possibilidade de ver a Seleção Canarinho tornar-se hexacampeã em casa, reabilitando-se do desastre do Mundial de 1950, o governo falava sobre o legado que o evento deixaria para a infraestrutura, com a realização de obras que iriam transformar a mobilidade nas grandes cidades e modernizar os aeroportos já saturados.
A dois meses do pontapé inicial, apenas os estádios estão prontos – com exceção da Arena Corinthians, o Itaquerão, onde acontece a abertura, que deve ser concluída neste mês –, mas ações complementares, como estacionamentos, jardins e outros espaços projetados para o entorno ainda se arrastam. As demais obras estão sendo feitas na base do puxadinho e algumas simplesmente desapareceram dos planos. E os aeroportos, já saturados, ainda vão continuar assim por algum tempo. Um exemplo emblemático é o Estádio Nacional, em Brasília. Construído ao custo de R$ 1 bilhão, já recebeu dezenas de jogos e funciona perfeitamente como campo de futebol.
Legado incompleto: ministro Moreira Franco, ao lado de Dilma, na cerimônia
de concessão do aeroporto de Confins, em Minas
Mas ainda não foi realizado o paisagismo ao redor, assim como o túnel que interligaria o estádio ao centro de imprensa, do outro lado de uma avenida de seis pistas. O projeto, estimado em R$ 300 milhões, foi suspenso pela Justiça. O Beira-Rio, em Porto Alegre, que no dia 20 de fevereiro recebeu a visita da presidenta Dilma Rousseff, foi considerado inseguro, pelo Ministério Público, para jogos por causa dos materiais de construção abandonados do lado de fora. Os estádios também não têm, ainda, os sistemas de comunicação que permitirão às multidões de torcedores postar suas fotos nas redes sociais – além dos milhares de jornalistas estrangeiros que terão de enviar informações a seus países.
“Teremos um legadinho”, diz José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), sobre a infraestrutura que está sendo construída para o Mundial. Levantamento feito pela entidade mostra que várias obras não ficarão prontas a tempo e que outras nem sequer serão construídas, como a ligação de corredor de ônibus e monotrilho até o estádio, em Manaus, e obras de mobilidade em Fortaleza e Recife. Em Brasília, o governo abandonou um projeto de corredor de ônibus e ainda não concluiu o acesso ao aeroporto. “Gastamos de três a quatro anos com poucas providências e muitos discursos, e só nos últimos três anos decidimos correr, quando o tempo já não era suficiente”, afirma Bernasconi.
“Tapear” ou “etapear”?: Gustavo do Vale (abaixo), da Infraero, admite
que alguns aeroportos não ficarão prontos. Viracopos (foto de abre) terá
transferência gradual dos voos para o novo terminal
A maneira improvisada de lidar com os projetos está tão entranhada que rendeu até uma gafe do presidente da Infraero, Gustavo do Vale. Na segunda-feira 7, em visita na companhia da presidenta Dilma Rousseff ao aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, ele admitiu que o terminal mineiro e vários outros não ficarão prontos até a Copa, mas garantiu que as obras irão continuar nos meses seguintes. “Podemos tapear as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar como um todo”, afirmou aos jornalistas. No dia seguinte, a Infraero explicou que Vale quis dizer “etapear”, ou seja, concluir apenas algumas etapas de determinado projeto. O verbo, frise-se, não existe na língua portuguesa – mais parece um neologismo para embromação. A “etapeação” também atinge outros terminais da Infraero.
Marcha lenta: o acesso ao novo aeroporto de Natal (RN) está só 60% concluído.
Na foto, a governadora Rosalba Ciarlini visita a obra
O último balanço da estatal mostra que em Porto Alegre apenas 1,85% da obra do terminal de passageiros e 20,6% do pátio e da pista foram concluídos. Em Fortaleza, só ficou pronto 15,6% do terminal. As novas datas para a conclusão agora são 2016 e 2017. Enquanto isso, a solução da Infraero para a capital cearense, onde os materiais se acumulam ao relento, é também a construção de um puxadinho. Apesar da saturação da infraestrutura aeroportuária, o ministro da Aviação Civil, Wellington Moreira Franco, diz que não haverá problemas. “O passageiro da Copa será muito bem atendido”, afirmou o ministro, que na semana passada se reuniu com representantes das empresas aéreas para acertar um cronograma de operação nos aeroportos privatizados.
Nesse caso, as obras estarão concluídas antes dos jogos, mas não a tempo de atender às exigências das companhias aéreas, que precisam de um período de testes para ter certeza de que não terão problemas, especialmente no transporte da bagagem. Testar as novas instalações fora do pico da Copa do Mundo também é intenção dos administradores do aeroporto de Viracopos, em Campinas. O novo terminal será entregue no dia 11 de maio, mas a portuguesa TAP é a única empresa que vai operar na nova área. TAM e Gol vão transferir suas operações em julho, após a Copa, e a Azul concluirá sua transição somente em setembro. A situação se repete em Guarulhos.
Sem enfeite: Estádio Nacional, em Brasília, está sem as obras do entorno. Já as placas de sinalização
(no detalhe, à dir.), com erros de tradução, estão sendo trocadas
O Terminal 3 estará concluído, mas as empresas preferem mudar aos poucos, depois de testar todos os equipamentos. O aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, também privatizado, será entregue neste mês, mas a rodovia de acesso ao terminal ainda não está pronta e o aeroporto não será usado para a Copa. A exceção é o de Brasília, que já tem a primeira ampliação pronta e só depende de uma visita da presidenta Dilma, prevista para esta semana, para começar a operar. A não conclusão de algumas obras a tempo já é admitida pelo governo. Mesmo assim, o ministro do Turismo, Vinicius Nobre Lages, garante que o evento vai deixar um legado positivo (leia entrevista abaixo).
O trânsito de turistas, porém, pode ser dificultado pela falta de placas para orientar os 600 mil estrangeiros que devem vir ao País. Das 12 cidades-sede, apenas seis já iniciaram sua colocação. Em Brasília, algumas placas tinham erros na tradução para o inglês. A situação dos centros de atendimento ao turismo é ainda pior: apenas seis cidades começaram a construir os locais, que dificilmente estarão concluídos a tempo. Em meio a uma infraestrutura baseada em puxadinhos, o país do futebol, longe de exibir o famoso “padrão Fifa”, terá como consolo um eventual êxito dentro dos gramados da equipe comandada pelo técnico Felipão. Vai que é tua, Neymar!
“Algumas obras não serão concluídas a tempo”
Vinicius Nobre Lages, ministro do Turismo
Por Denize BACOCCINA
No cargo há apenas um mês, o ministro do Turismo, Vinicius Nobre Lages, admite que muitas obras não estarão prontas a tempo da Copa, mas diz que elas devem continuar, para melhorar a infraestrutura turística brasileira. Segundo ele, para evitar a ociosidade dos hotéis e de outros empreendimentos, cada cidade precisa elaborar um plano de negócios que leve a um aumento do fluxo turístico nos próximos anos.
Qual é a contribuição da Copa para o turismo brasileiro?
Todo evento desse porte sempre leva a um conjunto de investimentos que não seriam feitos de outra forma. É uma janela de oportunidade. Virá um novo tipo de turista: qualificado, que forma opinião. E são dois bilhões de telespectadores em todo o mundo.
O Ministério perdeu quase metade do seu orçamento. Não vai fazer falta?
Estamos num momento complicado, com eleição e contingenciamento. Vamos aproveitar esse período pós-Copa para potencializar a boa imagem do evento. Vamos fazer o que der, mas a vida não acaba em 2014.
Qual será o ganho econômico com a Copa do Mundo?
Um estudo da Fipe mostra que a Copa das Confederações gerou um PIB adicional de R$ 9,7 bilhões, com a criação de 303 mil empregos. Estimamos que a Copa irá acrescentar cerca de R$ 30 bilhões ao PIB brasileiro.
Muitas obras não ficarão prontas a tempo. Isso não será ruim para a imagem do Brasil como destino turístico?
Estamos trabalhando com um volume de obras que nunca tivemos antes. Em consequência, algumas dessas obras não serão concluídas a tempo. Mas isso não vai impedir a realização da Copa. E vamos torcer para que elas continuem depois. A agenda de qualificação e melhoria da infraestrutura turística é uma agenda permanente do setor de turismo.
Algumas cidades podem ter excesso de oferta hoteleira? Fala-se em ociosidade em Cuiabá…
Para evitar que isso ocorra, cada cidade terá de montar um plano de negócios. Cuiabá pode se tornar um grande centro de eventos no Centro-Oeste. Temos de continuar estimulando o turismo doméstico. No ano passado, tivemos 200 milhões de viagens. Concluída essa infraestrutura, se não investirmos em promoção, poderemos ter ociosidade em algumas cidades. Temos de evitar isso.
Colaborou: Ana Paula Ribeiro