28/09/2011 - 21:00
A valorização do real parecia uma verdade incontestável desde o início deste ano, quando uma enxurrada de dólares inundou o mercado atrás dos juros convidativos do Brasil. Enquanto isso, o resto do mundo apontava um cenário morno, com as economias desenvolvidas vivendo o que parecia ser uma letárgica recuperação. Centavo a centavo, essa dinâmica empurrou a cotação da moeda americana para baixo ao longo do ano, saindo de R$ 1,65 em janeiro para atingir o fundo do poço em 27 de julho, quando foi negociada a R$ 1,5388. Na semana passada, porém, os fatos contrariaram a tese da queda irreversível, e o dólar chegou perto de R$ 1,86 na quarta-feira 21. O quadro trouxe angústia para uns, um certo alento para outros, mas preocupação para todos, com a brusca valorização em período tão curto: 15,5% entre os dia 1 e 21 de setembro. Não é mero acaso que o período concentrou más notícias vindas dos países do Hemisfério Norte.
Da Grécia, nova ameaça de quebra. Da Itália, o rebaixamento da nota de classificação de risco de crédito pela agência Standard & Poor’s, na segunda-feira 19. Dos Estados Unidos, pálidos resultados de recuperação da economia. A consequência desse coquetel de pessimismo são os investidores tirando dinheiro de países emergentes, como o Brasil, e correndo para os papéis supostamente mais seguros do mundo, os títulos do Tesouro americano, mais conhecidos como T-Bonds. Como se sabe, o capital financeiro é arisco e covarde, ao contrário dos investimentos de longo prazo na produção. Daí o aumento da procura e a alta repentina das verdinhas no Brasil. “Essa alta do dólar reflete a aversão ao risco que ocorre pela demora na resolução dos problemas europeus”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao chegar a Washington, nos EUA, na quarta-feira 21, para participar da reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial (leia mais sobre o encontro na reportagem da pág. 42). Um dos grandes nós, apontou Mantega, é a dificuldade para concluir um acordo para a dívida grega entre o FMI e as autoridades monetárias da Europa.
No Brasil, a forte oscilação cambial ainda não contaminou a economia. Os exportadores, que estão sempre na torcida pela desvalorização do real, ainda não veem motivos para celebrar. “Qualquer mudança mais firme só aparece nos contratos de exportação após três ou quatro meses”, diz José Augusto Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). As vendas para o mercado externo, explica ele, já foram fechadas pela cotação de R$ 1,60, válida até o fim deste ano. “Ninguém está estourando champanhe”, afirma. A indústria, de um modo geral, que busca o caminho das exportações, mas também depende das importações de matéria-prima, ainda não sente a necessidade de refazer as contas. “Só vamos começar a ter reflexo nos contratos de venda se a valorização continuar por mais uma semana”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. “Na exportação, a remuneração fica melhor. Mas, na importação, as empresas têm dificuldades na formação de preço.” Para Barbato existe uma esperança de que o dólar se mantenha no patamar atual, mas isso ainda não é o bastante para devolver a competitividade das indústrias brasileiras. “Teria de voltar a R$ 2,20, R$ 2,30”, afirma.
Sandro Benelli, do Pão de Açúcar: encomendas para o Natal feitas a um dólar mais barato
No setor de varejo, as oscilações financeiras não preocupam, uma vez que as encomendas de importados já foram feitas com bastante antecedência. “Estamos tranquilos, pois já fizemos 85% das nossas encomendas de importados, que serão desovados de agora até o Natal, a um dólar barato”, afirma Sandro Benelli, diretor de comércio internacional do Grupo Pão de Açúcar. “A alta para mais de R$ 1,80 é pontual”, diz. A percepção do executivo é compartilhada pelo economista Bruno Lavieri, da consultoria Tendências, que considera a maior parte da alta do dólar apenas um soluço, fruto da incerteza no cenário internacional. “Todas as moedas vêm perdendo valor junto ao dólar, é a fuga para a segurança”, afirma Lavieri. É bem verdade que há um tempero adicional da economia brasileira nessa cotação acima de R$ 1,80, como a queda de juros no início do mês. “Quando a volatilidade lá fora diminuir, a tendência é o real voltar a subir”, diz Lavieri. “Os fundamentos brasileiros são bons.”
Colaborou Tatiana Bautzer