04/04/2012 - 21:00
Imagine uma barreira montada com os maiores craques que o Brasil já teve em campo. Uma muralha que incluísse Pelé, Neymar, Zico e Romário, para impedir o avanço do time adversário. A fantástica equipe talvez até conseguisse neutralizar a equipe oponente, evitando que a bola chegasse ao gol. A estratégia, porém, sugaria o talento dos melhores jogadores que o País já teve para exercer um papel que não lhes caberia na história. O resultado mais provável desse jogo imaginário seria, quando muito, um empate. Afinal de contas, quem marcaria os gols brasileiros? O paralelo pode ser aplicado ao atual programa de defesa comercial que o Brasil tem adotado para incentivar a indústria.
Em vez de avançar num mundo em crise quando a economia brasileira está mais forte do que nunca, o País tem optado por erguer barreiras tarifárias para proteger o mercado interno, garantindo assim um sonolento zero a zero. O plano do governo Dilma Rousseff ficou mais do que evidente no dia 15 de setembro do ano passado, quando foi anunciado o aumento de 30 pontos percentuais do IPI para os carros importados. O anúncio reavivou fantasmas do século passado, como os do tempo da reserva de informática que vigorou entre 1984 e 1992. No papel, era um programa bem intencionado, mas que distanciou o Brasil das inovações que a nova economia proporcionou no mundo todo. Ao aumento do IPI dos carros, seguiu-se uma série de medidas de defesa – desde o controle de capitais com aumento do IOF até a salvaguarda ao vinho importado, que está em discussão.
“Tivemos uma recaída protecionista”, disse na semana passada Luis Fernando Furlan, presidente do conselho de administração da Sadia e ex-ministro do Desenvolvimento no governo Lula. Não é um fenômeno isolado. O mundo nunca esteve tão protecionista como agora. Segundo o centro de estudos Global Trade Alert, o número de medidas de defesa comercial teve um repique no segundo semestre de 2011, se aproximando do total de barreiras durante a crise de 2009 (veja quadro abaixo). Mas o que maltrata a economia brasileira é o vício de tratar os pacientes, no caso a indústria, com anestésicos que mascaram a doença: a falta de competitividade brasileira, que nunca esteve tão explícita como agora. “Erguer barreiras atende pontualmente à gritaria de um setor ou outro, mas não é uma estratégia de longo prazo”, diz Marcos Troyjo, diretor do laboratório de estudo dos Brics, na Universidade Columbia, de Nova York.
Ferreira Jr., da CPFL: investimento em P&D inseriu a empresa na lista
das empresas mais inovadoras do mundo.
O governo pretende dar uma resposta às críticas nesta semana, com o anúncio da segunda fase da política industrial. A presidenta Dilma vai empossar 19 conselhos de competitividade, formados por empresários, sindicalistas e membros do governo, que terão a função de discutir e propor medidas para melhorar o ambiente de negócios – a DINHEIRO antecipou essa intenção do governo em dezembro do ano passado. Dentre os setores eleitos estão o de petróleo e gás, equipamentos médicos, bens de capital e o automotivo. Para este último, será criado um sistema de pontuação que vai reduzir os tributos das montadoras que investirem em inovação. Aqui, o governo acerta o passo. Reduzir impostos é fundamental para diminuir o custo Brasil. O problema é o impacto nas contas públicas.
A desoneração da folha de pagamentos, por exemplo, que deve ser oficializada para nove setores, pode representar uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões só neste ano. Outro acerto é o incentivo às empresas que priorizem o conteúdo nacional. Se bem implementada, a política merece aplausos, avalia Marcos Troyjo, da Universidade Colúmbia. “É o renascimento silencioso da política de substituição de importações, mas numa edição 2.0”, diz o economista. Diferentemente daquela implementada nos anos 1970, baseada na busca de empresas nacionais que produzissem localmente o que os estrangeiros vendiam ao País, a versão atual busca incentivar a entrada de multinacionais que estabeleçam pontes com fornecedores locais. Para o professor Carlos Américo Pacheco, reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos (SP), o governo está certo em eleger setores.
“Mas políticas industriais incluem agendas complicadíssimas que exigem determinação e persistência enormes para implementá-las”, enfatiza Pacheco. A concorrência externa, que inunda o País de importados, tem servido como um elemento de pressão importante. O professor lembra, contudo, que não se pode esperar soluções apenas do governo. As empresas também precisam assumir sua parte. “A tendência é que o real permaneça valorizado e a competição internacional se intensifique. Portanto, as empresas terão de perseguir permanentemente o ganho de produtividade”, afirma. O assunto é emblemático. A iniciativa privada no Brasil investe pouco em inovação, menos até que as estatais, como apontou a Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE, de 2008.
Enquanto a maioria das empresas públicas implementou um processo ou produto novo entre 2006 e 2008, apenas 38% das companhias privadas havia incrementado a produção. A falta de horizonte de longo prazo, até pouco tempo atrás, é um dos fatores que explicam essa timidez nos investimentos. “Até recentemente, não havia estabilidade no Brasil que permitisse investimento em pesquisa e desenvolvimento, algo que só traz frutos depois de dez anos”, afirma Fernando Reinach, sócio do fundo de venture capital Pitanga. O quadro fica nítido na lista das mil empresas mais inovadoras do mundo, divulgada pela consultoria Booz Company. Apenas cinco companhias brasileiras estão nela: Petrobras, Vale, Embraer, Totvs e CPFL. Esta última estreou na lista no ano passado, com 56 projetos inovadores em andamento.
“Nossa maior ambição é fazer com que a inovação se incorpore definitivamente a nossa cultura”, diz Wilson Ferreira Jr., presidente da CPFL Energia. Mas não foi sempre assim. “Era caro investir em projetos do gênero”, diz Helder Bufarah, gerente de inovação da empresa. Isso mudou com os incentivos tributários e os fundos setoriais – os investimentos obrigatórios criados com a privatização do setor de energia. Empregar incentivos compulsórios talvez seja uma alternativa para o País até que a inovação entre no DNA das empresas privadas. Alguns setores, entretanto, têm gerado investimentos contínuos, como é o caso da cadeia de petróleo e gás, pelo alto potencial de retorno, o que garantirá o desenvolvimento local de tecnologias.
A americana GE, por exemplo, está investindo US$ 170 milhões para montar um centro de pesquisa e desenvolvimento na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, voltado para o setor de petróleo. “Queremos transformar a região num polo de exportação de tecnologia inovadora”, diz Ken Herd, líder do Centro de Pesquisas Global da GE no Brasil. Nem todos os setores têm o potencial de atrair investimentos espontâneos como o da GE. E assim o governo precisará trabalhar estratégias inteligentes para que os importados joguem a favor da competitividade do País, garantindo um ambiente ainda mais favorável para que as empresas brasileiras inovem.