05/07/2013 - 21:00
Havia décadas que temas políticos não eram pauta de conversas dos brasileiros. As cenas das seguidas manifestações nas últimas semanas contagiaram o País e muitas categorias profissionais começaram a se organizar para aumentar o coro dos descontentes. É tudo legítimo, embora em muitos casos o que se viu na rua foram defesas de interesses corporativos, reivindicações oportunistas e até mesmo ações desmedidas. Na semana passada, por exemplo, grupos de caminhoneiros pararam as estradas em vários Estados, pressionando por benefícios para o setor, como o desconto nos pedágios e no combustível. Ignoraram ordem judicial para liberar as vias e prejudicaram empresas e profissionais que não cumpriram prazos de entrega de mercadorias.
Vandalismo: bandidos atearam fogo em cabines de pedágio no interior de São Paulo
Na quarta-feira 3, médicos fizeram passeata na avenida Paulista, em São Paulo, protestando contra a eventual importação de médicos estrangeiros para atender em áreas carentes. As centrais sindicais também despertaram com os gritos das ruas e decidiram engrossar o coro, para não perder a prática de se manifestar. Chegaram a falar em greve geral, mas, diante da falta de apelo popular da proposta, tiveram de recuar e mudaram o discurso. Defendem realizar, na quinta-feira 11, paralisações alternadas em diversas categorias naquilo que foi batizado de “um dia de barulho” por Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical. Já estavam confirmados, segundo ele, protestos de metalúrgicos, dos trabalhadores do setor portuário e da construção civil, entre outros.
Alijadas, assim como os partidos políticos, das manifestações populares, as centrais sindicais tentam retomar o protagonismo de outras eras, quando lideravam os movimentos sociais. O problema é que muitas de suas demandas são extemporâneas e já não falam a mesma língua da nova geração de manifestantes. Juntamente com a Força, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT) estão convidando os seus associados a colocar no centro do debate causas antigas, como o fim do fator previdenciário e o surrado pedido de reduzir a jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas, sem diminuição de salários. “Há 20 anos queremos a redução da jornada”, diz Ricardo Patah, presidente da UGT.
“E as negociações para extinguir o fator previdenciário estão sendo pedidas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.” Estão em pauta, ainda, mais investimentos em educação e saúde e até mesmo a reforma agrária. Os protestos sempre foram expedientes utilizados pelos sindicatos para alcançar conquistas legítimas. No ano passado, foram 873 paralisações, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) (leia quadro ao final da reportagem), grande parte solicitando reajuste de salários ou planos de carreira. A grande maioria das reivindicações foi atendida depois da pressão – no ano passado, mais de 95% das categorias tiveram aumentos acima da inflação, segundo o Dieese.
Protesto: sindicalistas preparam manifestação na sede do Sindicato dos Comerciários
de São Paulo, filiado à UGT
O atual quadro econômico, porém, é um entrave para pelo menos uma das pautas que os sindicatos pretendem levar para as ruas: a redução da jornada de trabalho. Faltam profissionais, com a taxa de desemprego na casa dos 5,8% e pleno emprego em diversas áreas. “Este é o momento de pleitear essas conquistas, quando estamos mais fortes”, diz Ricardo Patah. Mas o que parece positivo para os sindicatos pode ser ilusório. Ele mesmo reconhece que se a redução de jornada fosse aprovada, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), como é o pleito das centrais, haveria a necessidade de mais profissionais a serem contratados pelas empresas. Como não há mão de obra disponível, os trabalhadores que já estão no mercado seriam valorizados.
“Os salários dos novos contratados subiriam”, diz o sociólogo José Pastore, especialista em mercado de trabalho. “Haveria um aumento de custos de pelo menos 10% para as empresas.” E isso em um momento em que a geração de novos postos de trabalho perdeu velocidade e que as empresas negociam desonerações de folha de pagamento para evitar demissões. Assim, a pauta da central sindical corre o risco de fazer barulho, sem obter grandes resultados. Ou pior: se alcançar o seu intento, promoverá efetivamente cortes de trabalhadores. “A redução da jornada não precisa ser imposta por uma PEC, ela pode ser negociada setor a setor”, diz Sylvia de Souza, gerente de relações de trabalho da Confederação Nacional da Indústria.
A estratégia de aproveitar a onda de protestos para retomar o movimento sindical pode também acabar se revertendo em antipatia aos seus líderes. Foi assim, por exemplo, com as manifestações dos caminhoneiros, incentivadas pelo Movimento União Brasil Caminhoneiro (Mubc), que parou estradas entre a segunda e a sexta-feira da semana passada. Presidido pelo empresário Nélio Botelho, o Mubc angariou mais críticas do que simpatias, mesmo entre a sua categoria, e acabou sendo multado em R$ 6,3 milhões por ter desrespeitado a Justiça. Para piorar, as paralisações levaram a extremos, como o incêndio de cabines de pedágios, e até à morte de cinco pessoas em dois acidentes. Em vez de ganhar o apoio da população, foram condenadas e não lograram nenhum avanço.