Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, o mundo viveu a quarta fase de um processo que ficou conhecido como globalização. Um ciclo de menos restrições ao comércio mundial, com múltiplas parcerias bilaterais ou em bloco entre países. Mas acabou. Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado na quarta-feira (5), mostra o caminho inverso. Desde a pandemia, quando o planeta se viu refém de máscaras, seringas e até semicondutores chineses, a palavra de ordem é protecionismo. Os países, agora, querem fortalecer suas cadeias internas de suprimento e reduzir a dependência das importações. A prova disso é a queda no fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China, a locomotiva da indústria mundial e a maior exportadora do planeta. Entre julho e dezembro de 2022, o IED no país ficou em US$ 42,5 bilhões, 73% abaixo do resultado de um ano antes. De 2020 até a primeira metade de 2022, a média semestral era de US$ 160 bilhões.

Por que a economia global decidiu pelo cada um por si? Segundo o próprio FMI, além da Covid, as crescentes tensões geopolíticas e a guerra na Ucrânia encorajaram as maiores economias do mundo a dar marcha à ré em seus acordos comerciais mundo afora ou a privilegiar apenas os países amigos na abertura de seus mercados.

Para o FMI, essa política de alinhamento por meio do friendshoring deve levar o mundo a um empobrecimento nos próximos anos. “As grandes e generalizadas perdas de produção estimadas a longo prazo mostram por que é crucial promover a integração global, em especial porque as principais economias endossam políticas voltadas para dentro”, disse a instituição, em seu relatório assinado por Jaebin Ahn, Ashique Habib, Davide Malacrino e Andrea Presbítero. A entidade calcula que a realocação do destino dos recursos pode causar uma perda de 2% à produção global no longo prazo, mas sem definir um ano específico.

Mandel Ngan

“Como a incerteza política amplifica as perdas decorrentes da fragmentação, ações multilaterais preciam ser tomadas” Kristalina Georgieva diretora-geral do FMI.

Nesse contexto de protecionismo generalizado, os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, deverão ser os mais afetados, já que dependem mais de países geopoliticamente mais distantes para escoar suas commodities minerais e agrícolas. “O protecionismo fará com que esses países estejam sujeitos a perdas severas em suas economias”, afirmaram os autores. Mas isso não quer dizer que as nações ricas passarão incólumes a esse fechamento de fronteiras.

No caso das nações desenvolvidas, sugere o FMI, os governos internos têm ferramentas para amortecer a situação. O que não é o caso do Brasil. Por aqui, precisamos manter a política da boa vizinhança com quem tiver interesse. Em 2022 fomos o sétimo destino preferido dos investidores internacionais que buscaram emergentes, segundo a consultoria internacional Kearney. Apesar de ser o melhor resultado da América Latina, seguimos atrás de China e Índia e países tradicionalmente menos democráticos como Emirados Árabes Unidos, Catar, Tailândia e Arábia Saudita. Neste ano, o IED do Brasil começou bem, mas patinou. Foram US$ 6,5 bilhões em fevereiro, tombo de quase 40% ante os US$ 10,8 bilhões de um ano antes, segundo o Banco Central.

PARA ONDE VAMOS Para evitar que esse protecionismo se alastre nos próximos anos em ritmo pandêmico, Kristalina Geogieva, diretora-geral do FMI sugere que os governos formulem políticas para equilibrar as motivações estratégicas por trás do friendshoring. “Como a incerteza política amplifica as perdas decorrentes da fragmentação, ações multilaterais devem ser tomadas para minimizar essa incerteza.”

Para o economista Marcelo Serro Azul, sócio da Unio Partners e especialista em comércio internacional, o retrocesso da globalização como resquício da pandemia fará com que os países reorganizem suas cadeias domésticas de produção. “Todos viram que precisam reduzir a dependência da importação de insumos de primeira necessidade.” Para ele, a sensação de normalidade só virá com o fim das disputas geopolíticas entre Estados Unidos e China, uma briga que se intensificou depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. “A relação estremecida gera um clima desfavorável com parceiros de ambos os lados”, afirmou.

O economista-chefe da TM3 Capital, Lucas Lautert Dezordi, alerta que a tensão atual ainda será sentida nos índices de inflação por bastante tempo. “A tese central é que os países estão buscando uma dependência menor de países produtores”, disse. “Isso tende a pressionar os custos de curto prazo, com impacto na inflação.” E é possível que este seja o primeiro (e mais imediato) dos muitos problemas que o mundo sempre enfrenta quando opta em erguer muros em vez de pontes.